sexta-feira, 17 de outubro de 2025

O AMOR COMO PREVENÇÃO
UMA LEITURA ESPÍRITA
SOBRE AS ENFERMIDADES DA ALMA INFANTIL
- A Era do Espírito -

Introdução

A história de dois irmãos, um gravemente enfermo e outro invisível ao olhar dos pais, revela uma ferida silenciosa e profunda: a de crianças que, para se sentirem amadas, acreditam precisar adoecer. O episódio narrado pela Dra. Elisabeth Kübler-Ross mostra o quanto o amor, quando mal compreendido ou mal distribuído, pode se transformar em fonte de dor psicológica e espiritual. À luz da Doutrina Espírita, essa realidade convida à reflexão sobre as enfermidades da alma infantil, as causas espirituais do sofrimento e o papel do afeto como agente de cura e de prevenção.

A infância, ensina Allan Kardec (O Livro dos Espíritos, q. 379 a 385), é uma fase de readaptação do Espírito à vida corporal, em que as impressões e sentimentos recebidos moldam o caráter e influenciam o destino moral. Negligenciar as necessidades emocionais e espirituais das crianças é, portanto, comprometer o equilíbrio da sociedade futura.

1. A Doença Invisível: A Carência Afetiva como Ferida Moral

O relato da médica evidencia um tipo de sofrimento não diagnosticado pelos exames clínicos: a doença moral. O menino saudável, mas negligenciado, experimentava o abandono emocional como forma de enfermidade. Na sua mente infantil, a ideia distorcida era simples e trágica: “Para ser amado, preciso estar doente”.

Segundo a Doutrina Espírita, muitos distúrbios físicos e psicológicos têm origem em desequilíbrios emocionais e espirituais. Kardec, em A Gênese (cap. XIV), explica que o Espírito exerce influência sobre o corpo, podendo causar desordens orgânicas quando dominado por paixões ou sofrimentos internos. Assim, o amor negado pode se converter em angústia, e a angústia em doença.

2. A Psicogênese do Sofrimento Infantil e a Lei de Causa e Efeito

O Espiritismo ensina que cada Espírito traz, ao renascer, as tendências do passado e as provas necessárias à sua evolução (O Livro dos Espíritos, q. 393-399). No entanto, a forma como essas tendências se manifestam depende do ambiente familiar e educativo. Pais que discriminam, comparam ou sobrecarregam os filhos sem perceber, podem reavivar dores pretéritas e gerar novos débitos afetivos.

A Lei de Causa e Efeito não atua como castigo, mas como mecanismo pedagógico da vida. A criança que nasce em um lar desequilibrado pode estar ali em prova de aprendizado mútuo: para ensinar o amor e aprender a amar. Contudo, o livre-arbítrio dos adultos é decisivo — podem perpetuar a dor ou transformá-la em oportunidade de reparação e crescimento espiritual.

3. A Medicina do Amor: Cura Preventiva das Enfermidades da Alma

Elisabeth Kübler-Ross, pioneira nos estudos sobre a morte e o morrer, dizia que “as pessoas mais difíceis de amar são as que mais precisam de amor”. Essa verdade ecoa no pensamento espírita, segundo o qual o amor é a força curativa mais profunda do Universo (O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XI).

O amor incondicional, quando praticado desde a infância, atua como vacina moral e espiritual contra os males da alma. Crianças amadas aprendem a amar; crianças ouvidas aprendem a dialogar; crianças respeitadas aprendem a respeitar. O lar se torna, então, o primeiro hospital da alma e a primeira escola de sentimentos, onde a ternura é o remédio e o exemplo é o método.

4. A Linguagem do Amor na Educação Moral

Kardec destaca que “a educação é a arte de formar caracteres” (O Livro dos Espíritos, q. 917). Educar moralmente é ensinar a sentir — é formar a consciência sobre o bem, sobre o respeito e sobre a fraternidade universal. Essa educação começa no lar, mas deve ser reforçada na escola e na vivência comunitária.

