Introdução
O século
XXI é marcado por extraordinários avanços tecnológicos e, paradoxalmente, por
uma crescente fragilidade emocional. As redes sociais, a pressa cotidiana e as
pressões econômicas e culturais têm acentuado a impaciência e a intolerância.
Vivemos conectados a tudo e a todos, mas desconectados de nós mesmos. As
irritações e os conflitos se multiplicam — no trânsito, no lar, no trabalho e
até em ambientes religiosos. Esse cenário evidencia o descompasso entre o
progresso material e o progresso moral, questão já antecipada por Allan Kardec
em O Livro dos Espíritos (questões 783 e 785), quando os Espíritos
afirmam que o verdadeiro progresso da humanidade depende do aperfeiçoamento
moral de seus indivíduos.
A Doutrina
Espírita propõe um caminho de transformação interior, no qual cada desafio
cotidiano é visto como oportunidade de crescimento. O autodomínio, nesse
contexto, torna-se a pedra angular da transformação íntima e da construção da
paz social.
1. A raiva e a impaciência como sintomas da
imaturidade espiritual
O
Espírito Joanes, pela psicografia de Raul Teixeira, afirma que “nada mais comum nas atividades terrenas do
que o hábito enraizado das querelas e das chateações”. Essa constatação
traduz um estado evolutivo ainda marcado pelo orgulho e pelo egoísmo — vícios
apontados por Kardec em O Evangelho segundo o Espiritismo (cap. IX) como
raízes de quase todos os males humanos.
O homem
moderno, embora tecnicamente avançado, ainda demonstra primitivismo moral. A
irritação fácil, a agressividade verbal e o descontrole emocional são
manifestações de um desequilíbrio que precisa ser tratado pela via da educação
espiritual. As conquistas da ciência e da tecnologia não bastam para regenerar
o coração humano — essa tarefa pertence à moral evangélica, reiluminada pela
Doutrina Espírita.
2. A pedagogia espírita das emoções
O
Espiritismo é, essencialmente, uma pedagogia da alma. Em setembro de 1863, a Revista
Espírita publicou a observação de Kardec de que “o verdadeiro caráter do homem de bem é o domínio de si mesmo”. Não
se trata de reprimir emoções, mas de educá-las, canalizando-as para o bem e
para o equilíbrio interior.
O
Espírito Emmanuel, em Pensamento e Vida, ensina que “a emoção educada é uma bênção de equilíbrio para o mundo”. Essa
lição mostra que a serenidade não é passividade, mas força moral disciplinada.
Dominar-se não é ser frio; é ser lúcido.
Nos dias
atuais, marcados por altos índices de ansiedade e depressão, segundo a
Organização Mundial da Saúde (OMS, 2024), a proposta espírita de autodomínio
ganha novo relevo. A educação emocional é, ao mesmo tempo, exercício espiritual
e medida preventiva de saúde mental.
3. Exercícios práticos de autodomínio segundo o
método espírita
A teoria
espírita, por mais esclarecedora que seja, precisa se traduzir em vivência.
Kardec lembra, em O Evangelho segundo o Espiritismo (cap. XVII, item 4),
que o verdadeiro espírita “reconhece-se
pela sua transformação moral e pelos esforços que faz para domar suas más
inclinações”.
Em
consonância com esse princípio, a prática espírita do autodomínio pode ser
exercitada nas mais simples circunstâncias da vida:
- No trânsito: diante da impaciência
alheia, o espírita é convidado a respirar, silenciar e orar brevemente —
deslocando o foco da emoção para a consciência.
- No trabalho: a pausa antes da resposta
impulsiva é um espaço de lucidez, onde o Espírito escolhe agir em vez de
reagir.
- No lar: o silêncio caridoso,
seguido do diálogo maduro, é prova de compreensão e amor.
- Nas redes sociais: o autocontrole digital é
nova forma de vigilância moral — pensar antes de postar é também um ato de
caridade.
Essas
práticas refletem o método espírita de “ver,
pensar, sentir e agir” — um processo racional e emocional que transforma o
aprendizado doutrinário em ação edificante.
4. O papel da prece e da vigilância mental
O
autodomínio não é apenas conquista humana, mas cooperação entre o esforço
pessoal e o amparo espiritual. “Vigiai e
orai, para não cairdes em tentação” (Mt 26:41), ensinou Jesus. Emmanuel
explica, em Caminho, Verdade e Vida, que “a oração é o fio invisível que liga o coração humano ao coração
divino”.
A prece
sincera não elimina as dificuldades, mas confere serenidade para enfrentá-las.
Espíritos benfeitores nos auxiliam, inspirando pensamentos equilibrados e
fortalecendo a vontade. Joanes recorda que
“cada esforço que fizermos por nos melhorarmos será secundado pela ajuda de
luminosos imortais”. Assim, cada pequena vitória interior repercute no
campo espiritual como contribuição efetiva para o bem coletivo.
5. A serenidade como força transformadora
Em O
Evangelho segundo o Espiritismo (cap. XII, item 7), Kardec afirma: “A verdadeira coragem está na superioridade
moral que faz o homem dominar-se”. Essa superioridade não nasce da
repressão, mas do amadurecimento interior.
A
paciência e a mansuetude, muitas vezes vistas como fraqueza, são, na verdade,
expressões de força moral. O indivíduo sereno torna-se um agente de equilíbrio
onde quer que esteja, irradiando paz e colaborando silenciosamente com a
regeneração planetária.
Vivemos a
transição de um mundo de provas e expiações para um mundo de regeneração,
conforme explica A Gênese, cap. XVIII. Essa nova etapa exige corações
equilibrados e mentes educadas, capazes de reagir com discernimento e
compaixão. Educar as emoções é, portanto, colaborar com o projeto divino da
renovação da Terra.
Conclusão
A
educação emocional é o elo entre o conhecimento e a vivência do Evangelho.
Aprender a sentir com equilíbrio é aprender a amar com sabedoria. A Doutrina
Espírita, com sua fé raciocinada, oferece o roteiro seguro dessa transformação:
conhecer, refletir, aplicar e perseverar.
Cada vez
que vencemos o impulso da irritação, cada vez que preferimos a serenidade ao
revide, tornamo-nos “os mais fortes”
— não por sobrepor-nos aos outros, mas por vencer a nós mesmos.
O
progresso moral é obra conjunta do Espírito e do Alto. E quando, diante da
contrariedade, pudermos dizer com humildade e gratidão: “Fui o mais forte”,
estaremos contribuindo para a regeneração do mundo e para a nossa própria libertação
espiritual.
Referências
- Kardec, Allan. O Livro
dos Espíritos. 86ª ed. FEB.
- Kardec, Allan. O
Evangelho segundo o Espiritismo. 122ª ed. FEB.
- Kardec, Allan. Revista
Espírita (1858–1869).
- Kardec, Allan. A Gênese.
FEB.
- Kardec, Allan. Obras
Póstumas. FEB.
- Emmanuel (Espírito),
psicografia de Francisco Cândido Xavier. Pensamento e Vida. FEB.
- Emmanuel (Espírito),
psicografia de Francisco Cândido Xavier. Caminho, Verdade e Vida.
FEB.
- Teixeira, Raul (Espírito
Joanes). Para uso diário. Ed. Fráter.
- Redação do Momento
Espírita. “Aborrecimentos”. Disponível em: momento.com.br.
- Organização Mundial da Saúde
(OMS). Relatório Mundial sobre Saúde Mental 2024.
Nenhum comentário:
Postar um comentário