Introdução
Vivemos
um tempo em que a ansiedade se tornou um dos maiores desafios da humanidade.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o país com o maior
número de pessoas ansiosas do planeta, atingindo cerca de 9,3% da população.
Esse dado não deve ser interpretado apenas sob o ponto de vista biológico ou
psicológico.
Para a
Doutrina Espírita, a ansiedade é também expressão de desequilíbrios mais
profundos, que remontam ao desenvolvimento espiritual do ser e à sua caminhada
evolutiva.
Este
artigo propõe uma análise espiritual e psicológica da ansiedade, considerando-a
não apenas um fenômeno mental, mas uma repercussão das experiências do Espírito
em sua longa trajetória de aprendizado. Ao confrontar as raízes espirituais da
ansiedade com as perspectivas da ciência moderna e os ensinamentos de Allan
Kardec, compreendemos que esse estado emocional é, em última instância, um
convite à transformação interior e à reconciliação com a própria consciência.
1. A gênese espiritual da ansiedade
De acordo
com O Livro dos Espíritos, o Espírito, ao passar pelas etapas do princípio
inteligente, acumula experiências nos diferentes reinos da natureza, gravando
em si os reflexos da luta pela sobrevivência. Ao adentrar o reino hominal,
carrega registros instintivos que, se não trabalhados pela razão e pelo
sentimento, podem manifestar-se sob formas desordenadas de medo, insegurança e
ansiedade.
Essa
herança espiritual compõe o substrato inconsciente de nossas emoções, onde os
conflitos não resolvidos de existências anteriores aguardam reequilíbrio.
Assim, a ansiedade pode ser compreendida como o resultado da resistência do
Espírito em se harmonizar com as leis divinas e aceitar o fluxo natural da
vida. É, em essência, a expressão da luta entre o instinto que teme e a
consciência que convida à confiança.
2. A ansiedade na atualidade: um fenômeno
multidimensional
A
psicologia e a psiquiatria modernas definem a ansiedade como uma resposta
natural do organismo a situações de ameaça, podendo tornar-se patológica quando
desproporcional ou persistente. A neurociência identifica alterações químicas
em neurotransmissores como a serotonina e a dopamina, enquanto fatores sociais
— como o excesso de estímulos digitais, a competitividade e a instabilidade
econômica — intensificam esse quadro.
No
entanto, do ponto de vista espírita, esses fatores são apenas manifestações
externas de uma desarmonia mais profunda. A Revista Espírita (1858–1869)
apresenta diversos relatos de Espíritos que continuam a experimentar estados de
ansiedade após a desencarnação, o que indica que a raiz desse desequilíbrio é
espiritual e moral, não apenas orgânica.
Kardec
explica que “as causas das enfermidades
da alma precedem as do corpo”, pois os desequilíbrios do perispírito — o
intermediário entre o Espírito e a matéria — refletem-se no organismo físico.
Assim, compreender a ansiedade requer enxergá-la como resultado da interação
entre corpo, mente e Espírito, sendo o aspecto moral o fundamento de sua origem
e também o ponto de partida de sua cura.
3. O tratamento integral: ciência, autoconhecimento
e fé raciocinada
O
Espiritismo não nega o valor dos tratamentos médicos e psicológicos. Ao
contrário, reconhece que a medicina e a psicologia são instrumentos divinos de
amparo ao ser em sofrimento. O uso responsável de medicamentos e o
acompanhamento terapêutico são meios válidos e necessários à estabilização
emocional.
Contudo,
a cura verdadeira exige vontade de reencontrar-se, isto é, o despertar
da consciência para o autodomínio e a renovação moral. O Evangelho Segundo o
Espiritismo (cap. V) ensina que “as
causas do sofrimento residem na alma” e que apenas o amor, o trabalho útil
e a fé ativa podem restaurar o equilíbrio duradouro.
A prática
da prece, a meditação, a caridade e o estudo das leis espirituais são recursos
terapêuticos da alma. Eles auxiliam o Espírito a substituir a ansiedade pela
serenidade, o medo pela confiança e o impulso desordenado pela ação consciente.
Assim, a fé raciocinada — conforme define Kardec — é o antídoto mais eficaz
contra o desespero, pois “sustenta o
homem na adversidade e lhe dá paciência e resignação”.
4. Ansiedade e evolução moral
A
ansiedade, quando observada com lucidez, revela-se um indicador do estágio
evolutivo do Espírito. Enquanto o ser ainda se debate entre o egoísmo e a
solidariedade, o apego e a renúncia, o controle e a entrega, experimenta o
conflito interior que gera tensão e desequilíbrio.
Porém, à
medida que o Espírito desperta para o amor — força organizadora do universo —,
a ansiedade perde seu caráter destrutivo e transforma-se em anseio
construtivo. Passa a ser impulso de progresso, desejo de realizar o bem e
ânsia de servir.
Em termos
espirituais, a ansiedade evolui do medo para a esperança e da inquietação para
a confiança na Lei Divina. O ser, ao compreender que tudo na vida obedece a um
propósito educativo, aprende a viver com serenidade e fé ativa, cooperando
conscientemente com sua própria evolução.
Conclusão
A
ansiedade, sob a ótica espírita, é um fenômeno complexo que envolve corpo,
mente e Espírito. Sua origem está nas resistências íntimas do ser em aceitar o
ritmo da evolução, e sua cura verdadeira depende da integração entre ciência e
espiritualidade.
Como
ensina Allan Kardec, “a calma e a
resignação, hauridas da maneira de encarar a vida terrestre e da fé no futuro,
dão ao Espírito equilíbrio e saúde moral”. Aprender a confiar nas leis de
Deus e a agir com consciência e amor é o caminho seguro para converter a
ansiedade em serenidade e o sofrimento em aprendizado.
Referências
- BIGHETTI, Leda Marques. Ansiedade.
- KARDEC, Allan. O Livro
dos Espíritos. 1857.
- KARDEC, Allan. O
Evangelho Segundo o Espiritismo. 1864.
- KARDEC, Allan. Revista
Espírita (1858–1869).
- Organização Mundial da Saúde
(OMS). Relatórios sobre Saúde Mental e Transtornos de Ansiedade.
2024.
- XAVIER, Francisco Cândido
(pelo Espírito Emmanuel). Pensamento e Vida. Federação Espírita
Brasileira.
- MIRANDA, Manoel Philomeno de
(psicografia de Divaldo P. Franco). Nos Bastidores da Obsessão.
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