Introdução
A
história de dois irmãos, um gravemente enfermo e outro invisível ao olhar dos
pais, revela uma ferida silenciosa e profunda: a de crianças que, para se
sentirem amadas, acreditam precisar adoecer. O episódio narrado pela Dra.
Elisabeth Kübler-Ross mostra o quanto o amor, quando mal compreendido ou mal
distribuído, pode se transformar em fonte de dor psicológica e espiritual. À
luz da Doutrina Espírita, essa realidade convida à reflexão sobre as enfermidades
da alma infantil, as causas espirituais do sofrimento e o papel do afeto
como agente de cura e de prevenção.
A
infância, ensina Allan Kardec (O Livro dos Espíritos, q. 379 a 385), é
uma fase de readaptação do Espírito à vida corporal, em que as impressões e
sentimentos recebidos moldam o caráter e influenciam o destino moral.
Negligenciar as necessidades emocionais e espirituais das crianças é, portanto,
comprometer o equilíbrio da sociedade futura.
1. A Doença Invisível: A Carência Afetiva como
Ferida Moral
O relato
da médica evidencia um tipo de sofrimento não diagnosticado pelos exames
clínicos: a doença moral. O menino saudável, mas negligenciado, experimentava o
abandono emocional como forma de enfermidade. Na sua mente infantil, a ideia
distorcida era simples e trágica: “Para
ser amado, preciso estar doente”.
Segundo a
Doutrina Espírita, muitos distúrbios físicos e psicológicos têm origem em
desequilíbrios emocionais e espirituais. Kardec, em A Gênese (cap. XIV),
explica que o Espírito exerce influência sobre o corpo, podendo causar
desordens orgânicas quando dominado por paixões ou sofrimentos internos. Assim,
o amor negado pode se converter em angústia, e a angústia em doença.
2. A Psicogênese do Sofrimento Infantil e a Lei de
Causa e Efeito
O
Espiritismo ensina que cada Espírito traz, ao renascer, as tendências do
passado e as provas necessárias à sua evolução (O Livro dos Espíritos,
q. 393-399). No entanto, a forma como essas tendências se manifestam depende do
ambiente familiar e educativo. Pais que discriminam, comparam ou sobrecarregam
os filhos sem perceber, podem reavivar dores pretéritas e gerar novos débitos
afetivos.
A Lei de
Causa e Efeito não atua como castigo, mas como mecanismo pedagógico da vida. A
criança que nasce em um lar desequilibrado pode estar ali em prova de
aprendizado mútuo: para ensinar o amor e aprender a amar. Contudo, o
livre-arbítrio dos adultos é decisivo — podem perpetuar a dor ou transformá-la
em oportunidade de reparação e crescimento espiritual.
3. A Medicina do Amor: Cura Preventiva das
Enfermidades da Alma
Elisabeth
Kübler-Ross, pioneira nos estudos sobre a morte e o morrer, dizia que “as pessoas mais difíceis de amar são as que
mais precisam de amor”. Essa verdade ecoa no pensamento espírita, segundo o
qual o amor é a força curativa mais profunda do Universo (O Evangelho
segundo o Espiritismo, cap. XI).
O amor
incondicional, quando praticado desde a infância, atua como vacina moral e
espiritual contra os males da alma. Crianças amadas aprendem a amar;
crianças ouvidas aprendem a dialogar; crianças respeitadas aprendem a
respeitar. O lar se torna, então, o primeiro hospital da alma e a primeira
escola de sentimentos, onde a ternura é o remédio e o exemplo é o método.
4. A Linguagem do Amor na Educação Moral
Kardec
destaca que “a educação é a arte de
formar caracteres” (O Livro dos Espíritos, q. 917). Educar
moralmente é ensinar a sentir — é formar a consciência sobre o bem, sobre o
respeito e sobre a fraternidade universal. Essa educação começa no lar, mas
deve ser reforçada na escola e na vivência comunitária.
