quarta-feira, 3 de setembro de 2025

A NATUREZA DO CRISTO
ESTUDO COMPARATIVO 
- A Era do Espírito -

Introdução

O estudo da natureza do Cristo é um dos mais elevados e complexos temas da reflexão filosófica e religiosa. Na tradição cristã, Jesus é compreendido como Filho de Deus, revelador da vontade divina e guia da humanidade. No entanto, as interpretações históricas oscilaram entre o Cristo divinizado, o Cristo humano e o Cristo místico.

A Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec, oferece uma chave de leitura particular: a de que Jesus é o Espírito mais puro que já habitou a Terra, modelo e guia da humanidade (cf. O Livro dos Espíritos, q. 625). Não sendo Deus, mas enviado de Deus, manifesta sua condição de missionário sublime, portador da Verdade em seu mais alto grau.

Este artigo se propõe a explorar o tema da natureza do Cristo, tomando como referência o estudo presente em Obras Póstumas, os Evangelhos e a análise comparativa segundo o método espírita, sempre à luz da codificação e dos registros da Revista Espírita.

A visão espírita sobre Jesus

1. Jesus não é Deus, mas é Filho de Deus

Em O Livro dos Espíritos, na questão 625, encontramos a afirmação de que Jesus é o tipo mais perfeito que Deus ofereceu ao homem para lhe servir de guia e modelo. Isso não equivale a uma identificação de essência entre Jesus e o Criador, mas indica que sua natureza espiritual se encontra em grau superior, fruto de imensurável evolução.

Nos Evangelhos, Jesus mesmo declarou: “Meu Pai é maior do que eu” (Jo 14:28). A Doutrina Espírita, fiel ao princípio da razão e da lógica, entende essa passagem como reconhecimento de sua filiação espiritual e de sua submissão à vontade divina, sem confundi-lo com o Pai Supremo, que é a Inteligência Suprema e causa primária de todas as coisas (O Livro dos Espíritos, q. 1).

2. A missão do Cristo

Jesus, como Espírito puro, assumiu a tarefa de conduzir a humanidade terrestre, preparando o Reino de Deus no coração dos homens. Ele próprio afirmou: “Quem me recebe, recebe aquele que me enviou” (Mt 10:40). Sua autoridade espiritual não deriva de títulos terrenos, mas da plenitude de seu amor, sabedoria e fidelidade a Deus.

Na Revista Espírita (agosto de 1863), Kardec registrou instruções espirituais que confirmam a posição singular de Jesus, sem, contudo, elevá-lo à condição divina. Ele é o Mestre universal, mas não a Inteligência Suprema.

3. A natureza do Cristo em Obras Póstumas

No capítulo “Estudo sobre a Natureza do Cristo”, Kardec analisa as diversas correntes de interpretação cristológica. Reconhece que Jesus, pela sublimidade de sua missão e pela pureza de sua alma, ultrapassa a compreensão comum dos homens, mas reafirma que sua grandeza não suprime sua condição de criatura.

A Doutrina Espírita, portanto, situa o Cristo em posição singular: não é um simples homem, mas também não é Deus; é um Espírito divinamente inspirado, que alcançou o mais elevado grau de perfeição possível e, por isso, foi designado pelo Pai para conduzir a humanidade terrestre.

Cristo e a vida eterna

No Evangelho de João (17:3), Jesus ensina: “A vida eterna consiste em vos conhecer a vós, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviastes”. Essa passagem reforça a distinção entre Pai e Filho, ao mesmo tempo em que revela a centralidade de Jesus como mediador do conhecimento divino.

Segundo Kardec (O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. I), Jesus é o intérprete fiel da Lei de Deus, cuja essência é a caridade e o amor. O Cristo é, portanto, aquele que abre o caminho da vida eterna ao revelar a verdade e exemplificar o cumprimento da Lei divina em sua pureza.

Convergências com a Doutrina Espírita

Ao aplicar o método espírita de análise — que se fundamenta na razão, na universalidade do ensino dos Espíritos e na conformidade com a moral evangélica — percebemos:

  • Jesus como guia e modelo: confirmando a resposta da questão 625 de O Livro dos Espíritos.
  • Subordinação a Deus: coerente com sua própria afirmação de que o Pai é maior.
  • Missão planetária: Jesus aparece como Governador Espiritual da Terra, conforme a tradição espiritual confirmada por Emmanuel em A Caminho da Luz.
  • Natureza espiritual sublime: não divino no sentido teológico, mas divinizado pela pureza e pelo amor.

Assim, a Doutrina Espírita integra os Evangelhos e as revelações mediúnicas em uma visão racional e elevada da natureza do Cristo, sem dogmatismos, mas com profunda reverência à sua missão universal.

Conclusão

O estudo da natureza do Cristo, segundo a Doutrina Espírita, revela a harmonia entre a fé e a razão. Jesus não é Deus, mas o Espírito mais puro que já habitou a Terra, missionário sublime incumbido de conduzir a humanidade ao conhecimento e à prática da lei divina.

As palavras atribuídas a Ele — de submissão ao Pai, de preparo do Reino, de mediação da vida eterna — encontram pleno sentido na ótica espírita: a de que o Cristo é o mediador entre a humanidade e Deus, exemplo máximo de perfeição moral, modelo que deve inspirar a reforma íntima de cada Espírito em sua trajetória evolutiva.

Referências

  • KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Paris: Didier, 1857.
  • KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Paris: Didier, 1864.
  • KARDEC, Allan. A Gênese. Paris: Didier, 1868.
  • KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Paris: Didier, 1890 (póstuma).
  • KARDEC, Allan (dir.). Revista Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos (1858–1869).
  • XAVIER, Francisco Cândido. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. FEB, 1939.
  • A Bíblia de Jerusalém. Evangelho segundo João, capítulos 14 e 17.

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