Introdução
Vivemos
em uma sociedade marcada pela valorização da imagem, onde a aparência muitas
vezes se sobrepõe ao conteúdo. O consumo, a visibilidade e o prestígio social
parecem ditar o que é considerado valioso, em detrimento de princípios éticos e
morais. No entanto, como adverte John Wooden, “o caráter é o que você é, e a reputação é o que os outros pensam de
você”. Essa distinção simples, mas profunda, convida-nos a refletir sobre a
primazia do ser sobre o parecer.
A
Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec no século XIX, oferece uma
perspectiva esclarecedora sobre essa questão. Nos ensina que a evolução
verdadeira do ser humano não se encontra na forma exterior, mas na
transformação íntima, no progresso moral que molda o Espírito imortal.
Aparência e beleza: direitos e ilusões
A
busca pelo belo acompanha a história da humanidade. A filosofia kantiana (*) já
indicava a importância do belo e do sublime para a experiência humana, enquanto
a sociedade contemporânea amplia essa busca por meio da estética corporal, das
artes, da arquitetura e do consumo cultural. O direito a viver em espaços belos
e saudáveis é legítimo.
Todavia,
a Doutrina Espírita nos alerta que a forma é transitória. O corpo físico é
apenas um instrumento temporário, sujeito à decadência natural. O Espírito, ao
contrário, conserva os frutos de sua experiência moral e intelectual. Kardec,
em O Livro dos Espíritos (questões 91 a 101), destaca que a beleza
espiritual dos Espíritos elevados reflete a pureza de seus sentimentos, e não a
conformação material de seus corpos de prova.
(*) A filosofia de Immanuel Kant estabelece o belo
e o sublime como categorias centrais para a experiência estética, focando na
capacidade humana de sentir prazer desinteressado (belo) ou de ser confrontado
com o infinito e superá-lo com a razão (sublime). A sociedade contemporânea
amplifica essa busca ao aplicar esses conceitos a diversas esferas: a busca por
um corpo idealizado na estética corporal, a expressão artística em diversas
mídias, a experiência da grandiosidade ou imponência na arquitetura e o deleite
através do consumo de bens culturais, que se tornam objetos de juízo estético e
de identificação social. (https://www.google.com/search?)
O ideal de beleza e os preconceitos sociais
O
imaginário popular ainda associa figuras angelicais a padrões helênicos ou
arianos, reproduzindo estereótipos culturais e raciais. Contudo, o Espiritismo
afirma que não existe “raça pura” no sentido espiritual. O corpo físico é
resultado da lei biológica e da herança cultural, mas o Espírito é universal,
acima de nacionalidades e etnias.
A
miscigenação, longe de ser um problema, representa uma riqueza para a
humanidade, ao unir características diversas e estimular o aprendizado
coletivo. A Revista Espírita
(dezembro de 1861) já mencionava a importância da fraternidade universal, que
só se concretiza quando se reconhece a igualdade essencial entre todos os
seres.
O caráter como fundamento da evolução
Para
os romanos, como mostra o conhecido provérbio sobre a esposa de César, não
bastava ser honesto, era preciso parecer honesto. Essa valorização da forma em
detrimento do conteúdo persiste até hoje. Porém, do ponto de vista espírita,
somente o caráter sólido — construído pelo esforço moral — sustenta a evolução
verdadeira.
Em O
Evangelho segundo o Espiritismo (cap. XVII, item 3), os Espíritos ensinam
que o “verdadeiro homem de bem” se
reconhece não pelas aparências, mas pelo exercício constante da justiça, do
amor e da caridade. Assim, a transformação da sociedade exige não apenas
reformas externas, mas a mudança íntima de cada indivíduo.
Conclusão
O
desafio contemporâneo é cultivar o caráter em um mundo que privilegia a
aparência. O Espiritismo nos convida a resistir à superficialidade, lembrando
que a verdadeira beleza é a da alma em progresso. Reputação e imagem podem ser
circunstanciais, mas o caráter — fruto das escolhas morais e do esforço
constante de melhoria — acompanha o Espírito em sua jornada eterna.
Seguir
esse caminho é, de fato, um ato de resistência contra a lógica de consumo e de
exclusão que ainda marca o mundo. É também a realização da proposta espírita de
transformação do ser humano, preparando a Terra para uma sociedade mais justa,
solidária e fraterna.
Referências
- KARDEC, Allan. O
Livro dos Espíritos. 1857.
- KARDEC, Allan. O
Evangelho segundo o Espiritismo. 1864.
- KARDEC, Allan. Revista
Espírita (1858-1869).
- LARA, Eugenio. A
aparência e o caráter.
- KANT, Immanuel. Crítica
da Faculdade do Juízo.
- WOODEN, John. Thoughts
for Daily Living.
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