SURGIMENTO DA DOUTRINA ESPÍRITA
Elio Mollo
em 01/11/2012
(Texto atualizado, em 12/7/2025, com ajuda da ferramenta de IA do ChatGPT )
em 01/11/2012
(Texto atualizado, em 12/7/2025, com ajuda da ferramenta de IA do ChatGPT )
NASCIMENTO DE DENIZARD-HIPPOLYTE-LÉON RIVAIL
A cidade de Lyon, localizada na confluência dos rios Ródano (Rhône) e Saône, é uma das mais importantes da França. Fundada em 43 a.C. como uma colônia romana, recebeu inicialmente o nome de Lugdunum, que pode ser traduzido como “monte das luzes” ou “monte dos corvos”.
Graças à sua posição estratégica, Lyon tornou-se um centro vital da Gália romana, servindo como ponto de encontro das principais vias do Império e, por isso, foi elevada à condição de capital da Gália. Dois imperadores romanos nasceram ali: Cláudio, o primeiro a nascer fora da península Itálica, e Caracala. (1)
Foi nessa cidade histórica, já no início do século XIX, que nasceu Denizard-Hippolyte-Léon Rivail, no dia 3 de outubro de 1804, às dezenove horas, na Rua Sala, nº 76, em Lyon, França. Era filho de Jean-Baptiste-Antoine Rivail, magistrado, e Jeanne Louise Duhamel.
NOME DE BATISMO
La Croix-Rousse é uma colina da cidade de Lyon, que também dá nome a um bairro situado em sua encosta e planalto. A paisagem do local é marcada por relevo acidentado e por uma urbanização singular, herança de sua rica história.
O nome Croix-Rousse (Cruz Avermelhada) tem origem em uma cruz erguida no planalto no século XVI, feita com pedras douradas de Couzon, de tom ocre. A colina ficou conhecida como “o morro que trabalha”, em referência à intensa atividade dos tecelões da seda que ali viviam, em contraste com a colina de Fourvière, apelidada de “o morro que reza”, por abrigar templos e instituições religiosas.
A região fazia parte da antiga comuna de Cuire-la-Croix-Rousse, que foi incorporada à cidade de Lyon em 1852. Parte do território — o bairro de Cuire — foi anexada à comuna de Caluireet-Cuire. Até hoje, a Croix-Rousse conserva traços de seu passado operário, com construções típicas e passagens estreitas que ligam uma rua a outra, muitas delas remanescentes das antigas tecelagens. (2)
Foi nesse bairro que se situava a Igreja de Saint-Denis de La Croix-Rousse, o primeiro templo cristão da região de Bron, em um local chamado “La Croix” (A Cruz).
Foi nessa igreja que, em 15 de junho de 1805, Denizard-Hippolyte-Léon Rivail foi batizado, conforme a tradição católica, religião à qual seus pais eram adeptos. Segundo alguns biógrafos, na certidão de batismo o nome do menino aparece como Hippolyte Léon Denizard Rivail, com os prenomes em ordem distinta da habitual. (3)
A ESCOLA
Seus primeiros estudos foram realizados em Lyon, sua cidade natal. Mais tarde, por volta dos 10 ou 11 anos de idade, Denizard Rivail foi enviado à Suíça para dar continuidade à sua formação. Lá, ingressou no célebre Instituto de Yverdon, dirigido por Johann Heinrich Pestalozzi, um dos maiores educadores da história.
O Instituto funcionava no antigo castelo de Yverdon, construído em 1135 pelo duque de Zähringen. Reconhecida como uma escola modelo em toda a Europa, a instituição atraía, todos os anos, alunos de diversas nacionalidades.
No ambiente multicultural de Yverdon, diferentes línguas, raças, crenças e costumes conviviam em harmonia. Essa convivência incentivava os jovens a praticarem, no dia a dia escolar, os princípios da fraternidade, igualdade e liberdade — ideais que mais tarde influenciariam profundamente o pensamento de Rivail.
O currículo da escola era vasto e abrangente. Entre as disciplinas oferecidas, destacavam-se:
• Ciências Naturais: noções gerais e precisas de mineralogia, botânica, zoologia e anatomia comparada; curso abreviado de história natural; elementos de fisiologia e psicologia;• Ciências Exatas: física experimental, química, matemática (com seções específicas como aritmética superior, álgebra, geometria e mecânica), além de noções de astronomia e geografia matemática;• Linguagens: estudo de línguas antigas (grego e latim) e modernas da época, como francês, alemão, italiano e inglês;• Literatura, História e Filosofia, entre outras áreas do conhecimento humano.
A rotina dos alunos era intensa: o Instituto mantinha uma média de 150 estudantes, com carga horária diária de 10 horas de estudo. Aos domingos, realizava-se uma assembleia geral para revisar e avaliar as atividades da semana.
Pestalozzi também valorizava a educação por meio da arte. O canto era parte integrante do cotidiano escolar: cantava-se nos intervalos das aulas, nos momentos de lazer e nos passeios. A música ganhou ainda mais destaque entre os anos de 1816 e 1817, com a chegada do notável compositor suíço Xaver Schnyder von Wartensee, que impulsionou essa prática educativa.
O MESTRE
O Instituto de Yverdon era dirigido pelo renomado educador suíço Johann Heinrich Pestalozzi, conhecido por seu compromisso com a educação popular e por sua profunda sensibilidade humanitária. Seu trabalho pedagógico foi tão marcante que lhe rendeu o título de "O Educador da Humanidade".
Para Pestalozzi, o amor era o alicerce da verdadeira educação. Em seu instituto, não havia castigos nem recompensas: o aprendizado era conduzido de forma respeitosa e estimulante. O ensino seguia o método heurístico, que buscava levar o aluno a descobrir, por si mesmo e com o máximo de autonomia, os conhecimentos que estivessem ao alcance de sua inteligência.
Além de educador, Pestalozzi foi um pensador e escritor fecundo. Entre suas obras mais significativas, destacam-se:
• Diário de um Pai (1777)• Crepúsculos de um Eremita (1780)• Leonardo e Gertrudes (em quatro partes, entre 1781 e 1787)• Legislação e Infanticídio (1783) – considerada a primeira obra de sociologia infantil do mundo• Cristóvão e Elisa (1784)• Minhas Indagações sobre a Marcha da Natureza no Desenvolvimento da Espécie Humana (1797)• Como Gertrudes Ensina seus Filhos (1801)• Discurso de Lenzburg (1809)• À Inocência (1815)• Canto do Cisne (1826) (4)
Na obra Leonardo e Gertrudes, Pestalozzi apresenta a figura de Gertrudes, uma mulher que transforma sua aldeia por meio da educação dos filhos. Ali, ele defende que os conhecimentos e habilidades devem ser ensinados de forma natural, respeitando o ritmo e o universo da criança.
