Introdução
Desde
os primórdios da humanidade, o contato com o invisível acompanha o ser humano
em suas expressões culturais, religiosas e filosóficas. A Doutrina Espírita,
codificada por Allan Kardec no século XIX, sistematizou esse fenômeno,
oferecendo-lhe base científica e moral.
Segundo
o Codificador, o Espiritismo é “uma
ciência que trata da natureza, da origem e do destino dos Espíritos e de suas
relações com o mundo corporal”. Essa relação se estabelece pela mediunidade
— faculdade inerente a todos os seres humanos —, por meio da qual se dá a
comunicação entre os dois planos da vida.
A mediunidade como lei natural
Compreendida
em sua amplitude, a mediunidade é um elo de interexistência entre o mundo
físico e o espiritual. A Doutrina Espírita demonstra que ela não é um
privilégio, mas uma faculdade natural, universal e contínua. Essa interação,
sustentada pelo fluido cósmico universal — energia primordial que serve de
intermediário entre o Espírito e a matéria —, explica a influência recíproca
entre encarnados e desencarnados.
Essa
visão amplia o conceito de ser humano, que deixa de ser apenas um organismo
biológico para revelar-se como um ser espiritual em trânsito pela matéria.
Nos
tempos modernos, novas formas de comunicação interdimensional, como a
Transcomunicação Instrumental (TCI), vêm ampliando o campo de investigação da
mediunidade. Ainda que sujeitas à análise científica e ao rigor metodológico,
essas experiências apenas confirmam o que Kardec já afirmava em O Livro dos
Médiuns: o Espírito, atuando sobre os elementos sutis da matéria, pode
manifestar-se de modos variados — desde os efeitos inteligentes até os efeitos
físicos.
A dimensão social da mediunidade
A
influência espiritual, contudo, não se restringe ao indivíduo. Ela se estende à
coletividade, modelando épocas, civilizações e ideologias. É nesse ponto que
surge o conceito de mediunidade social, proposto por Humberto Mariotti,
inspirado nos estudos de Manuel S. Porteiro.
Essa
expressão designa o fenômeno pelo qual Espíritos superiores influenciam
consciências e sociedades inteiras, impulsionando-as ao progresso moral e
intelectual. Mariotti vislumbrou o advento de uma Espiritocracia — uma
democracia iluminada pela ética e pela inspiração espiritual —, aprimorando o
ideal de “aristocracia intelecto-moral” sugerido por Kardec.
Essa
leitura sociológica da mediunidade encontra eco em Léon Denis, que reconheceu
nos grandes movimentos humanos a ação de inteligências espirituais. Para ele,
“as almas dos mortos não são entidades vagas, mas centros ativos de vida
capazes de exercer influência sobre a humanidade terrestre”. Denis via a
história como um vasto campo de cooperação entre as duas humanidades — a
visível e a invisível.
Joana d’Arc e o papel dos Espíritos na história
Um dos
exemplos mais expressivos dessa intervenção é o de Joana d’Arc. Movida
por vozes e visões desde a infância, essa jovem camponesa conduziu exércitos e
alterou o rumo da história francesa. Sob a ótica espírita, Joana foi
instrumento de uma missão inspirada por Espíritos elevados, conforme analisou
Léon Denis em Joana d’Arc, Médium.
Kardec
também reconheceu a autenticidade de comunicações atribuídas à heroína na Revista
Espírita de 1858, considerando plausível que sua vida tivesse sido dirigida
por uma assistência espiritual organizada.
Casos
como o de Joana ilustram o princípio espírita de que os Espíritos influenciam
os acontecimentos humanos — individual ou coletivamente —, conforme exposto em O
Livro dos Espíritos (questões 459 a 545). Tais influências podem inspirar o
bem ou fomentar a discórdia, dependendo da natureza moral das entidades
envolvidas e do livre-arbítrio humano.
Releitura histórica e responsabilidade espiritual
A
história humana, revisitada sob a ótica espírita, revela inúmeros episódios
marcados pela ação extrafísica: Moisés e o Êxodo, as manifestações do
Pentecostes, as tradições védicas e célticas, a inspiração de obras literárias
e os movimentos sociais que transformaram civilizações.
Em
cada época, Espíritos superiores ou inferiores encontraram, entre os
encarnados, instrumentos afinados às suas vibrações, influenciando decisões e
destinos coletivos. Essa releitura não anula a liberdade humana, mas amplia a
compreensão dos fatores espirituais que permeiam a evolução social.
Léon
Denis adverte que tais intervenções se dão “de tempos em tempos”, conforme a
maturidade moral da humanidade, abrindo “clareiras entre as nuvens” que revelam
a presença divina na história. Assim, compreender a mediunidade como lei
natural e a influência espiritual como força dinâmica da civilização é
reconhecer que o progresso humano resulta da cooperação entre os dois planos da
existência.
Conclusão
O
Espiritismo, ao estudar a mediunidade e sua dimensão social, oferece à
humanidade uma nova chave de leitura da história: a de que o mundo material é
expressão do mundo espiritual em ação. As ideias, os ideais e as transformações
que movem os povos são frutos de inspirações que ultrapassam a fronteira da
matéria.
Cabe
ao ser humano, portanto, discernir, elevar-se moralmente e participar
conscientemente desse intercâmbio universal, transformando a influência
espiritual em instrumento de progresso e fraternidade.
Referências
- KARDEC, Allan. O
Livro dos Espíritos. Paris, 1857.
- KARDEC, Allan. O
Livro dos Médiuns. Paris, 1861.
- KARDEC, Allan. Revista
Espírita. Paris, 1858–1869.
- DENIS, Léon. Joana
d’Arc, Médium. Paris, 1910.
- MARIOTTI, Humberto.
Parapsicologia e Materialismo Histórico. Buenos Aires, 1958.
- PORTEIRO, Manuel S.
Espiritismo Dialético. Buenos Aires, 1949.
Nenhum comentário:
Postar um comentário