sexta-feira, 10 de outubro de 2025

AS CONTRADIÇÕES NA LINGUAGEM DOS ESPÍRITOS
UM ESTUDO SOBRE O DISCERNIMENTO DOUTRINÁRIO
- A Era do Espírito -

Introdução

Desde os primórdios das manifestações espirituais sistematizadas por Allan Kardec, uma das críticas mais recorrentes dirigidas ao Espiritismo refere-se às aparentes contradições nas comunicações dos Espíritos. Essa diversidade de mensagens, por vezes contraditórias, gerou dúvidas sobre a credibilidade do fenômeno e serviu de argumento aos adversários da Doutrina nascente. Kardec, no artigo “Contradições na linguagem dos Espíritos”, publicado na Revista Espírita de agosto de 1858, abordou com profundidade essa questão, oferecendo um estudo metodológico e racional que permanece atual para os estudiosos contemporâneos do Espiritismo.

Hoje, mais de um século e meio após aquelas observações, as comunicações espirituais continuam a ser objeto de análise e discernimento. Em uma era marcada pela velocidade da informação e pela expansão digital dos conteúdos mediúnicos, a lição de Kardec sobre a necessidade do estudo, da observação e da crítica racional adquire novo valor. A Doutrina Espírita, como ciência de observação e filosofia moral, exige do investigador o mesmo rigor que se aplica a qualquer outro campo do conhecimento humano.

A Necessidade de um Método: Do Fenômeno à Ciência

Kardec observou que todas as ciências, em seus primórdios, enfrentaram contradições e anomalias. A Botânica, a Medicina, a Física e até a Linguística passaram por fases de incerteza até que a observação comparada e a experiência consolidassem suas bases. O Espiritismo, em sua fase inicial, não poderia fugir a essa lei natural da evolução do conhecimento.

Assim como um naturalista precisa de tempo e método para compreender as espécies, o pesquisador espírita deve comparar comunicações, observar sua coerência e confrontá-las com os princípios fundamentais da Doutrina. O Controle Universal do Ensino dos Espíritos — método proposto por Kardec — permanece como critério essencial de validação: uma ideia só pode ser aceita como verdade espírita quando confirmada, de forma concordante, por Espíritos sérios, através de médiuns diversos e em locais distintos.

Essa metodologia protege o Espiritismo tanto do erro humano quanto da influência dos Espíritos inferiores ou mistificadores, evitando que opiniões pessoais ou comunicações isoladas se transformem em “dogmas” particulares.

A Escala Espírita e o Grau de Evolução dos Comunicantes

Uma das explicações mais elucidativas apresentadas por Kardec é a diversidade de graus evolutivos dos Espíritos. Assim como na Terra há seres humanos de diferentes níveis intelectuais e morais, o mundo espiritual é composto por Espíritos em variadas etapas de progresso. Seria ilógico supor que um Espírito ignorante e atrasado pudesse expressar-se com a mesma sabedoria e elevação de um Espírito puro ou de um missionário do bem.

Com base nesse princípio, compreende-se que as contradições decorrem, em grande parte, das limitações de certos Espíritos, que ainda conservam preconceitos, paixões e opiniões humanas. O estudioso, portanto, deve avaliar o conteúdo moral e intelectual das comunicações, julgando-as pela elevação do pensamento e pela coerência com os ensinamentos universais do bem e da razão.

Kardec sintetizou esse discernimento com clareza:

“Reconhecereis os bons Espíritos pelos princípios que ensinam, porque todo Espírito que não ensina o bem não é um bom Espírito, e deveis repeli-lo.” (Revista Espírita, agosto de 1858)

O Papel do Médium e a Interferência Humana

Outro fator importante é a influência do próprio médium. A comunicação espiritual, para se tornar compreensível, passa necessariamente pelo filtro da mente, da linguagem e da cultura do intermediário. Kardec advertiu que as imperfeições morais e intelectuais do médium podem distorcer o pensamento transmitido, alterando-lhe o sentido ou o tom.

Por isso, o Espiritismo recomenda o cultivo da educação mediúnica, da vigilância moral e do estudo doutrinário. O médium bem instruído e moralmente equilibrado torna-se instrumento mais fiel, reduzindo a possibilidade de interferências ou mistificações.

Nos tempos atuais, em que as comunicações mediúnicas circulam com rapidez nas redes sociais e plataformas digitais, o cuidado com a autenticidade e a qualidade moral das mensagens torna-se ainda mais urgente. A divulgação irresponsável de textos apócrifos, atribuídos a Espíritos veneráveis sem a devida análise, representa risco de deturpação doutrinária.

A Linguagem, o Contexto e o Princípio da Caridade Intelectual

Kardec também explicou que os Espíritos superiores adaptam sua linguagem ao nível intelectual, moral e cultural dos interlocutores. Assim como um professor ensina de forma diferente a uma criança e a um adulto, os Espíritos empregam expressões e conceitos adequados à compreensão de cada grupo. Essa pedagogia espiritual, longe de constituir contradição, demonstra sabedoria e prudência.

É por isso que as comunicações devem ser interpretadas com discernimento e flexibilidade, considerando-se o contexto e o público a que se destinam. A verdade espírita é progressiva, e a linguagem dos Espíritos reflete esse movimento contínuo de educação moral da humanidade.

Discernimento e Maturidade Espiritual

As aparentes contradições, portanto, não invalidam a Doutrina Espírita, mas a confirmam em sua coerência com as leis naturais do progresso. Assim como a ciência humana evolui pela comparação e pela crítica, o Espiritismo se purifica pela análise e pelo estudo.

A Doutrina não convida à fé cega, mas ao raciocínio esclarecido. As comunicações espirituais devem ser avaliadas com calma, razão e critério moral. A verdade não se impõe pela autoridade do nome que a transmite, mas pela pureza e coerência dos princípios que ensina.

Em última análise, o Espiritismo ensina que o estudo metódico, a caridade intelectual e o amor à verdade são as ferramentas do discernimento espiritual. Como escreveu Kardec, o observador sério “haure uma multidão de nuanças delicadas que escapam ao observador superficial”. A experiência, aliada à paciência e à humildade, é o caminho seguro para distinguir o verdadeiro do ilusório.

Referências

  • KARDEC, Allan. Revista Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos, agosto de 1858. Artigo: “Contradições na linguagem dos Espíritos”.
  • KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. 2ª parte, cap. XXIV – “Identidade dos Espíritos”.
  • KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Cap. XXI – “Haverá falsos cristos e falsos profetas”.
  • ______. A Gênese. Cap. I – “Caráter da Revelação Espírita”.
  • ______. Obras Póstumas. 2ª parte – “Constituição do Espiritismo”.
  • FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. Revista Espírita – Tradução integral e comentada. Brasília: FEB, 2020.

 

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