Introdução
Em tempos de abundância informacional, paradoxalmente acompanhada de confusão moral e superficialidade espiritual, o desafio de transmitir o conhecimento de forma lúcida e proporcional à capacidade de compreensão do ouvinte torna-se cada vez mais urgente. Jesus, o Mestre por excelência, compreendendo as limitações culturais e espirituais de seu tempo, utilizou a linguagem simbólica das parábolas para ensinar verdades eternas sem violentar a liberdade intelectual de seus ouvintes.
Entre suas parábolas, a da candeia sob o alqueire ocupa um lugar especial, pois sintetiza o dever de iluminar sem ostentar, de revelar sem precipitar, de ensinar conforme a maturidade espiritual de quem escuta. A Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec, resgata e esclarece esse ensinamento à luz da razão, mostrando que a luz do conhecimento deve ser compartilhada com prudência, amor e discernimento.
1. A simbologia da candeia e do alqueireJesus afirmou:
“Não se acende uma candeia para colocá-la sob o alqueire, mas sobre o candeeiro, para que ilumine a todos os que estão na casa.” (Mateus 5:15)
A candeia, do latim candela, representa a luz do espírito, a chama do conhecimento e da verdade interior. O alqueire, antiga medida agrária e símbolo do que oculta, representa as limitações impostas pela ignorância, pelo medo ou pelo orgulho. Colocar a candeia sob o alqueire é esconder o conhecimento, impedir que a luz do discernimento se manifeste plenamente.
No sentido moral, o alqueire simboliza o egoísmo intelectual — o saber retido, guardado apenas para poucos. Já o candeeiro é o espaço da difusão equilibrada, onde o conhecimento serve à coletividade e não à vaidade.
Segundo os Espíritos Superiores, o conhecimento é uma luz que deve ser distribuída “na medida da capacidade de cada um”, pois “a luz excessiva ofusca, em vez de esclarecer” (Revista Espírita, 1864). Assim, o ensinamento evangélico não estimula o segredo religioso, mas a responsabilidade do educador diante da verdade.
2. A pedagogia de Jesus e a linguagem das parábolasJesus foi o maior educador da humanidade. Suas lições não se restringiam ao discurso, mas se manifestavam pelo exemplo, pela empatia e pela sabedoria em adaptar o ensino à compreensão de cada pessoa.
Conforme explica Allan Kardec (O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. XXIV), o Mestre falava por parábolas “porque, vendo, não viam, e ouvindo, não compreendiam”. A parábola, portanto, não escondia o ensinamento — apenas o revestia de imagens acessíveis ao entendimento comum. Àqueles de compreensão mais profunda, Jesus explicava o sentido espiritual, reservando-lhes o conhecimento esotérico, isto é, o que exige maturidade moral para ser assimilado.
O Espiritismo segue a mesma pedagogia gradual. Os Espíritos Superiores revelaram a Kardec que a verdade não é entregue de forma integral e imediata, mas “proporcional à capacidade de compreensão da humanidade” (Revista Espírita, abril de 1864). Assim como a criança não pode receber os mesmos ensinamentos que o adulto, a humanidade também precisa amadurecer espiritualmente para compreender a totalidade das leis divinas.
3. Conhecimento e progresso espiritualO conhecimento é um dos instrumentos mais poderosos do progresso humano. Entretanto, Kardec adverte que o saber sem amor degenera em orgulho, e o amor sem saber se perde na ignorância. É necessário unir luz e calor — inteligência e sentimento — para que a educação cumpra seu verdadeiro papel de iluminação espiritual.
A Doutrina Espírita ensina que o reino dos céus não é um lugar, mas um estado de consciência harmonizada com as leis divinas. O conhecimento espiritual, portanto, é o caminho pelo qual o Espírito se aproxima desse estado de plenitude. Cada avanço da razão representa a retirada de um “alqueire” que antes encobria a candeia da verdade.
Vivemos hoje uma nova etapa da revelação. A ciência desvela os segredos da matéria, enquanto o Espiritismo revela as leis do espírito. Kardec escreve:
“O Espiritismo vem hoje lançar luz sobre uma multidão de pontos obscuros; entretanto, não o faz inconsideradamente. Os Espíritos procedem com prudência admirável, revelando conforme o tempo e a maturidade da humanidade.” (O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. XXIV, item 5)
Essa pedagogia da prudência é essencial em tempos de desinformação digital, quando a palavra tem poder de edificar ou destruir em segundos. A responsabilidade espiritual do comunicador — seja o palestrante, o escritor, o influenciador ou o simples usuário das redes sociais — é colocar a candeia sobre o candeeiro, e não sob o alqueire da intolerância, do orgulho ou da vaidade intelectual.
4. A transmissão do conhecimento e a ética da luzO conhecimento espiritual não deve ser imposto, mas oferecido com amor e clareza. Kardec enfatiza que “a fé verdadeira é aquela que pode encarar a razão face a face em todas as épocas” (O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. XIX). Essa fé raciocinada exige um educador consciente de seu papel moral — alguém que ilumina sem cegar, que orienta sem dominar.
Transmitir o saber espiritual é um ato de caridade intelectual. Como observa a Revista Espírita (fevereiro de 1866), “a instrução é o primeiro passo para a regeneração moral”. Contudo, a educação não se limita ao intelecto; envolve o despertar da consciência e a transformação interior.
A candeia simboliza, portanto, a inteligência moral em ação — o uso da luz para o bem. Colocá-la sob o alqueire é renunciar ao dever de servir; colocá-la sobre o candeeiro é assumir a condição de colaborador consciente na obra do Cristo.
ConclusãoJesus, o Divino Pedagogo, revelou que a luz do conhecimento deve brilhar sem ostentação, guiando e não ofuscando. O Espiritismo, ao explicar o sentido moral e filosófico dessa parábola, mostra que cada Espírito é um foco de luz chamado a expandir-se conforme seu grau de entendimento e esforço próprio.
Colocar a candeia sobre o candeeiro, hoje, é estudar, dialogar, servir e divulgar a verdade com responsabilidade. É usar a palavra e a inteligência para promover o esclarecimento, jamais a discórdia. É compreender que o conhecimento espiritual é um patrimônio coletivo — luz que se multiplica quando compartilhada.
Afinal, como disse Kardec: “A luz se expande à medida que os homens se tornam capazes de suportá-la; e a humanidade caminha, passo a passo, do crepúsculo à plena claridade do dia espiritual.”
Referências- ALLAN KARDEC. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 39ª ed. São Paulo: IDE, 1984.
- ALLAN KARDEC. Revista Espírita: Jornal de Estudos Psicológicos (1858–1869).
- ALLAN KARDEC. O Livro dos Espíritos. 1ª ed. Paris: Didier, 1857.
- BATTAGLIA, O. Introdução aos Evangelhos – Um Estudo Histórico-Crítico. Rio de Janeiro: Vozes, 1984.
- BOULDING, K. E. O Impacto das Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Zahar, 1974.
- CHEVALIER, J.; GHEERBRANT, A. Dicionário de Símbolos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1992.
- GREGÓRIO, Sérgio Biagi. A Candeia e o Alqueire. Artigo.
- HESSEN, J. Teoria do Conhecimento. Coimbra: Arménio Amado, 1968.
- IDÍGORAS, J. L. Vocabulário Teológico para a América Latina. São Paulo: Paulinas, 1983.
- LEON-DUFOUR, X. e outros. Vocabulário de Teologia Bíblica. Rio de Janeiro: Vozes, 1972.
Nenhum comentário:
Postar um comentário