Introdução
Em tempos
de profundas transformações sociais, tecnológicas e morais, falar em conscientização
torna-se uma urgência espiritual. Mais do que um conceito filosófico ou
psicológico, trata-se de um movimento íntimo de despertar da alma para
as realidades da vida, visíveis e invisíveis. No campo espírita, a
conscientização assume um papel essencial: ela representa o ponto de passagem
entre o simples saber e o viver conscientemente as leis divinas.
A
Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec, propõe que o progresso moral e
intelectual do Espírito depende do grau de consciência que ele adquire de si
mesmo e do universo. Assim, conscientizar-se é abrir-se à luz da razão e do
sentimento, reconhecendo as causas espirituais das experiências humanas e a
responsabilidade pessoal diante da Lei de Deus.
1. O sentido humano e filosófico da conscientização
No campo
humano, a conscientização pode ser entendida como o processo pelo qual o
indivíduo toma ciência de sua própria realidade, de suas ações e de suas
consequências. É mais do que o simples ato de saber — é compreender e
transformar.
Paulo
Freire, em sua pedagogia libertadora, definiu a conscientização como a passagem
do estado de alienação para o estado de compromisso com a realidade. Essa visão
é plenamente compatível com a filosofia espírita, que ensina que o Espírito
encarnado deve reconhecer sua condição de aprendiz na escola da vida e
agir em favor do bem comum.
A
conscientização, portanto, não é apenas um fenômeno intelectual, mas ético e
espiritual. Ela conduz o ser à percepção das leis morais que regem o
universo e o impele a agir de modo coerente com a justiça, o amor e a caridade.
2. A conscientização espiritual segundo Allan
Kardec
Em O
Livro dos Espíritos (questões 621–625), Kardec ensina que a lei de Deus
está gravada na consciência, que é o “juiz íntimo” de cada alma. Quando o homem
se conscientiza dessa verdade, compreende que não há atos neutros: toda ação
gera consequências, seja para o bem, seja para o mal.
A
conscientização, sob a ótica espírita, é portanto o despertar da consciência
moral — o reconhecimento de que somos seres imortais, responsáveis pelos
nossos pensamentos, palavras e obras. Ela marca a transição do “homem natural”
(instintivo, materialista e egoísta) para o “homem de bem” descrito em O
Evangelho segundo o Espiritismo, que age guiado pela razão e pelo
sentimento de fraternidade universal.
Kardec,
na Revista Espírita de março de 1863, observa que o verdadeiro progresso
não está apenas no avanço das ciências ou das instituições, mas sobretudo na educação
moral da humanidade, que consiste em fazer o homem conhecer-se a si mesmo e
compreender a sua destinação espiritual.
3. Conscientização, autoconhecimento e transformação
íntima
A
conscientização é inseparável do autoconhecimento, pois não há lucidez
moral sem o olhar interior. O Espírito de Verdade, em O Evangelho segundo o
Espiritismo (cap. VI), exorta: “Espíritas!
Amai-vos, este é o primeiro ensinamento; instruí-vos, este o segundo.” A
instrução ilumina a inteligência, mas o amor desperta a consciência.
Desse
modo, a conscientização é o passo inicial da transformação íntima, que
consiste em reconhecer os próprios erros e empenhar-se na sua correção. Como
diz o poema de Elio Mollo:
“Se a consciência é o julgamento
íntimo da alma,
aprovando ou não as suas ações,
a conscientização conclama
para no errado fazer as devidas correções.”
Ao
perceber-se como Espírito imortal, o ser humano compreende que sua existência é
uma oportunidade sagrada de crescimento. Esse reconhecimento o liberta das
ilusões transitórias e o convida a viver de acordo com os valores eternos.
4. Dimensões social e espiritual da conscientização
A
conscientização não é apenas individual; possui também uma dimensão coletiva.
Cada Espírito, ao elevar seu grau de lucidez moral, contribui para a elevação
da sociedade. O Espiritismo ensina que a regeneração do mundo se fará pela regeneração
dos indivíduos, pela transformação interior que repercute nas estruturas
sociais.
Como
exemplo contemporâneo, vemos o avanço das campanhas de conscientização
ambiental, que convidam à responsabilidade com o planeta. Sob a ótica
espírita, essa consciência ecológica é um reflexo da lei de solidariedade
universal, que une todos os seres da criação. Cuidar da natureza é, portanto,
um dever espiritual — expressão prática do amor ao próximo estendido a todas as
formas de vida.
5. O despertar contínuo da consciência
A
conscientização é um processo gradual e progressivo, que acompanha o
desenvolvimento do Espírito ao longo de suas existências. Cada encarnação é uma
etapa de aprendizado, e cada desafio é uma lição para ampliar a visão da alma.
Na Revista
Espírita de abril de 1864, Kardec afirma que o Espírito progride “na razão direta de sua vontade e de seus
esforços”. Assim, a conscientização depende do esforço individual de
observar, refletir e agir de modo coerente. Ela não é um estado alcançado de
uma vez por todas, mas um exercício contínuo de vigilância e aprimoramento
moral.
Conscientizar-se
é, em última instância, reconhecer a presença divina em si mesmo, como
resume o verso final do poema citado:
“Conscientização
é o intento do homem justo
no seu procedimento em cada ação,
pois tem sempre em conta,
que Deus tem morada eterna
dentro do seu coração.”
Conclusão
A
conscientização, sob o prisma espírita, é o despertar da alma para a realidade
espiritual da vida. É a lucidez que permite compreender as leis morais, assumir
responsabilidades e agir com amor e discernimento.
Mais do
que saber, conscientizar-se é viver de forma consciente, percebendo a
interdependência entre todos os seres e a presença constante de Deus em cada
experiência. Esse despertar interior é o alicerce da transformação moral e o
caminho seguro para a perfeição relativa que o Espírito deve alcançar.
Ao
cultivar a conscientização, o ser humano ilumina não apenas a si mesmo, mas
também o mundo ao seu redor — tornando-se, pouco a pouco, um colaborador
consciente na obra divina da evolução.
Referências
- KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos.
86. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2023.
- ——————— O Evangelho
segundo o Espiritismo. 94. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2023.
- ——————— A Gênese. 55.
ed. Rio de Janeiro: FEB, 2023.
- ——————— Revista Espírita
(1858–1869). Rio de Janeiro: FEB, 2003.
- FREIRE, Paulo. Educação como Prática da
Liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967.
- MOLLO, Elio. Conscientização
(poema, 30 jul. 2007).
- HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da
Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.
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