Para o pedagogo suíço, os sentimentos são a força motriz do aprendizado autônomo. Ele acreditava que a escola deveria ser uma extensão do lar, inspirando-se no ambiente familiar para oferecer uma atmosfera de acolhimento, segurança e afeto. Em sua visão, apenas o amor tem poder transformador e salvador, capaz de conduzir o ser humano à realização moral — ou seja, ao encontro consciente com a essência divina que habita em si mesmo. (5)
Embora profundamente cristão, Pestalozzi não era dogmático nem sectário. Pertencia à Igreja Reformada, mas não demonstrava paixões religiosas ou tendências místicas.
Há indícios de que também possuía uma intuição espiritual sobre a vida após a morte. Em carta enviada à condessa Franziska Romana von Hallwyl, que o consolava pela morte de um professor querido, Pestalozzi escreveu com convicção:
“Vossa fidelidade e vossa amizade o seguirão no outro mundo. Nós nos reencontraremos e juntos nos alegraremos com alegria.”
HABILIDADES E TENDÊNCIAS
Desde muito jovem, Rivail demonstrava inteligência aguçada, espírito de observação e um forte senso de responsabilidade. Era naturalmente investigativo, revelando uma inclinação evidente para as ciências e para temas filosóficos.
Segundo alguns de seus biógrafos, quando estudava Botânica, Denizard mostrava tanto entusiasmo que costumava passar o dia inteiro nas montanhas próximas a Yverdon, carregando sacolas às costas para coletar amostras destinadas ao seu herbário — um exemplo de seu interesse prático e profundo pelos estudos.
Aos quinze anos, já percebia as divergências religiosas entre seus professores e colegas, que incluíam católicos romanos, ortodoxos e protestantes de várias denominações. As discussões sobre a interpretação das Escrituras, os dogmas e outros pontos de fé eram frequentes, apesar de, no convívio escolar, todos manterem laços de amizade e respeito mútuo, fortalecidos por um ambiente de convivência saudável.
Esse contraste entre as crenças e a convivência fraterna despertou em Rivail, ainda na adolescência, a ideia de que uma reforma religiosa seria necessária — algo que permitisse unificar as diferentes crenças sob uma base comum, mais racional e conciliadora.
EM PARIS
Paris, capital da França, situa-se em uma curva do rio Sena, no centro da bacia parisiense, entre os confluentes do Marne e do Sena (rio acima) e do Oise e do Sena (rio abaixo). Embora pouco se saiba sobre sua história antes da ocupação romana, há indícios de que a região já era habitada desde os tempos pré-históricos.
A cidade deve seu nome à tribo celta dos Parisii, povo gaulês que dominava a região até a anexação ao Império Romano. Após a conquista, os romanos a rebatizaram como Lutetia Parisiorum, nome que foi abreviado, no século IV, para Paris. Naquela época, Paris era uma cidade modesta, ofuscada pela importante capital da Gália, Lugdunum (atual Lyon). No entanto, com a conquista da Gália pelos francos, Clóvis I escolheu Paris como capital de seu reino, dando início à ascensão política e cultural da cidade.
No século XIX, a antiga Paris medieval passava por profundas transformações. A cidade ganhava infraestrutura moderna: sistema de esgoto, parques públicos e largas avenidas. Pouco a pouco, surgia uma nova Paris — mais ampla, mais limpa e mais organizada. Foi nesse cenário de modernização que, em breve, a capital francesa acolheria o jovem professor Rivail.
Embora não se possa afirmar com certeza, acredita-se que Rivail tenha permanecido no Instituto de Yverdon até cerca de 1822, possivelmente exercendo funções como submestre ou mesmo mestre.
Antes de estabelecer-se definitivamente em Paris, o jovem Denizard deveria cumprir o serviço militar obrigatório. No entanto, conseguiu isentar-se dessa obrigação. Segundo o biógrafo André Moreil, ele o fez sem arrependimento, justificando que o militar defende uma pátria limitada, enquanto sua verdadeira pátria era mais ampla — "o Universo de todos os homens" (7).
Após essa etapa, seguiu para Paris, instalando-se em uma das regiões centrais da vida universitária da cidade, próxima ao Liceu Saint-Louis — antigo Collège d’Harcourt (8) —, um dos estabelecimentos mais respeitados da Universidade de Paris. Nesse ambiente, Denizard encontraria excelentes oportunidades para continuar suas atividades como educador.
O CASAMENTO
Vivendo em Paris, no ambiente intelectual das letras e do ensino, Rivail conheceu a senhorita Amélie Boudet. De estatura baixa, bem proporcionada, olhos pardos e serenos, gentil e graciosa, destacava-se pela vivacidade nos gestos e na fala, revelando agudeza de espírito e sensibilidade.
Amélie nasceu em Thiais, comuna do departamento de Val-de-Marne, na região parisiense, em 23 de novembro de 1795. Era filha única de Julien-Louis Boudet, proprietário e tabelião — homem bem posicionado na sociedade —, e de Julie-Louise Seigneat de Lacombe. Na pia batismal, recebeu o nome completo de Amélie-Gabrielle Boudet.
Após cursar a escola primária, mudou-se com a família para Paris, onde ingressou em uma Escola Normal, graduando-se como professora de 1ª classe. Além disso, documentos indicam que Amélie atuou como professora de Letras e Belas-Artes, área em que se destacou por sua erudição e talento.
Culta e dedicada à educação, publicou três obras:
• Contos Primaveris (1825),• Noções de Desenho (1826),• O Essencial em Belas-Artes (1828).
Em 6 de fevereiro de 1832, Denizard e Amélie oficializaram a união matrimonial. A partir de então, passaram a compartilhar o mesmo lar, unidos por uma parceria que duraria por toda a vida, sustentada pela admiração mútua, afinidade intelectual e ideais comuns.
O POLIGLOTA
Rivail possuía uma formação ampla e diversificada, destacando-se também pelo domínio de vários idiomas. Além do francês, sua língua materna, falava fluentemente o alemão — idioma que considerava sua segunda língua, por influência dos anos de estudo na Suíça. Tinha também bons conhecimentos de inglês e holandês, bem como sólida base em latim e grego, além de outras línguas de origem latina, nas quais se expressava com correção e desenvoltura.