Quando os
adultos compreendem que o comportamento infantil reflete mais o meio do que a
herança, assumem a responsabilidade por criar ambientes afetivos e
espiritualmente saudáveis. O exemplo de paciência, de empatia e de diálogo é
mais eficaz que mil discursos. Como observa Kardec na Revista Espírita
(dezembro de 1863), “a moral, sem a
prática, é uma letra morta”. O amor, portanto, deve ser ensinado com
gestos, não apenas com palavras.
5. Educação Espiritual: Política Preventiva de
Saúde Coletiva
Na
atualidade, cresce o reconhecimento de que a saúde mental e emocional é um bem público.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social”, e não
apenas ausência de doenças. Sob a ótica espírita, poderíamos acrescentar: bem-estar
espiritual.
A
Doutrina Espírita amplia o conceito de saúde ao incluir a harmonia entre corpo,
mente e Espírito. Kardec, em O Livro dos Médiuns (Introdução, item II),
lembra que “a alma é o princípio da vida”,
e, portanto, qualquer desequilíbrio espiritual reflete-se no organismo e nas
relações sociais. Daí decorre a necessidade de uma educação espiritual
preventiva, capaz de fortalecer o senso moral, a empatia e o respeito à
vida desde a infância.
Essa
educação não se restringe à religião formal. Ela deve ser integradora,
envolvendo o lar, a escola e as casas espíritas, numa rede de amparo e
orientação.
- No lar, o amor se expressa em
escuta, tempo e exemplo.
- Na escola, o cultivo da ética, da
cooperação e do autoconhecimento reforça o senso de pertencimento e
responsabilidade.
- Nas casas espíritas, a evangelização
infantojuvenil e as atividades de convivência promovem o desenvolvimento
espiritual e moral, oferecendo um ambiente de acolhimento e aprendizado.
Essa
tríade — lar, escola e centro espírita — constitui uma verdadeira política
preventiva de saúde coletiva, porque atua sobre as causas profundas das
doenças morais e emocionais: o egoísmo, o medo e o desamor. Quando as crianças
crescem em ambientes que lhes ensinam o valor da vida e da fraternidade,
tornam-se adultos mais equilibrados, reduzindo os índices de violência,
depressão e adoecimento social.
A
regeneração do planeta, preconizada pelos Espíritos Superiores (A Gênese,
cap. XVIII), não se fará apenas por transformações políticas ou tecnológicas,
mas pela formação de novas gerações educadas no amor e na consciência
espiritual. Essa é a verdadeira revolução preventiva e pacífica que a
Doutrina Espírita propõe à humanidade.
Conclusão
O caso
clínico descrito por Kübler-Ross transcende o campo da medicina para se tornar
uma parábola sobre o amor. O menino que desejava adoecer para ser amado
representa o drama de milhões de Espíritos que buscam, na dor, o reconhecimento
e o afeto que lhes faltam.
A
Doutrina Espírita nos ensina que o amor é o antídoto universal contra as
enfermidades da alma. Amar é curar, educar é prevenir. Quando o lar, a escola e
a casa espírita se unem em torno dessa pedagogia do coração, construímos não
apenas famílias mais saudáveis, mas uma humanidade regenerada — onde a saúde é
expressão da harmonia entre ciência, moral e Espírito.
Referências
- KARDEC, Allan. O Livro
dos Espíritos. FEB.
- KARDEC, Allan. O
Evangelho segundo o Espiritismo. FEB.
- KARDEC, Allan. A Gênese.
FEB.
- KARDEC, Allan. Revista
Espírita (1858–1869).
- KÜBLER-ROSS, Elisabeth. O
túnel e a luz: O casulo e a borboleta. Ed. Verus.
- Momento Espírita. “Desenvolvendo
enfermidades...”. Disponível em: momento.com.br.
- Organização Mundial da Saúde
(OMS). Constituição da OMS, 1946.
- Federação Espírita
Brasileira. Orientação à Evangelização Espírita Infantojuvenil.
FEB, 2019.
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