segunda-feira, 20 de outubro de 2025

A MÚSICA DA ALMA
LIÇÕES ESPIRITUAIS DO MESTRE TANSEN
E O CULTO INTERIOR A DEUS
- A Era do Espírito –

Resumo

A narrativa sufi sobre o músico Tansen e o imperador Akbar descreve a busca pela verdadeira harmonia espiritual. Akbar deseja ouvir o mestre de Tansen — um sábio que vive nas montanhas em comunhão com a Natureza e com o Infinito. Quando o mestre canta, seu canto é tão puro que provoca êxtase e paz profunda em quem o ouve: é a expressão viva da sintonia com o Divino. Ao tentar reproduzir a canção, Tansen explica que não poderia igualar o mestre, pois ele canta diante de Deus, enquanto Tansen canta diante dos homens. A parábola ensina que a verdadeira arte e a verdadeira paz nascem da comunhão interior com o Criador, e não da vaidade nem da exibição humana.

Introdução

A história do músico Tansen, preservada na tradição sufi e divulgada por Rabindranath Tagore, é um retrato simbólico da jornada espiritual do ser humano em busca da harmonia interior. Mais do que um conto sobre música, trata-se de uma lição sobre a sintonia divina que sustenta toda a Criação — a música como expressão da alma em união com Deus.

À luz da Doutrina Espírita, essa narrativa adquire profundo sentido filosófico e moral. Recorda-nos que o progresso espiritual é o afinamento da alma às Leis Naturais. O verdadeiro músico — assim como o verdadeiro Espírito — é aquele que aprende a harmonizar-se com o Bem, com o Amor e com a Verdade. Quando o Espírito se depura moralmente, torna-se ele próprio um instrumento divino, capaz de refletir, em notas de virtude e luz, a harmonia universal.

1. A música como expressão do Espírito

Em O Livro dos Espíritos (questão 525), Allan Kardec indaga sobre a influência dos Espíritos nos fenômenos da Natureza. Os mentores espirituais respondem que tudo está em permanente correspondência com o pensamento divino. Assim também ocorre com a música: ela traduz, em sons sensíveis, a influência do mundo espiritual sobre o mundo material.

Na parábola, o mestre de Tansen representa o Espírito elevado que canta em comunhão com Deus. Seu canto não é produto de técnica, mas fruto da pureza interior e da sintonia com o Criador. Quando ele canta, toda a Natureza parece responder em harmonia, como se o Universo inteiro participasse do mesmo concerto. Esse simbolismo aproxima-se das descrições que os Espíritos superiores fizeram a Kardec sobre os mundos felizes, onde a harmonia universal é uma realidade viva — e onde toda manifestação de beleza é, em essência, um ato de adoração.

2. O orgulho como obstáculo à sintonia divina

O imperador Akbar, em sua busca por ouvir o mestre, representa a alma humana ainda prisioneira do orgulho. Somente quando se dispõe a ir “como servo” é que o sábio aceita cantar. A lição é clara: a sintonia com o Divino só se estabelece quando o Espírito renuncia à vaidade e se abre à humildade.

Em O Evangelho segundo o Espiritismo (capítulo VII, “Bem-aventurados os pobres de espírito”), Kardec demonstra que o orgulho é uma das mais sérias barreiras ao progresso moral. O imperador precisou descer do trono simbólico do ego para compreender que o verdadeiro poder não está na autoridade terrena, mas na capacidade de reconhecer a própria pequenez diante do infinito. Assim também o Espírito precisa libertar-se das ilusões de grandeza para escutar o cântico sereno da consciência.

3. Cantar diante de Deus: o culto interior

Quando Tansen tenta repetir a canção do mestre, o imperador percebe que algo essencial falta: o espírito. O discípulo então explica que seu mestre canta diante de Deus, enquanto ele canta diante do rei. A resposta contém o núcleo da lição moral: a espiritualidade autêntica é o “canto diante de Deus” — a vivência interior da fé, da pureza de intenção e da comunhão silenciosa com o Criador.

Em O Céu e o Inferno, Kardec ensina que a consciência é o verdadeiro templo onde Deus se manifesta. O culto exterior — palavras, rituais, aparências — nada significa se o coração não estiver em harmonia com o Amor Divino. Cantar, servir, ensinar, trabalhar: tudo pode ser ato de adoração, desde que realizado com retidão e amor. O verdadeiro culto é íntimo, expresso em cada gesto de bondade e em cada pensamento elevado.

4. A paz do coração e a harmonia universal

A frase de Rousseau — “a paz de coração só se mantém pelo desprezo de tudo quanto possa perturbá-la” — reflete o mesmo princípio moral ensinado pelos Espíritos: a serenidade nasce do desapego e da consciência tranquila. O sábio do conto não habitava os palácios, mas vivia em simplicidade, símbolo do recolhimento e da pureza interior.

Do mesmo modo, o Espírito que busca a paz precisa afastar-se do tumulto das paixões humanas e recolher-se ao santuário da própria alma, onde ressoa o cântico divino da consciência. A Doutrina Espírita ensina que a felicidade não é ausência de dor, mas concordância entre o dever cumprido e as Leis de Deus. Essa harmonia — a verdadeira “música da alma” — manifesta-se quando vivemos em conformidade com o bem.

Conclusão

O conto de Tansen e Akbar é mais do que uma lenda poética: é uma parábola espiritual sobre o progresso da alma e o culto interior a Deus. O verdadeiro mestre é aquele que canta diante do Criador — cuja vida, obra e pensamento se encontram em perfeita sintonia com a Vontade Divina.

A Doutrina Espírita convida-nos a seguir esse mesmo caminho, transformando nossa existência em uma sinfonia de amor, humildade e serviço. Como o sábio dos Himalaias, somos chamados a elevar o pensamento e depurar os sentimentos, para que nossas ações, palavras e ideias se tornem também um hino à harmonia universal.

Referências

  • Allan Kardec, O Livro dos Espíritos (1857); O Evangelho segundo o Espiritismo (1864); O Céu e o Inferno (1865); Revista Espírita (1858–1869).
  • Rabindranath Tagore, A maravilhosa história do grande músico Tansen, in Selected Poems, Nova Delhi, 1976.
  • Jean-Jacques Rousseau, citação em epígrafe: “A paz de coração só se mantém pelo desprezo de tudo quanto possa perturbá-la.”
  • Inayat Khan, The Mysticism of Sound and Music, Londres, 1923.
  • Emmanuel (espírito), A Caminho da Luz, psicografia de Francisco Cândido Xavier, 1939.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

OS TRÊS CRIVOS DE SÓCRATES E A MORAL ESPÍRITA DA PALAVRA - A Era do Espírito –   Um homem procurou Sócrates para contar-lhe algo grave sob...