O INSTITUTO TÉCNICO
Em Paris, Rivail fundou um Instituto Técnico inspirado nos princípios pedagógicos de Pestalozzi. Com base nesse modelo educacional inovador, passou a aplicar uma metodologia centrada no desenvolvimento integral do aluno, unindo teoria e prática no processo de ensino.
No ano de 1824, o professor Rivail publicou seu primeiro livro, dividido em volumes, com o título Curso Prático e Teórico de Aritmética, obra voltada ao ensino sistematizado da matemática. Ao longo de sua carreira como educador, publicou diversos outros trabalhos pedagógicos até o ano de 1849. Entre suas principais obras destacam-se:
• Plano para o Melhoramento da Instrução Pública• Gramática Clássica da Língua Francesa• Qual o Sistema de Estudos mais Adequado à Época?• Manual dos Exames para Certificado de Capacidade• Soluções Racionais de Perguntas e Problemas de Aritmética e Geometria• Catecismo Gramatical da Língua Francesa• Programa dos Cursos Ordinários de Química, Física, Astronomia e Fisiologia• Pontos para os Exames na Municipalidade e na Sorbonne• Instruções Sobre as Dificuldades Ortográficas
Essas publicações consolidaram sua reputação como educador competente, comprometido com a renovação do ensino e com a formação crítica dos estudantes.
RIVAIL E O MAGNETISMO
Rivail teve seus primeiros contatos com o magnetismo em 1823 — ou possivelmente até antes. No entanto, foi em Paris que seu interesse pela disciplina se intensificou. Na capital francesa, o magnetismo ganhou novo impulso graças à atuação do marquês de Puységur, que, ao lado de personalidades como d’Eslon — professor e regente da Faculdade de Medicina de Paris — e do naturalista Deleuze, introduziu importantes modificações nos métodos de Mesmer, culminando na descoberta do sonambulismo provocado.
Denizard Rivail referiu-se com admiração a esses nomes que marcaram o desenvolvimento do magnetismo na França, acrescentando ainda à lista o barão Du Potet e o Sr. Millet, reconhecidos por suas contribuições à prática e à teoria da magnetização.
Estudioso atento, Rivail mergulhou com rigor nessa área, examinando cuidadosamente inúmeras obras — tanto favoráveis quanto críticas — escritas por autores renomados. Segundo Anna Blackwell, tradutora inglesa de O Livro dos Espíritos, Rivail participou ativamente dos trabalhos da Sociedade de Magnetismo de Paris, uma das mais prestigiadas da época. Foi nesse ambiente de estudos e experimentações que travou contato com vários magnetizadores, entre eles o Sr. Fortier, com quem manteve frutuosa amizade e troca de ideias.
AS MESAS GIRANTES
Em 1854, aos 51 anos de idade, Rivail ouviu falar pela primeira vez sobre o fenômeno das mesas girantes, por meio de seu amigo Sr. Fortier. Não foi totalmente cético ao ouvir o relato, pois, tendo estudado o magnetismo, sabia que o fluido magnético — uma forma sutil de eletricidade — podia atuar sobre corpos inertes. Ainda assim, tratou o assunto com cautela.
Pouco tempo depois, Fortier voltou a falar sobre o fenômeno, agora com mais entusiasmo, tentando convencer Rivail da veracidade dos fatos. Foi então que este respondeu com lógica e prudência:
“Só acreditarei vendo, e quando me provarem que a mesa tem cérebro para pensar, nervos para sentir e que pode tornar-se sonâmbula.” (9)
No início de 1855, Rivail reencontrou um amigo de longa data, o Sr. Carlotti, com quem mantinha uma amizade de 25 anos. Carlotti também lhe falou sobre as mesas girantes, de forma ainda mais empolgada. Apesar da amizade e do respeito que tinha por ele, Rivail manteve sua posição racional, limitando-se a dizer:
“Não digo que não. Veremos mais tarde.” (9)
Rivail admitia a possibilidade de um movimento causado por uma força mecânica ou magnética, mas considerava absurda, à primeira vista, a ideia de que uma mesa — objeto inerte — pudesse manifestar inteligência. Sua atitude era semelhante à de muitos céticos do presente (2025): negar um fenômeno apenas porque ele foge à compreensão imediata.
Naquele momento, vivia-se uma época em que o fenômeno ainda era inexplicado e parecia contrariar as leis conhecidas da natureza. A razão de Rivail não podia aceitá-lo sem provas. Ainda não havia observado nada pessoalmente. As primeiras experiências, realizadas na presença de pessoas sérias e dignas de confiança, mostravam que o efeito material — o movimento da mesa — era possível. No entanto, a ideia de uma mesa falante ainda lhe parecia completamente inverossímil.
OBSERVANDO E INVESTIGANDO OS FENÔMENOS
Em maio de 1855, Rivail esteve na casa da sonâmbula Sra. Roger, acompanhada por seu magnetizador, o Sr. Fortier. Lá encontrou o Sr. Pâtier e a Sra. Plainemason, que também lhe falaram sobre o fenômeno das mesas girantes — mas agora em tom mais sério e instrutivo. Convidaram-no a assistir às sessões realizadas na casa da própria Sra. Plainemason, e Rivail, curioso, aceitou o convite. O encontro foi marcado para uma terça-feira, às oito horas da noite.
Foi nessa ocasião que Rivail presenciou pela primeira vez, de forma direta, os fenômenos das mesas que se moviam, saltavam e deslizavam, em condições que não deixavam margem à dúvida quanto à veracidade do que ocorria. Assistiu também a algumas tentativas iniciais de escrita mediúnica, realizadas com o auxílio de uma cesta e uma ardósia.
Observador atento e metódico, Rivail logo percebeu que, por trás do que muitos viam como mera curiosidade ou passatempo, havia algo mais profundo. Aqueles fatos, por mais estranhos que parecessem, deviam ter uma causa. Talvez ali estivesse a revelação de uma nova lei natural. Motivado por essa possibilidade, decidiu investigar com seriedade os fenômenos que agora se descortinavam diante dele.
Em uma das reuniões na casa da Sra. Plainemason, Rivail conheceu a família Baudin. O Sr. Baudin o convidou a participar das sessões que promovia em sua residência todas as semanas — um ambiente ideal para estudar os fenômenos de forma mais contínua e sistemática. Nessas reuniões, abertas a qualquer interessado, Rivail passou a ser presença constante.
As médiuns da família Baudin — duas filhas do anfitrião — utilizavam uma cesta chamada pião, acoplada a um lápis, que servia de intermediário entre a mão e a escrita. Esse método exigia a participação de duas pessoas, o que reduzia a possibilidade de interferência das ideias dos médiuns. Durante as sessões, Rivail testemunhou comunicações mediúnicas seguidas de respostas a perguntas formuladas, inclusive questões feitas mentalmente. Para ele, isso deixava evidente a atuação de uma inteligência alheia ao médium, agindo por meio dele.
