Com Jesus, aprendemos uma verdade essencial: somos
filhos de Deus. Essa filiação não é apenas simbólica ou afetiva — ela nos
revela que carregamos em nós um potencial divino, e, portanto, estamos
destinados à perfeição.
A Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec,
nos ensina que o ser espiritual é criado por Deus simples e ignorante,
ou seja, sem conhecimento e sem maldade, mas com todas as possibilidades de
crescimento. À medida que vivencia as experiências da vida corporal e
espiritual, o Espírito desenvolve sua inteligência, enriquece seus sentimentos
e caminha rumo à pureza espiritual — à perfeição relativa que lhe está
destinada.
Há, portanto, uma conexão entre essas duas
afirmações: somos filhos de Deus, e fomos criados com o propósito de
alcançar a perfeição. Como afirma “O
Livro dos Espíritos” (questão 115):
“Deus criou todos os Espíritos simples e
ignorantes. A cada um deu determinada missão, com o fim de esclarecê-los e de
os fazer chegar progressivamente à perfeição, pelo conhecimento da verdade.”
Contudo, essa jornada de aperfeiçoamento exige
esforço e conscientização. Muitas vezes, ignoramos nossa natureza espiritual e
nos deixamos prender pelas ilusões da matéria. Esquecemos que somos
herdeiros de Deus e nos apegamos aos excessos, às vaidades e às paixões
desordenadas. Agimos como se pertencêssemos à Terra, quando, na verdade, nossa
verdadeira pátria é o mundo espiritual.
Mas Deus, em sua infinita sabedoria e justiça, nos
concedeu uma ferramenta valiosa para nosso progresso: a reencarnação.
Por meio das múltiplas existências, temos tempo e oportunidade para corrigir
nossos enganos, resgatar débitos e desenvolver virtudes. Somos, por assim dizer,
garimpeiros de nós mesmos, descobrindo pouco a pouco o tesouro
espiritual que habita em nosso íntimo.
Em dado momento dessa trajetória, ouvimos um
chamado silencioso e profundo: a voz da consciência. Ela representa o
reflexo das leis divinas em nós, como está colocado em “O Livro dos Espíritos” (questão 621): “Onde está escrita a lei
de Deus? – Na consciência.”
Quando ela desperta, nos adverte, nos constrange ao bem, e nos conduz ao desejo
de mudança. Mas desejar não basta — é preciso transformar esse desejo em vontade
firme.
Como, então, fortalecer a vontade e realizar
mudanças profundas?
- Conscientizar-se da necessidade da mudança: Admitir que certos comportamentos, atitudes ou pensamentos
prejudicam nossa paz e a dos outros é o primeiro passo. É quando a
consciência “pesa”.
- Conectar-se com Deus e com os Espíritos Superiores: Reconhecer que sozinhos somos frágeis, mas fortalecidos pelo
amparo divino somos capazes de superar grandes dificuldades. Como afirma o
apóstolo Paulo: “Tudo posso naquele que me fortalece” (Filipenses
4:13).
- Comprometer-se com o dever: O dever é a consciência em
ação. Ele começa no instante em que reconhecemos que nossas atitudes
precisam mudar. “O dever é a
obrigação moral perante si mesmo, primeiramente, e depois perante os
outros.” (O Evangelho Segundo o
Espiritismo, cap. XVII, item 7)
Ter senso de dever não é ser rígido com o outro,
mas sim conosco mesmos. É ser severo diante da tentação e humilde perante a
dor. Um exemplo cotidiano: alguém que deixa um vício após perceber suas
consequências negativas, por respeito à própria saúde e à vida que Deus lhe
confiou. Nesse processo, o apoio espiritual e a fé são essenciais.
A Doutrina Espírita amplia nossa visão de mundo e
nos orienta a viver de forma mais consciente. Com ela, entendemos que “tudo nos é lícito, mas nem tudo nos convém”
(1 Coríntios 6:12), e que a vida na Terra é uma escola, onde nos
libertamos das amarras materiais e desenvolvemos as potencialidades do
Espírito.
Como bem expressa Pierre Teilhard de Chardin: “Não
somos seres humanos vivendo uma experiência espiritual, somos Espíritos vivendo
uma experiência humana.” Essa percepção nos conduz ao compromisso com a
própria transformação.
Na escala espírita descrita por Kardec, o
verdadeiro progresso se dá quando o Espírito passa da condição de imperfeito
para a de bom Espírito, e, por fim, à de Espírito puro — aquele que nada mais
tem a aprender ou sofrer. Esse é o destino de todos nós. Como bem diz “O Evangelho Segundo o Espiritismo”: “Reconhece-se o verdadeiro espírita pela
sua transformação moral e pelos esforços que faz para domar suas más
inclinações.” (Cap. XVII, item 4)
Assim, cada um de nós tem algo a transformar.
Podemos iniciar esse processo hoje, por decisão consciente, ou esperar
que a dor nos chame à mudança. O livre-arbítrio é nosso. Mas o progresso
é inevitável, pois essa é a Lei.
Que possamos, ao final de nossa jornada terrena,
olhar para trás com alegria, certos de que soubemos aproveitar as
oportunidades, vencer a nós mesmos e trilhar o caminho do bem com dignidade.
Referências
doutrinárias:
- KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos, questões 115, 120,
621.
- KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. XVII,
itens 4 e 7.
- KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno, 2ª parte – Exemplos.
- PAULO, Apóstolo. Epístola aos Filipenses 4:13; Epístola
aos Coríntios 6:12.
- TEILHARD DE CHARDIN, Pierre. O Fenômeno Humano.
- KARDEC, Allan. A Gênese, cap. XI – Os fluidos.
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