A
narrativa sufi sobre o músico Tansen e o imperador Akbar descreve a busca pela
verdadeira harmonia espiritual. Akbar deseja ouvir o mestre de Tansen — um
sábio que vive nas montanhas em comunhão com a Natureza e com o Infinito.
Quando o mestre canta, seu canto é tão puro que provoca êxtase e paz profunda
em quem o ouve: é a expressão viva da sintonia com o Divino. Ao tentar
reproduzir a canção, Tansen explica que não poderia igualar o mestre, pois ele
canta diante de Deus, enquanto Tansen canta diante dos homens. A parábola
ensina que a verdadeira arte e a verdadeira paz nascem da comunhão interior com
o Criador, e não da vaidade nem da exibição humana.
Introdução
A
história do músico Tansen, preservada na tradição sufi e divulgada por
Rabindranath Tagore, é um retrato simbólico da jornada espiritual do ser humano
em busca da harmonia interior. Mais do que um conto sobre música, trata-se de
uma lição sobre a sintonia divina que sustenta toda a Criação — a música como
expressão da alma em união com Deus.
À luz
da Doutrina Espírita, essa narrativa adquire profundo sentido filosófico e
moral. Recorda-nos que o progresso espiritual é o afinamento da alma às Leis
Naturais. O verdadeiro músico — assim como o verdadeiro Espírito — é aquele que
aprende a harmonizar-se com o Bem, com o Amor e com a Verdade. Quando o
Espírito se depura moralmente, torna-se ele próprio um instrumento divino,
capaz de refletir, em notas de virtude e luz, a harmonia universal.
1. A música como expressão do Espírito
Em O
Livro dos Espíritos (questão 525), Allan Kardec indaga sobre a influência
dos Espíritos nos fenômenos da Natureza. Os mentores espirituais respondem que
tudo está em permanente correspondência com o pensamento divino. Assim também
ocorre com a música: ela traduz, em sons sensíveis, a influência do mundo
espiritual sobre o mundo material.
Na
parábola, o mestre de Tansen representa o Espírito elevado que canta em comunhão
com Deus. Seu canto não é produto de técnica, mas fruto da pureza interior e da
sintonia com o Criador. Quando ele canta, toda a Natureza parece responder em
harmonia, como se o Universo inteiro participasse do mesmo concerto. Esse
simbolismo aproxima-se das descrições que os Espíritos superiores fizeram a
Kardec sobre os mundos felizes, onde a harmonia universal é uma realidade viva
— e onde toda manifestação de beleza é, em essência, um ato de adoração.
2. O orgulho como obstáculo à sintonia divina
O
imperador Akbar, em sua busca por ouvir o mestre, representa a alma humana
ainda prisioneira do orgulho. Somente quando se dispõe a ir “como servo” é que
o sábio aceita cantar. A lição é clara: a sintonia com o Divino só se
estabelece quando o Espírito renuncia à vaidade e se abre à humildade.
Em O
Evangelho segundo o Espiritismo (capítulo VII, “Bem-aventurados os pobres de espírito”), Kardec demonstra que o
orgulho é uma das mais sérias barreiras ao progresso moral. O imperador
precisou descer do trono simbólico do ego para compreender que o verdadeiro
poder não está na autoridade terrena, mas na capacidade de reconhecer a própria
pequenez diante do infinito. Assim também o Espírito precisa libertar-se das
ilusões de grandeza para escutar o cântico sereno da consciência.
3. Cantar diante de Deus: o culto interior
Quando
Tansen tenta repetir a canção do mestre, o imperador percebe que algo essencial
falta: o espírito. O discípulo então explica que seu mestre canta diante de
Deus, enquanto ele canta diante do rei. A resposta contém o núcleo da lição
moral: a espiritualidade autêntica é o “canto diante de Deus” — a vivência
interior da fé, da pureza de intenção e da comunhão silenciosa com o Criador.
Em O
Céu e o Inferno, Kardec ensina que a consciência é o verdadeiro templo onde
Deus se manifesta. O culto exterior — palavras, rituais, aparências — nada
significa se o coração não estiver em harmonia com o Amor Divino. Cantar,
servir, ensinar, trabalhar: tudo pode ser ato de adoração, desde que realizado
com retidão e amor. O verdadeiro culto é íntimo, expresso em cada gesto de
bondade e em cada pensamento elevado.
4. A paz do coração e a harmonia universal
A
frase de Rousseau — “a paz de coração só
se mantém pelo desprezo de tudo quanto possa perturbá-la” — reflete o mesmo
princípio moral ensinado pelos Espíritos: a serenidade nasce do desapego e da
consciência tranquila. O sábio do conto não habitava os palácios, mas vivia em
simplicidade, símbolo do recolhimento e da pureza interior.
Do
mesmo modo, o Espírito que busca a paz precisa afastar-se do tumulto das
paixões humanas e recolher-se ao santuário da própria alma, onde ressoa o
cântico divino da consciência. A Doutrina Espírita ensina que a felicidade não
é ausência de dor, mas concordância entre o dever cumprido e as Leis de Deus.
Essa harmonia — a verdadeira “música da alma” — manifesta-se quando vivemos em
conformidade com o bem.
Conclusão
O
conto de Tansen e Akbar é mais do que uma lenda poética: é uma parábola
espiritual sobre o progresso da alma e o culto interior a Deus. O verdadeiro
mestre é aquele que canta diante do Criador — cuja vida, obra e pensamento se
encontram em perfeita sintonia com a Vontade Divina.
A
Doutrina Espírita convida-nos a seguir esse mesmo caminho, transformando nossa
existência em uma sinfonia de amor, humildade e serviço. Como o sábio dos
Himalaias, somos chamados a elevar o pensamento e depurar os sentimentos, para
que nossas ações, palavras e ideias se tornem também um hino à harmonia
universal.
Referências
- Allan Kardec, O Livro dos
Espíritos (1857); O Evangelho segundo o Espiritismo (1864); O
Céu e o Inferno (1865); Revista Espírita (1858–1869).
- Rabindranath Tagore, A maravilhosa
história do grande músico Tansen, in Selected Poems, Nova
Delhi, 1976.
- Jean-Jacques
Rousseau,
citação em epígrafe: “A paz de coração só se mantém pelo desprezo de tudo
quanto possa perturbá-la.”
- Inayat Khan, The Mysticism
of Sound and Music, Londres, 1923.
- Emmanuel (espírito), A Caminho da
Luz, psicografia de Francisco Cândido Xavier, 1939.
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