quarta-feira, 8 de outubro de 2025

A MEDIUNIDADE E A CONSTRUÇÃO SOCIAL DO PROGRESSO
UMA LEITURA À LUZ DA DOUTRINA ESPÍRITA
- A Era do Espírito -

Introdução

Desde os primórdios da humanidade, o contato com o invisível acompanha o ser humano em suas expressões culturais, religiosas e filosóficas. A Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec no século XIX, sistematizou esse fenômeno, oferecendo-lhe base científica e moral.

Segundo o Codificador, o Espiritismo é “uma ciência que trata da natureza, da origem e do destino dos Espíritos e de suas relações com o mundo corporal”. Essa relação se estabelece pela mediunidade — faculdade inerente a todos os seres humanos —, por meio da qual se dá a comunicação entre os dois planos da vida.

A mediunidade como lei natural

Compreendida em sua amplitude, a mediunidade é um elo de interexistência entre o mundo físico e o espiritual. A Doutrina Espírita demonstra que ela não é um privilégio, mas uma faculdade natural, universal e contínua. Essa interação, sustentada pelo fluido cósmico universal — energia primordial que serve de intermediário entre o Espírito e a matéria —, explica a influência recíproca entre encarnados e desencarnados.

Essa visão amplia o conceito de ser humano, que deixa de ser apenas um organismo biológico para revelar-se como um ser espiritual em trânsito pela matéria.

Nos tempos modernos, novas formas de comunicação interdimensional, como a Transcomunicação Instrumental (TCI), vêm ampliando o campo de investigação da mediunidade. Ainda que sujeitas à análise científica e ao rigor metodológico, essas experiências apenas confirmam o que Kardec já afirmava em O Livro dos Médiuns: o Espírito, atuando sobre os elementos sutis da matéria, pode manifestar-se de modos variados — desde os efeitos inteligentes até os efeitos físicos.

A dimensão social da mediunidade

A influência espiritual, contudo, não se restringe ao indivíduo. Ela se estende à coletividade, modelando épocas, civilizações e ideologias. É nesse ponto que surge o conceito de mediunidade social, proposto por Humberto Mariotti, inspirado nos estudos de Manuel S. Porteiro.

Essa expressão designa o fenômeno pelo qual Espíritos superiores influenciam consciências e sociedades inteiras, impulsionando-as ao progresso moral e intelectual. Mariotti vislumbrou o advento de uma Espiritocracia — uma democracia iluminada pela ética e pela inspiração espiritual —, aprimorando o ideal de “aristocracia intelecto-moral” sugerido por Kardec.

Essa leitura sociológica da mediunidade encontra eco em Léon Denis, que reconheceu nos grandes movimentos humanos a ação de inteligências espirituais. Para ele, “as almas dos mortos não são entidades vagas, mas centros ativos de vida capazes de exercer influência sobre a humanidade terrestre”. Denis via a história como um vasto campo de cooperação entre as duas humanidades — a visível e a invisível.

Joana d’Arc e o papel dos Espíritos na história

Um dos exemplos mais expressivos dessa intervenção é o de Joana d’Arc. Movida por vozes e visões desde a infância, essa jovem camponesa conduziu exércitos e alterou o rumo da história francesa. Sob a ótica espírita, Joana foi instrumento de uma missão inspirada por Espíritos elevados, conforme analisou Léon Denis em Joana d’Arc, Médium.

Kardec também reconheceu a autenticidade de comunicações atribuídas à heroína na Revista Espírita de 1858, considerando plausível que sua vida tivesse sido dirigida por uma assistência espiritual organizada.

Casos como o de Joana ilustram o princípio espírita de que os Espíritos influenciam os acontecimentos humanos — individual ou coletivamente —, conforme exposto em O Livro dos Espíritos (questões 459 a 545). Tais influências podem inspirar o bem ou fomentar a discórdia, dependendo da natureza moral das entidades envolvidas e do livre-arbítrio humano.

Releitura histórica e responsabilidade espiritual

A história humana, revisitada sob a ótica espírita, revela inúmeros episódios marcados pela ação extrafísica: Moisés e o Êxodo, as manifestações do Pentecostes, as tradições védicas e célticas, a inspiração de obras literárias e os movimentos sociais que transformaram civilizações.

Em cada época, Espíritos superiores ou inferiores encontraram, entre os encarnados, instrumentos afinados às suas vibrações, influenciando decisões e destinos coletivos. Essa releitura não anula a liberdade humana, mas amplia a compreensão dos fatores espirituais que permeiam a evolução social.

Léon Denis adverte que tais intervenções se dão “de tempos em tempos”, conforme a maturidade moral da humanidade, abrindo “clareiras entre as nuvens” que revelam a presença divina na história. Assim, compreender a mediunidade como lei natural e a influência espiritual como força dinâmica da civilização é reconhecer que o progresso humano resulta da cooperação entre os dois planos da existência.

Conclusão

O Espiritismo, ao estudar a mediunidade e sua dimensão social, oferece à humanidade uma nova chave de leitura da história: a de que o mundo material é expressão do mundo espiritual em ação. As ideias, os ideais e as transformações que movem os povos são frutos de inspirações que ultrapassam a fronteira da matéria.

Cabe ao ser humano, portanto, discernir, elevar-se moralmente e participar conscientemente desse intercâmbio universal, transformando a influência espiritual em instrumento de progresso e fraternidade.

Referências

  • KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Paris, 1857.
  • KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. Paris, 1861.
  • KARDEC, Allan. Revista Espírita. Paris, 1858–1869.
  • DENIS, Léon. Joana d’Arc, Médium. Paris, 1910.
  • MARIOTTI, Humberto. Parapsicologia e Materialismo Histórico. Buenos Aires, 1958.
  • PORTEIRO, Manuel S. Espiritismo Dialético. Buenos Aires, 1949.

 

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