Introdução
Quando
Domenico Modugno lançou Nel blu dipinto di blu em 1958 — conhecida
mundialmente como Volare —, o mundo vivia intensas transformações
culturais. A música, envolta em melodia alegre e poética, tornou-se um hino
universal de liberdade e felicidade. Mais do que um sucesso musical, sua
mensagem transcende o romantismo e toca o âmago da alma humana: o desejo de
elevar-se, de libertar-se das limitações e reencontrar a verdadeira alegria.
Sob a ótica da Doutrina Espírita codificada por Allan Kardec, essa canção pode
ser compreendida como uma simbólica expressão do anseio do Espírito pela
transcendência — o impulso natural de buscar o infinito, a harmonia e o amor
divino.
O voo
como símbolo espiritual
O ato de
“voar” é uma das imagens mais recorrentes nas tradições espirituais da
humanidade. Na canção, o personagem “voa
no azul pintado de azul”, como se a própria alma, liberta das amarras da
matéria, experimentasse o êxtase de existir em comunhão com o universo. Esse
movimento ascensional remete diretamente à emancipação do Espírito, descrita
por Allan Kardec em O Livro dos Espíritos (questões 400 a 412), quando o
ser humano, durante o sono ou após a morte, se liberta parcialmente do corpo
físico e reencontra a liberdade de seu estado espiritual.
No “céu
infinito” de Modugno, o voo representa o desprendimento do ego e das
preocupações materiais. É a imagem poética da alma que recorda sua origem
divina, sua essência luminosa. A alegria de “voar
feliz, mais alto que o sol” traduz a elevação moral e espiritual que o
Espiritismo ensina como meta evolutiva do ser humano: aproximar-se, por meio do
amor e da virtude, das esferas superiores da vida.
O sonho e
o despertar da consciência
A canção
inicia-se como um sonho — um estado em que o Espírito experimenta a realidade
espiritual de modo simbólico e libertador. “Eu
acho que um sonho como este nunca mais voltará”, diz o compositor,
expressando o sentimento de plenitude que o contato com o divino provoca. No
entanto, como “todos os sonhos ao
amanhecer se desvanecem”, o personagem desperta para o mundo físico,
reencontrando a limitação da matéria.
Essa
transição entre o sonho e o despertar é, espiritualmente, a passagem entre o
estado de consciência ampliada e o retorno às provas terrenas. Contudo, a
felicidade não se perde: ela se transforma. O azul do céu — símbolo do infinito
— torna-se o azul dos olhos amados, ou seja, a felicidade transcendente
encontra continuidade no amor humano. Como ensina O Evangelho segundo o
Espiritismo (cap. XI), o amor é “de
todos os sentimentos, o mais divino”, e sua vivência é o meio pelo qual o
Espírito se eleva e se aproxima de Deus.
O amor
como nova forma de voo
No
segundo momento da música, o personagem “continua
voando feliz”, mas agora “no azul dos
seus olhos azuis”. A felicidade, antes buscada no sonho e na fantasia, é
reencontrada no amor real, concreto, que o ancora à vida e ao mesmo tempo o
eleva espiritualmente. Trata-se de um amor que não aprisiona, mas liberta; que
não isola, mas harmoniza.
Sob a luz
do Espiritismo, esse sentimento é reflexo do amor universal — a força divina
que sustenta o cosmos e que o Espírito aprende a expressar nas suas relações. O
“voar” deixa de ser apenas o símbolo da liberdade individual e torna-se a
imagem da comunhão afetiva, da união de almas que evoluem juntas. O amor
verdadeiro é, pois, o novo céu, onde a alma encontra paz e continuidade do
sonho espiritual.
Conclusão
A canção Nel
blu dipinto di blu revela, em sua simplicidade melódica, uma profunda
alegoria da jornada espiritual. O voo simboliza a emancipação da alma; o sonho,
o contato com o divino; o despertar, a volta à realidade material; e o amor, a
fusão entre o céu e a Terra — entre o ideal e o real.
Assim, o
Espírito, tal como o cantor, “voa e
canta” no infinito da vida, alternando sonhos e despertares, provas e
alegrias, até compreender que o verdadeiro azul do céu habita dentro de si
mesmo. E quando descobre o amor como lei universal, encontra o equilíbrio
perfeito entre voar e permanecer — entre o ideal e a ação, entre o céu e o
coração.
Referências
- Allan Kardec. O Livro dos
Espíritos. FEB.
- Allan Kardec. O Evangelho
segundo o Espiritismo. FEB.
- Allan Kardec. Revista
Espírita (1858–1869).
- Domenico Modugno e Franco
Migliacci. Nel blu dipinto di blu (Volare), 1958.
- Léon Denis. O Problema do
Ser e do Destino.
- Revista Internacional de
Espiritismo. Diversos artigos sobre arte e espiritualidade.
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