Com o tempo, o método da cesta pião foi sendo substituído por outros dispositivos, como uma pequena mesa de três pés — um deles adaptado para sustentar o lápis. Diversas técnicas foram desenvolvidas até se chegar ao método mais direto: a escrita pela mão do médium, como ocorre geralmente até os dias atuais (10).
O ESPÍRITO ZÉFIRO
Um dos Espíritos que mais frequentemente se manifestava nas reuniões que Rivail passou a frequentar era conhecido pelo nome de Zéfiro — nome esse que refletia bem o seu temperamento leve e jovial, em sintonia com o ambiente das sessões, onde os temas abordados costumavam ser frívolos ou voltados à vida mundana. Nesses encontros, os participantes buscavam respostas sobre assuntos pessoais e questões do dia a dia, sobretudo relacionadas ao futuro material.
Apesar da superficialidade de grande parte dos temas tratados, Rivail reconhecia que o Espírito Zéfiro era, acima de tudo, bondoso. Apresentava-se como protetor da família Baudin, e sabia cativar os presentes com bom humor, muitas vezes lançando mão de frases espirituosas e observações satíricas para despertar o riso ou transmitir conselhos úteis de forma leve e acessível.
Com o tempo, Zéfiro demonstrou grande simpatia por Rivail e passou a auxiliá-lo de maneira mais direta. Mais tarde, sob a orientação de Espíritos superiores, foi um importante colaborador nos primeiros trabalhos espíritas realizados por ele.
PRIMEIROS TRABALHOS ESPÍRITAS
Foi nas reuniões realizadas na casa da família Baudin que Rivail iniciou seus primeiros trabalhos significativos no campo do Espiritismo — baseando-se muito mais na observação metódica dos fenômenos do que nas revelações em si.
Sobre esse momento inicial de sua trajetória como codificador da Doutrina Espírita, ele mesmo declarou:
“Apliquei a essa nova ciência, como o fizera até então, o método da experimentação; jamais utilizei teorias preconcebidas: observava atentamente, comparava, deduzia as consequências; dos efeitos procurava remontar às causas, pela dedução e o encadeamento lógico dos fatos, não admitindo uma explicação como válida senão quando podia resolver todas as dificuldades da questão.Foi assim que sempre procedi em meus trabalhos anteriores, desde os 15 anos de idade. Compreendi, desde logo, a seriedade da exploração que iria empreender; entrevi, nesses fenômenos, a chave do problema, tão obscuro e tão controverso, do passado e do futuro da Humanidade — a solução do que havia procurado em toda a minha vida.Era, em uma palavra, toda uma revelação nas ideias e nas crenças; seria preciso, pois, agir com circunspeção, e não levianamente; ser positivo e não idealista, para não se deixar iludir.Um dos primeiros resultados de minhas observações foi que os Espíritos, não sendo outros senão as almas dos homens, não tinham a soberana sabedoria, nem a soberana ciência; que o seu saber estava limitado ao grau de seu adiantamento, e que a sua opinião não tinha senão o valor de uma opinião pessoal. Essa verdade, reconhecida desde o princípio, me preservou do grande escolho de crer em sua infalibilidade, e me impediu de formular teorias prematuras sobre o dizer de um só ou de alguns.” (9)
Esse depoimento evidencia o rigor com que Rivail conduziu seus estudos, sempre orientado por um espírito científico, crítico e equilibrado. Ao reconhecer desde o início que nem todos os Espíritos possuíam igual grau de conhecimento ou moralidade, evitou o erro comum de tomar qualquer mensagem como verdade absoluta. Esse cuidado metodológico foi fundamental para a construção segura e coerente da Doutrina Espírita.
O MUNDO INVISÍVEL E SEU IMENSO CAMPO DE EXPLORAÇÃO
O simples fato de ser possível a comunicação com os Espíritos — independentemente do conteúdo das mensagens — já demonstrava, por si só, a existência de um mundo invisível. Esse novo plano da realidade oferecia um imenso campo de exploração, sugerindo ser a chave para a explicação de inúmeros fenômenos até então incompreendidos.
Outro aspecto importante era a possibilidade de conhecer a natureza desse mundo, seus estados, leis, hábitos e formas de manifestação. Rivail compreendeu, em pouco tempo, que cada Espírito comunicante, conforme sua condição e grau de conhecimento, revelava diferentes facetas desse mundo oculto — de maneira semelhante ao que ocorre quando se deseja conhecer um país por meio do relato de pessoas de diferentes origens, classes sociais e pontos de vista.
Sobre isso, Kardec afirmou:
“Cabe ao observador formar o conjunto com a ajuda de documentos recolhidos de diferentes lados, colecionados, coordenados e controlados uns pelos outros.Agi, pois, com os Espíritos como o teria feito com os homens; foram para mim, desde o menor ao maior, meios de me informar, e não reveladores predestinados.” (9)
Essa postura crítica e comparativa — unindo diversas fontes, confrontando dados e organizando informações — foi essencial para que Rivail estabelecesse os princípios da Doutrina Espírita com base sólida, coerente e racional.
DA FRIVOLIDADE À SERIEDADE DOS TRABALHOS ESPÍRITAS
Desde o início de seus estudos espíritas, o professor Rivail adotou uma postura sistemática baseada na seguinte regra: observar, comparar e deduzir.
Até então, as sessões realizadas na casa do Sr. Baudin não tinham um propósito definido — predominavam perguntas frívolas e curiosidades pessoais. No entanto, com sua postura séria, espírito investigativo e formação pedagógica, Rivail transformou naturalmente o rumo dessas reuniões.
A partir de sua participação, as comunicações passaram a ser conduzidas com método e propósito. Ele comparecia às sessões munido de séries de perguntas organizadas com rigor lógico, abordando temas relevantes sob a perspectiva da Filosofia, da Psicologia e das leis do mundo invisível. As respostas obtidas dos Espíritos, transmitidas por médiuns, passaram a refletir clareza, profundidade e coerência.
Tamanha era sua influência que, quando por algum motivo não podia comparecer às sessões, os demais participantes sentiam-se desorientados, sem saber como conduzi-las. O trabalho deixara de ser mera distração para se tornar uma pesquisa séria e metódica, sob sua condução criteriosa.