Quando os adultos compreendem que o comportamento infantil reflete mais o meio do que a herança, assumem a responsabilidade por criar ambientes afetivos e espiritualmente saudáveis. O exemplo de paciência, de empatia e de diálogo é mais eficaz que mil discursos. Como observa Kardec na Revista Espírita (dezembro de 1863), “a moral, sem a prática, é uma letra morta”. O amor, portanto, deve ser ensinado com gestos, não apenas com palavras.

5. Educação Espiritual: Política Preventiva de Saúde Coletiva

Na atualidade, cresce o reconhecimento de que a saúde mental e emocional é um bem público. A Organização Mundial da Saúde (OMS) define saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social”, e não apenas ausência de doenças. Sob a ótica espírita, poderíamos acrescentar: bem-estar espiritual.

A Doutrina Espírita amplia o conceito de saúde ao incluir a harmonia entre corpo, mente e Espírito. Kardec, em O Livro dos Médiuns (Introdução, item II), lembra que “a alma é o princípio da vida”, e, portanto, qualquer desequilíbrio espiritual reflete-se no organismo e nas relações sociais. Daí decorre a necessidade de uma educação espiritual preventiva, capaz de fortalecer o senso moral, a empatia e o respeito à vida desde a infância.

Essa educação não se restringe à religião formal. Ela deve ser integradora, envolvendo o lar, a escola e as casas espíritas, numa rede de amparo e orientação.

  • No lar, o amor se expressa em escuta, tempo e exemplo.
  • Na escola, o cultivo da ética, da cooperação e do autoconhecimento reforça o senso de pertencimento e responsabilidade.
  • Nas casas espíritas, a evangelização infantojuvenil e as atividades de convivência promovem o desenvolvimento espiritual e moral, oferecendo um ambiente de acolhimento e aprendizado.

Essa tríade — lar, escola e centro espírita — constitui uma verdadeira política preventiva de saúde coletiva, porque atua sobre as causas profundas das doenças morais e emocionais: o egoísmo, o medo e o desamor. Quando as crianças crescem em ambientes que lhes ensinam o valor da vida e da fraternidade, tornam-se adultos mais equilibrados, reduzindo os índices de violência, depressão e adoecimento social.

A regeneração do planeta, preconizada pelos Espíritos Superiores (A Gênese, cap. XVIII), não se fará apenas por transformações políticas ou tecnológicas, mas pela formação de novas gerações educadas no amor e na consciência espiritual. Essa é a verdadeira revolução preventiva e pacífica que a Doutrina Espírita propõe à humanidade.

Conclusão

O caso clínico descrito por Kübler-Ross transcende o campo da medicina para se tornar uma parábola sobre o amor. O menino que desejava adoecer para ser amado representa o drama de milhões de Espíritos que buscam, na dor, o reconhecimento e o afeto que lhes faltam.

A Doutrina Espírita nos ensina que o amor é o antídoto universal contra as enfermidades da alma. Amar é curar, educar é prevenir. Quando o lar, a escola e a casa espírita se unem em torno dessa pedagogia do coração, construímos não apenas famílias mais saudáveis, mas uma humanidade regenerada — onde a saúde é expressão da harmonia entre ciência, moral e Espírito.

Referências

  • KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. FEB.
  • KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. FEB.
  • KARDEC, Allan. A Gênese. FEB.
  • KARDEC, Allan. Revista Espírita (1858–1869).
  • KÜBLER-ROSS, Elisabeth. O túnel e a luz: O casulo e a borboleta. Ed. Verus.
  • Momento Espírita. “Desenvolvendo enfermidades...”. Disponível em: momento.com.br.
  • Organização Mundial da Saúde (OMS). Constituição da OMS, 1946.
  • Federação Espírita Brasileira. Orientação à Evangelização Espírita Infantojuvenil. FEB, 2019.

 

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