Introdução
“Se
sabeis essas coisas, bem-aventurados sois se as fizerdes” (João 13:17).
O
ensinamento de Jesus sintetiza a ética ativa que o Espiritismo convida a viver:
conhecer o bem é um passo; praticá-lo, é o dever que autentica a fé. Ao longo
da história, essa coerência entre saber e fazer foi testada em tempos de
perseguição e censura, quando a fé precisou florescer sob regimes que negavam o
espírito.
A
narrativa do tcheco Vladimir Sládeček (Vlado), que manteve viva a chama
espírita mesmo sob o jugo do comunismo na antiga Tchecoslováquia, é um exemplo
contemporâneo dessa fé operante. Enquanto o materialismo tentava silenciar a
espiritualidade, ele e outros companheiros traduziam, escondiam e divulgavam
obras espíritas, sustentando a esperança de um mundo além da opressão
ideológica.
Este
artigo propõe uma reflexão espírita sobre a resistência moral e intelectual
diante da ideologia materialista, à luz da Doutrina codificada por Allan
Kardec, das lições da Revista Espírita (1858–1869) e das obras
complementares que analisam o papel do Espiritismo na formação de uma
consciência livre e espiritualizada.
1. O Materialismo e o Esvaziamento da Alma
Allan
Kardec, em O Livro dos Espíritos (questão 147 e seguintes), demonstra
que negar o espírito é mutilar a própria compreensão da vida. Para o
materialismo, a existência se encerra no túmulo; para o Espiritismo, ela apenas
se transforma. Essa diferença de visão estabelece a fronteira moral entre o
desespero e a esperança, entre o egoísmo e a fraternidade.
No
século XX, regimes materialistas tentaram suprimir a liberdade religiosa e
extinguir a fé no invisível. O comunismo europeu, como relatado por Josef Jackulak,
reprimiu brutalmente o Espiritismo, confiscando centros, aprisionando médiuns e
destruindo obras doutrinárias. Todavia, o que sobreviveu foi justamente o que o
materialismo não podia tocar: a fé interior.
Em A
Gênese (cap. I, item 55), Kardec afirma que “as ideias dominantes de uma época não se extinguem por decretos”.
Assim como não se apaga o sol com fumaça, o espírito não se cala sob imposições
humanas. O materialismo pode dominar o espaço público, mas não o íntimo
santuário da consciência.
Hoje,
porém, a ameaça não vem apenas de regimes políticos, mas da indiferença
espiritual moderna — um materialismo disfarçado de progresso, que valoriza
a técnica, mas despreza o sentido da vida. A Doutrina Espírita, por sua vez,
propõe equilíbrio entre ciência e moral, afirmando que o conhecimento só é
libertador quando se alicerça no amor e na fé racional.
2. O Espiritismo como Resistência Moral e
Intelectual
Desde O
Livro dos Médiuns, Kardec esclarece que o estudo dos fenômenos espirituais
exige serenidade, recolhimento e pureza de intenção. Essa exigência moral faz
do Espiritismo não apenas uma ciência de observação, mas também uma escola de
caráter.
Quando
o materialismo tenta dominar a cultura — infiltrando-se nas universidades, nas
mídias, nas escolas —, o Espiritismo responde com luz e discernimento,
reafirmando o valor da alma. É uma forma de resistência sem armas, mas
com ideias; sem imposição, mas com consciência.
O
exemplo de Vlado é emblemático: traduziu ilegalmente mais de cem obras
espíritas para o alemão e o esperanto, incluindo mensagens de Emmanuel e André
Luiz. Fez da clandestinidade um altar, e da coragem, uma prece viva. Ele
compreendeu, como Emmanuel ensina em Caminho, Verdade e Vida (cap. 87),
que “a fé sem obras é morta, mas a obra sem fé é estéril”.
Em sua
trajetória, vemos o retrato do verdadeiro discípulo de Jesus — aquele que não
se acomoda. Como recorda Emmanuel, muitos falam do Cristo, mas “como sonâmbulos inconscientes”,
esquecendo-se de viver Sua exemplificação. O Espiritismo, portanto, não é
doutrina para sonhadores adormecidos, mas para trabalhadores despertos.
3. O Brasil e o Desafio Contemporâneo
O
Brasil, país onde o Espiritismo floresceu com liberdade e vigor, enfrenta hoje
um desafio menos visível, porém mais profundo: o avanço da ideologia
materialista moderna, travestida de ceticismo, consumo e indiferença ética.
