Introdução
Desde
tempos imemoriais, o ser humano busca compreender a origem de todas as coisas.
Essa inquietação filosófica, que atravessa religiões e ciências, foi
sintetizada com clareza na primeira questão de O Livro dos Espíritos: “Que
é Deus?”, à qual os Espíritos responderam — “Deus é a inteligência
suprema, causa primária de todas as coisas.” A resposta, simples e
profunda, não descreve Deus em termos materiais, mas em essência: uma
Inteligência que ordena, coordena e sustenta a harmonia universal.
Em um
mundo cada vez mais voltado à análise técnica da vida, a observação da natureza
ainda é uma das formas mais seguras de reencontrar a ideia de Deus. Não o Deus
antropomórfico, forjado à imagem do homem, mas a Causa Inteligente que
se revela nas leis que regem o cosmos e nas sutilezas que permitem a existência
de cada ser.
Um
exemplo eloquente dessa sabedoria é o pica-pau — pequena ave cuja estrutura
anatômica e função ecológica revelam a presença de uma ordem que ultrapassa o
mero acaso.
A perfeição natural e o princípio de causa e efeito
O
Espiritismo nos ensina, pela questão 4 de O Livro dos Espíritos, que “para
crer em Deus é suficiente lançar os olhos às obras da Criação.” O
raciocínio é lógico: não há efeito sem causa. Assim como uma obra de
engenharia denuncia a inteligência do seu autor, o Universo e a vida manifestam
a ação de uma Inteligência Superior.
Quando
observamos o pica-pau, notamos uma combinação de fatores que desafiam o mero
acaso: seu bico é reforçado para não trincar; o crânio possui amortecedores
naturais; o cérebro é protegido por uma estrutura capaz de resistir a centenas
de impactos por minuto; e a língua, longuíssima, envolve a cabeça por dentro,
funcionando como almofada natural contra as pancadas.
Esses
detalhes não são aleatórios: formam um sistema coerente, funcional,
perfeitamente adaptado à tarefa de perfurar troncos em busca de alimento. Além
disso, sua presença beneficia o ecossistema, pois o pica-pau remove pragas e
ajuda na saúde das árvores. Trata-se de um exemplo de interdependência e
equilíbrio ecológico, no qual cada ser cumpre um papel preciso no concerto
da vida.
A
pergunta que naturalmente surge é: o que orienta tamanha precisão? Apenas
mutações e seleção natural, como propõe a biologia evolutiva? Ou há, por trás
desses processos, uma Inteligência que lhes confere direção e propósito?
Deus e a harmonia das leis naturais
A
Doutrina Espírita não nega o progresso das ciências, nem rejeita a teoria da
evolução. Pelo contrário, a amplia. A Doutrina Espírita ensina que as leis
naturais — físicas, morais e biológicas — são expressão da vontade divina. As
mutações genéticas e a seleção natural são instrumentos da Criação, não
forças cegas.
Na Revista
Espírita (abril de 1862), Kardec afirma que “Deus se revela pela harmonia das leis que regem o universo, tanto no
átomo como no infinito”. Essa harmonia é a assinatura da Inteligência
Suprema. Portanto, a observação científica, longe de afastar o homem de Deus, o
aproxima d’Ele — quando acompanhada de humildade e sensibilidade espiritual.
Hoje,
à luz da biologia e da física moderna, compreendemos que tudo na natureza
obedece a princípios de equilíbrio e complexidade organizados. Desde o código
genético das espécies até a constante cosmológica que regula o universo, cada
elemento parece ajustado com precisão para permitir a vida. Tal ordem não é
casual: é racional, coerente e, portanto, inteligente.
O papel moral do ser humano
Enquanto
o pica-pau e as demais criaturas cumprem seus papéis instintivos na ordem
natural, o ser humano possui consciência e liberdade, podendo escolher o
bem ou o mal. E é exatamente aí que se define a responsabilidade moral do
Espírito.
Nossa
tarefa vai além da sobrevivência biológica. Somos chamados a desenvolver o
sentimento e a razão, transformando o instinto em virtude. O amor — em suas
diversas expressões — é a meta do progresso espiritual.
Allan
Kardec, em A Gênese (cap. XI), ensina que “a inteligência humana é um reflexo da inteligência divina”. Amar,
portanto, é manifestar em nós a centelha dessa Inteligência Suprema. Ao amar o
próximo, os animais, a natureza e a própria vida, aproximamo-nos do Criador e
nos integramos à harmonia universal.
Conclusão
A
contemplação da natureza, como a simples observação do pica-pau em seu trabalho
incansável, é uma lição silenciosa sobre Deus. Não se trata de crer por
tradição, mas de reconhecer pela razão e pela sensibilidade que há um propósito
em tudo.
A
ciência descreve os mecanismos; o Espiritismo revela a Causa. E quando
compreendemos que tudo no universo — do menor ser ao maior sistema estelar —
cumpre um papel em perfeita sintonia, reconhecemos a verdade expressa por
Kardec: Deus é a Inteligência Suprema, causa primária de todas as coisas.
Referências
- Allan Kardec. O
Livro dos Espíritos. 1ª ed. 1857.
- Allan Kardec. A
Gênese. 1ª ed. 1868.
- Revista Espírita (1858–1869),
especialmente abril de 1862.
- Momento Espírita. O
enfermeiro da natureza. Disponível em: https://www.momento.com.br/pt/ler_texto.php?id=7529&stat=0
- Emmanuel. A
Caminho da Luz. FEB, 1939.
- Léon Denis. O
Problema do Ser e do Destino.
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