PROJETANDO E ELABORANDO O LIVRO DOS ESPÍRITOS
A princípio, o professor Rivail tinha como único objetivo instruir-se a respeito dos fenômenos que observava. No entanto, à medida que as respostas espirituais se organizavam em um corpo coerente de ideias, percebeu que estava diante de um verdadeiro sistema de princípios — os fundamentos de uma Doutrina. Foi então que decidiu reunir, organizar e publicar essas informações, a fim de torná-las acessíveis a todos os interessados.
Com o tempo, essas comunicações — estruturadas em forma de perguntas e respostas — foram sendo desenvolvidas, revisadas e ampliadas, até compor a base da obra que se tornaria o marco inicial do Espiritismo: O Livro dos Espíritos.
Como ele mesmo declarou:
“Tudo foi obtido pela escrita, por intermédio de diversos médiuns.”
As primeiras médiuns que colaboraram para a elaboração do conteúdo foram as senhoritas Baudin. Segundo Rivail, a dedicação delas foi incansável:
“Quase todo o livro foi escrito por intermédio delas, em presença de numeroso público que assistia às sessões com o mais vivo interesse.” (11)
O GUIA ESPIRITUAL DE ALLAN KARDEC
Em 25 de março de 1856, durante uma sessão na casa da família Baudin, o professor Rivail — que mais tarde adotaria o pseudônimo Allan Kardec — teve pela primeira vez contato direto com o Espírito que se tornaria seu guia espiritual. A comunicação ocorreu por meio da médium Srta. Baudin, e foi antecedida por um fenômeno curioso que lhe despertara a atenção: durante várias noites, ele ouvira batidas persistentes na parede divisória de sua residência, situada na Rua dos Mártires, número 8, segundo andar. Intrigado, aproveitou a reunião mediúnica para investigar o ocorrido.
Na sessão, dirigiu-se ao Espírito comunicante com a seguinte pergunta:
“Poderíeis dizer-me a causa dessas pancadas que se fizeram ouvir com tanta persistência (em minha casa)?” — “Era teu Espírito familiar”, foi a resposta.“Com que objetivo vinha bater assim?”— “Queria se comunicar contigo.”“Poderíeis dizer-me o que é que ele queria de mim?” — “Podes perguntar a ele mesmo, porque está aqui.”
Na sequência, Rivail dirige-se diretamente ao Espírito:
“Meu Espírito familiar, quem quer que sejais, vos agradeço por terdes ido visitar-me; poderíeis dizer-me quem sois?”— “Para ti, me chamarei A Verdade, e todos os meses, aqui, durante um quarto de hora, estarei à tua disposição.” (9)
Esse contato marcou o início de uma orientação mais direta em seus estudos espirituais. A presença desse guia, que se apresentou sob o nome simbólico de "A Verdade", tornou-se constante em seus trabalhos.
ACOMPANHAMENTO E ORIENTAÇÃO DA OBRA
Em 17 de junho de 1856, novamente em uma sessão na casa dos Baudin, Rivail perguntou ao Espírito sobre o conteúdo que vinha sendo revisado para a futura obra doutrinária:
“Uma parte da obra já foi revista. Poderíeis ter a bondade de dizer o que dela pensais?”— “O que foi revisto está bem; mas, quando tudo acabar, será preciso revê-la ainda, a fim de estendê-la sobre certos pontos, e abreviá-la em outros.” (9)
Essa orientação espiritual demonstrava que o trabalho de codificação exigia critério, equilíbrio e revisão contínua, tanto em profundidade quanto em concisão. O plano da obra estava sendo cuidadosamente acompanhado pelos Espíritos.
A APROVAÇÃO ESPIRITUAL DO PROJETO
Alguns meses depois, em 11 de setembro de 1856, após a leitura de trechos da obra já elaborados — especialmente os capítulos relativos às leis morais —, a médium Srta. Baudin escreveu espontaneamente sob influência dos Espíritos:
“Compreendestes bem o objetivo de teu trabalho; o plano está bem concebido; estamos contentes contigo.Continua, mas, sobretudo, quando a obra estiver terminada, lembra-te de que nós te recomendaremos fazê-la imprimir e propagá-la: é de uma utilidade geral.Estamos satisfeitos, e não te deixaremos jamais.Crê em Deus e caminha.”— Assinatura: Muitos Espíritos. (9)
Essa mensagem selava a confiança dos Espíritos superiores na missão assumida por Rivail. Ele não apenas compreendia o objetivo do seu trabalho, como também estava sendo guiado passo a passo por inteligências espirituais comprometidas com a renovação moral da Humanidade.
REVISANDO A OBRA
Em 1856, ao mesmo tempo em que continuava os estudos iniciados na casa da família Baudin, Rivail passou a frequentar também as reuniões mediúnicas realizadas na casa do Sr. Roustan, nas quais atuava como médium sonâmbula a Srta. Japhet. Nessas sessões, marcadas por ordem e seriedade, Rivail encontrou o ambiente propício para aprofundar e revisar os conteúdos que havia reunido até então.
Como sua obra já estava praticamente estruturada em forma de livro, ele decidiu submetê-la a uma cuidadosa revisão. Seu objetivo era conferir coerência e consistência às respostas dos Espíritos, ampliando o campo de análise e evitando conclusões precipitadas. Para isso, propôs perguntas semelhantes a diferentes médiuns, buscando sempre comparar as comunicações obtidas.
A princípio, Rivail participou das sessões públicas com a Srta. Japhet. Porém, a pedido dos próprios Espíritos, passaram a realizar encontros reservados, em dias previamente marcados, com o intuito de trabalhar com mais tranquilidade, evitar interferências externas e preservar o sigilo do conteúdo antes da publicação.
Apesar das orientações recebidas, Rivail não se limitou a uma única fonte de informação. Procurou outros médiuns sérios e confiáveis, e, sempre que possível, submetia a eles as questões mais delicadas e complexas. Dessa forma, ao longo do processo, mais de dez médiuns contribuíram com respostas, reflexões e esclarecimentos.
Essas comunicações foram reunidas, comparadas, fundidas e organizadas com critério e rigor. Muitas delas foram reelaboradas por Rivail à luz da lógica, do bom senso e da meditação, até que se configuraram como a primeira edição de O Livro dos Espíritos, publicada no dia 18 de abril de 1857.
A Srta. Japhet teve papel essencial nessa etapa. Sonâmbula dotada de grande sensibilidade, dedicou-se com generosidade e desinteresse ao trabalho de revisão, mesmo com sua agenda pessoal já bastante ocupada. (11) Compreendeu a importância daquela tarefa para a propagação da nova doutrina e prestou sua colaboração com entusiasmo e disciplina.