Trata-se de um materialismo que não persegue templos, mas seduz consciências —
minando valores morais, relativizando princípios e banalizando o sagrado.
A luta
espírita, portanto, é pela preservação da alma diante do império da matéria.
Emmanuel alerta, em Pensamento e Vida, que “a mente é o espelho da vida
em toda parte”. Se a mente se obscurece pela descrença, toda a sociedade
adoece.
Nesse
sentido, o movimento espírita brasileiro tem papel essencial no equilíbrio
moral da nação. Kardec já previa que o Espiritismo encontraria terreno fértil
nas terras do Sul (ver Revista Espírita, jan. 1861), onde “os corações simples acolheriam a fé
raciocinada”. O desafio é não permitir que a liberdade de crença se torne
apatia espiritual, nem que a difusão doutrinária se confunda com proselitismo
político ou ideológico.
A
verdadeira resistência espírita é moral, e seu instrumento é o exemplo:
nas famílias, nas escolas, nas redes sociais, o espírita é chamado a viver o
Evangelho como “ciência da alma”, e não apenas como crença teórica.
4. Fé, Coragem e Amor: A Tríplice Força do Resgate
Espiritual
O
Espírito Manoel Philomeno de Miranda, em suas obras sobre os bastidores
espirituais, destaca que todo trabalho de desobsessão ou resgate requer “clima
de total doação, empatia e amor fraterno”. O mesmo princípio se aplica ao
enfrentamento das sombras ideológicas que buscam dominar consciências.
O amor
é a força mais revolucionária que existe. Como lembrou Léon Denis em O
Socialismo e o Espiritismo (1924), “não
será através do crime e pelo sangue que se poderá fundar um regime de
fraternidade e de amor”. A regeneração da Terra não virá pela violência ou
imposição, mas pela iluminação moral dos indivíduos.
A fé,
portanto, não é fuga — é resistência pacífica. A coragem não é beligerância — é
fidelidade ao bem. E o amor, em sua essência divina, é a resposta permanente à
escuridão da ignorância.
Vlado
compreendeu isso. Trabalhou, sofreu, esperou. Sabia que o fruto maduro só nasce
depois da estação do cuidado. Sua história é símbolo do chamado de Jesus: “Se sabeis essas coisas, bem-aventurados
sois se as fizerdes.”
Conclusão: A Liberdade do Espírito é Invencível
O
Espiritismo não teme regimes, porque fala à eternidade. Suas raízes estão na
lei natural e em Deus, e não nas estruturas humanas. Pode ser calado por um
tempo, mas jamais extinto.
Quando
o materialismo se apresenta como solução, o Espiritismo responde com razão e
fé; quando o medo tenta paralisar, ele recorda que a consciência é livre;
quando o poder oprime, ele reacende o evangelho de amor.
A
grande tarefa espírita contemporânea é despertar consciências, preservar a
liberdade moral e reafirmar a imortalidade da alma. Como ensinou Jesus, não
basta saber: é preciso fazer.
E,
como mostrou Vlado, é possível fazer — mesmo sob as sombras mais densas —
quando se tem a luz da fé e o amparo do Cristo.
Referências
- KARDEC, Allan. O
Livro dos Espíritos. 88ª ed. FEB.
- KARDEC, Allan. O
Evangelho segundo o Espiritismo. Cap. VII. FEB.
- KARDEC, Allan. A
Gênese. Cap. I e XVII. FEB.
- KARDEC, Allan. Revista
Espírita (1858–1869).
- XAVIER, Francisco
Cândido. Caminho, Verdade e Vida, caps. 87–88. Espírito Emmanuel.
FEB.
- MIRANDA, Manoel
Philomeno de. Tramas do Destino. FEB.
- DENIS, Léon. O
Socialismo e o Espiritismo (1924).
- FORMIGA, Luiz
Carlos. O materialismo e a tarefa de Vlado.
- JACKULAK, Josef. Entrevista
sobre o Espiritismo na Europa Central. Sociedade Allan Kardec de Viena.
- Site: Visão Espírita BR.
- Blog Jorge Hessen: O
diálogo mais difícil; A elevada missão da ciência espírita.
- FRANCO, Divaldo
Pereira. Convites da Vida. Espírito Joanna de Ângelis. Ed. LEAL.
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