Introdução
O
estudo da natureza do Cristo é um dos mais elevados e complexos temas da
reflexão filosófica e religiosa. Na tradição cristã, Jesus é compreendido como Filho
de Deus, revelador da vontade divina e guia da humanidade. No entanto, as
interpretações históricas oscilaram entre o Cristo divinizado, o Cristo humano
e o Cristo místico.
A
Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec, oferece uma chave de leitura
particular: a de que Jesus é o Espírito mais puro que já habitou a Terra,
modelo e guia da humanidade (cf. O Livro dos Espíritos, q. 625). Não
sendo Deus, mas enviado de Deus, manifesta sua condição de missionário sublime,
portador da Verdade em seu mais alto grau.
Este
artigo se propõe a explorar o tema da natureza do Cristo, tomando como
referência o estudo presente em Obras Póstumas, os Evangelhos e a
análise comparativa segundo o método espírita, sempre à luz da codificação e
dos registros da Revista Espírita.
A visão espírita sobre Jesus
1. Jesus não é Deus, mas é Filho de Deus
Em O Livro dos Espíritos, na questão 625,
encontramos a afirmação de que Jesus é o tipo mais perfeito que Deus
ofereceu ao homem para lhe servir de guia e modelo. Isso não equivale a uma
identificação de essência entre Jesus e o Criador, mas indica que sua natureza
espiritual se encontra em grau superior, fruto de imensurável evolução.
Nos Evangelhos, Jesus mesmo declarou: “Meu Pai é
maior do que eu” (Jo 14:28). A Doutrina Espírita, fiel ao princípio da
razão e da lógica, entende essa passagem como reconhecimento de sua filiação
espiritual e de sua submissão à vontade divina, sem confundi-lo com o Pai
Supremo, que é a Inteligência Suprema e causa primária de todas as coisas (O
Livro dos Espíritos, q. 1).
2. A missão do Cristo
Jesus, como Espírito puro, assumiu a tarefa de
conduzir a humanidade terrestre, preparando o Reino de Deus no coração dos
homens. Ele próprio afirmou: “Quem me recebe, recebe aquele que me enviou”
(Mt 10:40). Sua autoridade espiritual não deriva de títulos terrenos, mas da
plenitude de seu amor, sabedoria e fidelidade a Deus.
Na Revista Espírita (agosto de 1863), Kardec
registrou instruções espirituais que confirmam a posição singular de Jesus,
sem, contudo, elevá-lo à condição divina. Ele é o Mestre universal, mas não a
Inteligência Suprema.
3. A natureza do Cristo em Obras Póstumas
No capítulo “Estudo sobre a Natureza do Cristo”,
Kardec analisa as diversas correntes de interpretação cristológica. Reconhece que
Jesus, pela sublimidade de sua missão e pela pureza de sua alma, ultrapassa a
compreensão comum dos homens, mas reafirma que sua grandeza não suprime sua
condição de criatura.
A Doutrina Espírita, portanto, situa o
Cristo em posição singular: não é um simples
homem, mas também não é Deus; é um Espírito divinamente inspirado, que
alcançou o mais elevado grau de perfeição possível e, por isso, foi designado
pelo Pai para conduzir a humanidade terrestre.
Cristo e a vida eterna
No
Evangelho de João (17:3), Jesus ensina: “A vida eterna consiste em vos
conhecer a vós, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviastes”.
Essa passagem reforça a distinção entre Pai e Filho, ao mesmo tempo em que
revela a centralidade de Jesus como mediador do conhecimento divino.
Segundo
Kardec (O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. I), Jesus é o intérprete
fiel da Lei de Deus, cuja essência é a caridade e o amor. O Cristo é, portanto,
aquele que abre o caminho da vida eterna ao revelar a verdade e exemplificar o
cumprimento da Lei divina em sua pureza.
Convergências com a Doutrina Espírita
Ao
aplicar o método espírita de análise — que se fundamenta na razão, na
universalidade do ensino dos Espíritos e na conformidade com a moral evangélica
— percebemos:
- Jesus como guia e
modelo:
confirmando a resposta da questão 625 de O Livro dos Espíritos.
- Subordinação a Deus: coerente com sua
própria afirmação de que o Pai é maior.
- Missão planetária: Jesus aparece
como Governador Espiritual da Terra, conforme a tradição espiritual
confirmada por Emmanuel em A Caminho da Luz.
- Natureza espiritual
sublime:
não divino no sentido teológico, mas divinizado pela pureza e pelo amor.
Assim,
a Doutrina Espírita integra os Evangelhos e as revelações mediúnicas em uma
visão racional e elevada da natureza do Cristo, sem dogmatismos, mas com
profunda reverência à sua missão universal.
Conclusão
O
estudo da natureza do Cristo, segundo a Doutrina Espírita, revela a harmonia
entre a fé e a razão. Jesus não é Deus, mas o Espírito mais puro que já habitou
a Terra, missionário sublime incumbido de conduzir a humanidade ao conhecimento
e à prática da lei divina.
As
palavras atribuídas a Ele — de submissão ao Pai, de preparo do Reino, de
mediação da vida eterna — encontram pleno sentido na ótica espírita: a de que o
Cristo é o mediador entre a humanidade e Deus, exemplo máximo de perfeição
moral, modelo que deve inspirar a reforma íntima de cada Espírito em sua
trajetória evolutiva.
Referências
- KARDEC, Allan. O
Livro dos Espíritos. Paris: Didier, 1857.
- KARDEC, Allan. O
Evangelho segundo o Espiritismo. Paris: Didier, 1864.
- KARDEC, Allan. A
Gênese. Paris: Didier, 1868.
- KARDEC, Allan. Obras
Póstumas. Paris: Didier, 1890 (póstuma).
- KARDEC, Allan
(dir.). Revista Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos
(1858–1869).
- XAVIER, Francisco
Cândido. A Caminho da Luz. Pelo Espírito Emmanuel. FEB, 1939.
- A Bíblia de
Jerusalém. Evangelho segundo João, capítulos 14 e 17.
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