Foi nessa obra que Rivail adotou pela primeira vez o pseudônimo de Allan Kardec, nome que, segundo lhe fora revelado por um Espírito, havia sido o seu em uma existência anterior entre os druidas da Gália.
DE RIVAIL A KARDEC
Em 1856, o professor Hippolyte Léon Denizard Rivail recebeu dos Espíritos a revelação de que tinha uma missão a cumprir na Terra: a de codificar os ensinamentos do Espiritismo. Para distinguir suas obras espíritas das publicações pedagógicas que havia escrito anteriormente, decidiu adotar um pseudônimo: Allan Kardec.
Segundo revelou um Espírito, que se identificava como Z — o mesmo Espírito conhecido anteriormente como Zéfiro —, esse nome correspondia a uma existência anterior de Rivail. Em tempos remotos, na Gália, ele teria sido um sacerdote druida (12) chamado Allan Kardec. A escolha do pseudônimo, portanto, não apenas marcava uma nova etapa em sua vida, mas também simbolizava a continuidade de uma missão espiritual iniciada em outras encarnações.
A partir de então, todas as suas obras relacionadas à Doutrina Espírita passaram a ser assinadas com esse nome: Allan Kardec.
A MENSAGEM DO ESPÍRITO Z (ZÉFIRO)
Em janeiro de 1857, quando O Livro dos Espíritos já se encontrava no prelo, pronto para ser impresso, Allan Kardec recebeu uma mensagem especial do Espírito Z, também conhecido como Zéfiro. Esse Espírito, que o acompanhava desde os primeiros estudos espíritas, havia prometido escrever-lhe uma carta por ocasião do Ano Novo — e assim o fez, em reunião íntima realizada na casa do Sr. Baudin, através da médium Srta. Baudin.
A carta não foi psicografada em público. Segundo o próprio Espírito explicou, tratava-se de uma comunicação pessoal, contendo orientações e reflexões que só poderiam ser ditas na intimidade. Era um recado de amigo para amigo — de guia espiritual para o trabalhador que assumia, naquele momento, a missão de lançar as bases da Doutrina Espírita.
Z começa aconselhando Kardec a moderar o ritmo de trabalho: "Não te canses tanto noite e dia", dizia ele, indicando que a obra não perderia por esperar um pouco mais. Em seguida, elogia sua capacidade e firmeza, incentivando-o a manter o equilíbrio diante dos entusiastas e dos apressados, e a caminhar com prudência: “Mede todos os teus passos, a fim de chegares ao fim com segurança.”
A mensagem também contém uma revelação profunda: Kardec, naquela encarnação, veria apenas os primeiros raios da luz de sua obra — a aurora de um movimento que ainda levaria muito tempo para ser compreendido e aceito em sua plenitude. Z afirma que o Codificador teria de reencarnar no futuro para completar sua missão e ver florescer a semente que agora lançava à Terra.
Z também o alerta sobre os desafios: haveria opositores, invejosos e caluniadores, mas ele não deveria se desanimar. Os bons Espíritos o sustentariam, desde que se mantivesse fiel ao ideal do progresso moral da Humanidade.
Ao final, a mensagem assume um tom carinhoso e fraterno. Recordando uma promessa feita no ano anterior — de proteger aqueles que se mostrassem íntegros em sua conduta — Z declara que Kardec era um dos escolhidos. E encerra, reafirmando seu compromisso com palavras afetuosas: “Teu amigo que te ama e te protege, Z.” (9)
Essa comunicação revela a grandeza da missão de Kardec, mas também o cuidado e o afeto dos Espíritos que o acompanhavam, guiando seus passos com sabedoria e amor.
O ESPÍRITO Z SEGUNDO KARDEC
Como vimos anteriormente, Rivail — que mais tarde adotaria o nome Allan Kardec — não considerava Z (ou Zéfiro) um Espírito de elevada hierarquia, mas o reconhecia como um ser muito bom, afetuoso e benevolente.
Em suas memórias, Kardec comenta:
“Talvez fosse mais avançado do que o nome que tomou poderia fazer supor; pode-se supô-lo a julgar pelo caráter sério e a sabedoria de suas comunicações, segundo as circunstâncias.”
Apesar do nome leve e até um tanto brincalhão, Z demonstrava grande discernimento e, conforme o ambiente em que se manifestava, sabia adaptar sua linguagem. Kardec observa que, devido ao seu nome e à natureza das reuniões — muitas vezes familiares e descontraídas —, Z se permitia usar um tom mais coloquial e espirituoso, chegando até a dizer verdades incisivas sob forma de epigramas, isto é, pequenas expressões com humor crítico e inteligência.
Ainda assim, Kardec sempre conservou dele uma lembrança positiva e afetuosa:
“Sempre conservei dele uma boa lembrança e o reconhecimento pelos bons conselhos que me deu e a amizade que me testemunhou.”
O Espírito Z deixou de se comunicar quando a família Baudin, com quem ele mantinha forte ligação, se dispersou. Na ocasião, anunciou que em breve deveria reencarnar. (9)
Essa relação mostra como, mesmo entre Espíritos considerados medianos em evolução, pode haver sabedoria, carinho e importante contribuição na construção de grandes obras, como a codificação da Doutrina Espírita.
LANÇAMENTO DE O LIVRO DOS ESPÍRITOS
Em 18 de abril de 1857, na Galeria d'Orléans, onde funcionava a Livraria Dentu, foi lançado ao público a primeira edição de O Livro dos Espíritos.
Na página de rosto da obra, lia-se:
"O Livro dos Espíritos, contendo os princípios da doutrina espírita acerca da natureza, manifestação e relações dos Espíritos com os homens; das leis morais; da vida presente, da vida futura e do porvir da Humanidade.Escrito e publicado conforme o ditado e a ordem de Espíritos superiores, por Allan Kardec." (13)
Desde o início, Kardec deixou claro que sua intenção com a obra não era obter lucro pessoal. Ele registrou na Revista Espírita de janeiro de 1858:
"Declaramos desde o princípio, e temos a satisfação de reafirmar agora, jamais pensamos em fazer de O Livro dos Espíritos objeto de especulação. Seu produto será aplicado nas coisas de utilidade geral." (11)
Assim, 18 de abril de 1857 marca o nascimento oficial da Doutrina Espírita, com a chegada às livrarias dos primeiros exemplares de O Livro dos Espíritos. Era o início de uma nova era de conhecimento espiritual para a Humanidade — a chamada "Era Espírita".
SEGUNDA EDIÇÃO DE O LIVRO DOS ESPÍRITOS
Em março de 1860, foi lançada a segunda edição de O Livro dos Espíritos. Por ocasião dessa nova publicação, Allan Kardec escreveu na Revista Espírita, nº 3 daquele ano:
"Inteiramente refundida e consideravelmente aumentada."
