Introdução
Vivemos um momento histórico marcado por forte
polarização política. Em diferentes países, inclusive no Brasil, o debate
público tem se reduzido a uma disputa entre esquerda e direita,
frequentemente carregada de extremismos, violência e ataques pessoais. De ambos
os lados, há casos de mortes, agressões físicas e verbais, além da disseminação
de narrativas distorcidas utilizadas como propaganda partidária.
A questão não é apenas política, mas profundamente
moral. A intolerância e o fanatismo revelam a dificuldade humana em compreender
o outro e em lidar com as diferenças de opinião. Nesse contexto, a Doutrina
Espírita, codificada por Allan Kardec, oferece elementos preciosos para interpretar
o momento atual e apontar caminhos de pacificação social, sem alinhar-se a
ideologias partidárias, mas fundamentando-se na ética universal e no progresso
espiritual.
A ilusão
das narrativas e a verdade dos fatos
Kardec alerta em O Livro dos Médiuns que os
Espíritos imperfeitos exploram as paixões humanas, fomentando enganos e
ilusões. Analogamente, as narrativas políticas, quando manipuladas, afastam as
pessoas da verdade, estimulando a cegueira ideológica. A Revista Espírita
de dezembro de 1868 ressalta que “a mentira, repetida com habilidade, torna-se
instrumento de dominação”, mostrando que a manipulação da opinião pública não é
fenômeno novo, mas persiste em diferentes épocas.
O Espiritismo nos convida à análise racional e à
busca dos fatos, sem nos deixarmos conduzir por paixões cegas. O método
espírita, baseado na universalidade e na concordância dos ensinos dos
Espíritos, mostra que a verdade não é fruto de imposição, mas da convergência
de evidências.
O
fanatismo como entrave ao progresso moral
Na Revista Espírita de março de 1860, Kardec
observa que o fanatismo religioso e político é uma das maiores causas de
divisão e violência na humanidade. Para ele, o fanático acredita servir a um
ideal elevado, mas na verdade serve a si mesmo e às suas paixões. Essa análise
continua atual: quando a defesa de uma ideologia, seja de esquerda ou de
direita, transforma-se em justificativa para ódio e violência, perde-se o
sentido de justiça e de fraternidade.
O Evangelho segundo o Espiritismo (cap.
XXIV) alerta contra a tentação de confundir a causa de Deus com causas humanas.
O mesmo se aplica à política: não se pode tomar um partido como se fosse o
portador exclusivo da verdade ou do bem. A verdadeira missão do Espírito
encarnado é exercitar a razão e o amor, não perpetuar a violência.
A
responsabilidade individual diante da coletividade
Na obra A Gênese (cap. XVIII), Kardec afirma
que as crises sociais fazem parte do progresso da humanidade, funcionando como
meios de renovação. Contudo, cada indivíduo é chamado a participar dessa
transformação de forma responsável. A polarização atual demonstra que muitos
ainda cedem ao egoísmo e ao orgulho, recusando-se ao diálogo e à construção de
consensos.
A Doutrina Espírita nos ensina, em O Livro dos
Espíritos (questões 132 a 133), que estamos na Terra para aprender e
progredir. Isso implica utilizar o livre-arbítrio para promover a justiça e a
paz, não para ampliar divisões. O Espírito que se deixa dominar pelo ódio
político compromete não apenas a harmonia social, mas também seu próprio futuro
espiritual, uma vez que a lei de causa e efeito responde às nossas ações e
intenções.
O papel
da tolerância e da fraternidade
O Espiritismo não se alia a partidos, mas defende
valores universais. Como Kardec escreve em O que é o Espiritismo, a
Doutrina respeita a liberdade de consciência e não se impõe. Esse princípio é
essencial para superar os extremismos: somente pelo respeito às diferenças é
possível avançar para uma convivência pacífica.
No contexto atual, pesquisas do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e de universidades brasileiras mostram o
aumento de crimes motivados por ódio político e polarização. Esses dados
evidenciam a urgência de uma ética que vá além das ideologias e una os
indivíduos pelo reconhecimento de sua condição comum de Espíritos imortais em
aprendizado.
Conclusão
O momento atual de polarização política deve ser
compreendido como uma oportunidade de crescimento moral coletivo. A Doutrina
Espírita nos lembra que os extremismos, sejam de esquerda ou de direita, são
expressões do orgulho e do egoísmo ainda enraizados na humanidade. O verdadeiro
progresso não virá de narrativas manipuladas, mas do exercício da razão, da
fraternidade e da tolerância.
Como escreveu Kardec na Revista Espírita de
abril de 1861: “O Espiritismo não é a obra de um partido, mas da humanidade
inteira; não vem servir a paixões transitórias, mas preparar o reino da
fraternidade universal.”
Referências
- KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 1857.
- KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. 1861.
- KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. 1864.
- KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno. 1865.
- KARDEC, Allan. A Gênese. 1868.
- KARDEC, Allan. O que é o Espiritismo. 1859.
- KARDEC, Allan. Revista Espírita (1858-1869).
- IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Relatórios sobre
violência e polarização política no Brasil, 2022-2024.
- Dados de pesquisas acadêmicas em ciência política e sociologia
publicados em periódicos nacionais e internacionais (2021-2024).
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