Na primeira edição, Kardec havia anunciado a publicação de uma parte suplementar, com questões que não haviam sido incluídas inicialmente, ou que novos estudos e circunstâncias posteriores trariam à luz. No entanto, como essas novas questões se relacionavam diretamente com os temas já tratados, não faria sentido publicá-las isoladamente.
Assim, ele preferiu aguardar a reimpressão do livro para incorporar todos esses novos elementos, aproveitando também para reorganizar a obra de forma mais metódica e suprimir eventuais duplicidades ou trechos de sentido ambíguo.
Sobre isso, Kardec afirmou:
"Esta reimpressão pode, pois, ser considerada como uma obra nova, embora os princípios não tenham sofrido nenhuma alteração — salvo raríssimas exceções, que são mais complementos e esclarecimentos do que verdadeiras modificações."
Ele ainda destaca um ponto fundamental:
"A conformidade dos princípios emitidos, apesar da diversidade das fontes onde foram colhidos, é um fato importante para o estabelecimento da ciência espírita."
Em outras palavras, Kardec observou que comunicações idênticas, ao menos quanto ao conteúdo, foram obtidas em diferentes lugares e por diversos médiuns, inclusive antes da publicação da primeira edição do livro, o que confirmava a universalidade dos ensinamentos e reforçava a solidez da Doutrina.
Por fim, ele observa:
"A História atesta que a maioria desses princípios já foi professada por homens eminentes, tanto na Antiguidade quanto nos tempos modernos, o que lhes confere ainda maior legitimidade." (14)
Com essa edição ampliada e reorganizada, O Livro dos Espíritos passou a apresentar-se como a obra fundacional, completa e estruturada da Doutrina Espírita — a base sólida de todo o edifício doutrinário que viria a seguir.
DESENVOLVIMENTO DA DOUTRINA ESPÍRITA
O ano de 1858 marcou o início de uma nova fase no desenvolvimento da Doutrina Espírita.
Em 1º de janeiro, Allan Kardec lançou em Paris o primeiro número da Revista Espírita (Revue Spirite), periódico mensal que se tornaria um importante veículo de divulgação, análise e aprofundamento dos princípios espíritas.
Ainda nesse ano produtivo, Kardec publicou o livro "Instruções Práticas sobre as Manifestações Espíritas", destinado a orientar os grupos de estudos e experimentações, e em 1º de abril, fundou a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, primeira instituição formal dedicada ao exame sério e metódico dos fenômenos espíritas.
Em 1859, publicou a obra "O que é o Espiritismo", uma introdução didática à Doutrina, voltada especialmente ao público iniciante.
No ano seguinte, em 16 de setembro de 1860, Kardec escreveu a "Carta sobre o Espiritismo", em resposta a críticas publicadas no jornal Gazette de Lyon. Em janeiro de 1861, lançou o importante tratado "O Livro dos Médiuns", aprofundando os aspectos experimentais e práticos do Espiritismo. Porém, nesse mesmo ano, em 9 de outubro, em um lamentável episódio de intolerância, cerca de 300 exemplares de obras espíritas, incluindo O Livro dos Espíritos, foram queimados em praça pública em Barcelona, Espanha, num auto de fé.
Em fevereiro de 1862, vieram a lume dois novos trabalhos: "O Espiritismo na sua Expressão Mais Simples", um resumo didático, e "Viagem Espírita em 1862", um relato de suas visitas a diversos grupos espíritas na França.
No ano de 1864, Kardec publicou dois títulos importantes: "Resumo da Lei dos Fenômenos Espíritas", também conhecido como Primeira Iniciação, e o livro "Imitação do Evangelho Segundo o Espiritismo", que logo passaria a se chamar "O Evangelho Segundo o Espiritismo", consolidando o aspecto moral da Doutrina.
Em 1º de agosto de 1865, foi lançado "O Céu e o Inferno", ou A Justiça Divina Segundo o Espiritismo, que examina a vida após a morte à luz da razão e das comunicações espirituais.
Já em 1866, Kardec publicou a "Coleção de Preces Espíritas", uma seleção retirada do Evangelho Segundo o Espiritismo.
No ano seguinte, 1867, publicou o ensaio "Estudo acerca da Poesia Medianímica". E, finalmente, em 1868, encerrando o ciclo das obras fundamentais da Codificação, vieram à luz os livros "A Gênese – Os Milagres e as Predições Segundo o Espiritismo" e "Caracteres da Revelação Espírita", que consolidam os aspectos científicos e filosóficos da Doutrina.
A ORDEM RECOMENDADA PARA O ESTUDO DA DOUTRINA ESPÍRITA
Para aqueles que desejam iniciar-se no Espiritismo de maneira segura, progressiva e compreensível, Allan Kardec recomendou uma sequência lógica de leitura das obras fundamentais da Doutrina (15). Essa ordem visa proporcionar ao estudante uma visão clara, gradual e aprofundada dos princípios espíritas, desde os conceitos mais simples até os aspectos filosóficos, morais e práticos. Veja a seguir:
1º – O que é o Espiritismo?Esta pequena brochura, com cerca de cem páginas, é a porta de entrada para o entendimento da Doutrina Espírita. Nela, Kardec apresenta uma exposição resumida dos princípios fundamentais do Espiritismo, oferecendo uma visão geral da Doutrina de forma simples e acessível.A obra responde às principais dúvidas e objeções comuns aos que estão tendo o primeiro contato com o tema. Por ser breve e introdutória, essa leitura consome pouco tempo, mas cumpre o importante papel de preparar o leitor para um estudo mais aprofundado.2º – O Livro dos EspíritosPublicado pela primeira vez em 1857, é a obra básica e mais completa da Doutrina Espírita. Contém a filosofia espírita, tal como foi ditada pelos Espíritos superiores, abordando questões fundamentais da existência humana, da vida após a morte, das leis morais, da justiça divina e do destino dos Espíritos.Quem lê O Livro dos Espíritos compreende que o Espiritismo não se resume a fenômenos curiosos, mas trata-se de uma doutrina séria, voltada à renovação moral da humanidade.3º – O Livro dos MédiunsEste livro complementa O Livro dos Espíritos, oferecendo instruções práticas sobre os diferentes tipos de manifestações espirituais. É voltado especialmente aos médiuns e aos grupos que desejam compreender, com segurança, os fenômenos mediúnicos.
Trata-se de um verdadeiro manual para quem pretende se dedicar à prática mediúnica com responsabilidade, discernimento e embasamento teórico.
4º – Revista EspíritaA Revista Espírita foi publicada por Kardec de 1858 a 1869, em edições mensais. Trata-se de uma coletânea variada de relatos, estudos, comunicações espirituais, análises e reflexões. Seu conteúdo enriquece o estudo doutrinário com exemplos práticos, discussões teóricas e casos concretos.
Kardec recomendava que sua leitura fosse feita depois de O Livro dos Espíritos, pois, embora os temas sejam variados, muitos deles exigem uma base doutrinária sólida para uma melhor compreensão. Ainda assim, é possível estudá-la paralelamente às outras obras, desde que com o devido preparo.
LIBERDADE DE ESTUDO E O VALOR DA COMPARAÇÃO
Allan Kardec sempre defendeu a liberdade de pensamento e a autonomia crítica no estudo do Espiritismo. No O Livro dos Médiuns, ele recomenda que o estudante sério da Doutrina procure conhecer amplamente o tema, sem se limitar a um único autor ou a uma visão exclusiva:
“Os que desejem tudo conhecer de uma ciência devem necessariamente ler tudo o que se ache escrito sobre a matéria, ou, pelo menos, o que haja de principal, não se limitando a um único autor. Devem mesmo ler o pró e o contra, as críticas como as apologias, inteirar-se dos diferentes sistemas, a fim de poderem julgar por comparação.” (15)
Kardec deixa claro que não busca impor sua visão, tampouco se coloca como autoridade exclusiva sobre o assunto. Sua postura é de contribuição coletiva e humilde:
“Por esse lado, não preconizamos, nem criticamos obra alguma, visto não querermos, de nenhum modo, influenciar a opinião que dela se possa formar. Trazendo nossa pedra ao edifício, colocamo-nos nas fileiras. Não nos cabe ser juiz e parte e não alimentamos a ridícula pretensão de ser o único distribuidor da luz. Toca ao leitor separar o bom do mau, o verdadeiro do falso.” (15)
Essa mesma ideia de liberdade e senso crítico aparece novamente em 1869, pouco antes de seu desencarne. Ao elaborar o Catálogo Racional das Obras para se Fundar uma Biblioteca Espírita, Kardec reafirma:
“Proibir um livro é dar mostras de que o tememos. O Espiritismo, longe de temer a divulgação dos escritos publicados contra ele e interditar sua leitura aos adeptos, chama a atenção destes e do público para tais obras, a fim de que possam julgar por comparação.”
Essa postura demonstra o espírito verdadeiramente científico e racional da Doutrina Espírita, que não se impõe por imposição dogmática, mas convida ao exame livre, consciente e comparado. Ao leitor cabe o papel de discernir, com base no estudo e na reflexão, o que ressoa com a verdade.
RETORNO À PÁTRIA ESPIRITUAL
Após cumprir uma das mais notáveis missões de esclarecimento espiritual da humanidade, Allan Kardec retorna à Pátria Espiritual no dia 31 de março de 1869, aos 65 anos de idade, em Paris, vítima da ruptura de um aneurisma.
Embora tenha deixado o plano físico, sua obra não se encerrou nesse momento. Sua contribuição continuou a se expandir, sendo coroada em 1890 com a publicação do livro Obras Póstumas, que reuniu os últimos escritos e reflexões do Codificador, lançando novas luzes sobre seu pensamento e seu trabalho de estruturação da Doutrina Espírita.
Essa obra póstuma completou, de certa forma, sua missão iniciada com O Livro dos Espíritos, oferecendo ao movimento espírita elementos preciosos de orientação e continuidade.
NOTAS:
(1) Lyon: http://pt.wikipedia.org/wiki/Lyon e Cláudio: http://pt.wikipedia.org/wiki/Cl%C3%A1udio (Wikipédia).
(2) Croix-Rousse: http://pt.wikipedia.org/wiki/Croix-Rousse (Wikipédia).
(3) WANTUIL, Z. e THIESEN, F. Allan Kardec: o educador e o codificador, vol. I. p. 96, Rio de Janeiro: FEB, 2004
(4) IBEM - Instituto Brasileiro de Educação Moral: http://www.educacaomoral.org.br/pesta_lozzi.htm
(5) Educar para Crescer: http://educarparacrescer.abril.com.br/aprendizagem/pestalozzi-307416.shtml (6) Paris: http://pt.wikipedia.org/wiki/Paris
(7) Vida e Obra de Allan Kardec - André Moreil, 1977 - Editora EDICEL.
(8) O Colégio Harcourt foi fundado em Paris em 1280 e fechado em 1793. Foi uma instituição pública francesa de ensino superior localizada a rua da Harpa, 94 em Paris, depois passou a se chamar Liceu Saint-Louis. (Fonte:
http://fr.wikipedia.org/wiki/Coll%C3%A8ge_d'Harcourt)
(9) Obras Póstumas (1890), 2ª. parte.
(10) O Livro dos Médiuns, 2ª. parte, Psicografia, item 157.
(11) Revista Espírita, janeiro de 1858, O Livro dos Espíritos.
(12) Druidas (e druidesas) eram pessoas encarregadas das tarefas de aconselhamento, ensino, jurídicas e filosóficas dentro da sociedade celta. Embora não haja consenso entre os estudiosos sobre a origem etimológica da palavra, druida parece provir de oak (carvalho) e wid (raiz indo-europeia que significa saber). Assim, druida significaria aquele(a) que tem o conhecimento do carvalho.[carece de fontes?] O carvalho, nesta acepção, por ser uma das mais antigas e destacadas árvores de uma floresta, representa simbolicamente todas as demais. Ou seja, quem tem o conhecimento do carvalho possui o saber de todas as árvores.
(Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Druida) (13) O Livro dos Espíritos, 1ª. edição.
(14) Revista Espírita, março de 1860.
(15) O Livro dos Médiuns, 1ª. parte, cap. III Do Método, item 35.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
Allan Kardec - Zêus Wantuil e Francisco Thiesen - Edições FEB;
Vida e Obra de Allan Kardec - André Moreil, 1977 - Editora EDICEL
O Principiante Espírita - Júlio de Abreu Filho - Editora Pensamento
História do Espiritismo - Arthur Conan Doyle - Editora Pensamento
Kardec, Irmãs Fox e outros - Jorge Rizzini - Editora Eldorado Espírita de São Paulo
Grandes Vultos do Espiritismo - Paulo Alves de Godoy - Edições FE-ESP
Espiritismo Básico - Pedro Franco Barbosa - Edições FEB
Revista Informação Nº.35
Obras Póstumas - Allan Kardec - LAKE - Livraria Allan Kardec Editora
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