quarta-feira, 13 de agosto de 2025

A LEI DE CAUSA E EFEITO E OS ANIMAIS:
UMA REFLEXÃO À LUZ DO ESPIRITISMO
- A Era do Espírito –

Introdução

A Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec, apresenta a Lei de Causa e Efeito como um dos princípios universais que regem todas as criaturas e coisas no Universo. Essa lei, também chamada de lei de ação e reação, está intimamente ligada à evolução espiritual, à reencarnação e à justiça divina, assegurando que cada ser colha os frutos das próprias ações, em qualquer tempo ou condição.

Mas a aplicação dessa lei restringe-se apenas ao ser humano? Ou também envolve os animais, os vegetais e até mesmo as partículas elementares?

A questão, frequentemente tratada de modo superficial, adquire relevância ao se considerar que, na visão espírita, todos os seres fazem parte de um mesmo plano divino de evolução, e que a vida não se restringe ao reino hominal. A análise que segue busca explorar, à luz das obras de Allan Kardec e de registros da Revista Espírita, como a lei de causa e efeito pode ser compreendida na relação com os animais, desmontando preconceitos e ampliando o entendimento sobre a fraternidade universal.

1. A visão limitada do homem sobre a criação

Historicamente, o homem colocou-se no centro da criação, atribuindo-se um papel principal e relegando aos outros reinos — mineral, vegetal e animal — funções secundárias ou utilitárias.

Os animais, em particular, foram rotulados de “irracionais”, termo que, segundo o uso corrente, indicaria ausência total de razão e dependência exclusiva do instinto. No entanto, observações cotidianas revelam comportamentos nos animais que indicam memória, aprendizado, escolhas e até formas rudimentares de raciocínio, algo que Kardec não desconsiderou ao estudar a escala espírita (O Livro dos Espíritos, questões 592 a 600).

Kardec registra que os animais possuem uma inteligência limitada e um princípio espiritual, ainda não dotado de livre-arbítrio pleno, mas que evolui gradualmente. Isso abre espaço para compreender que eles participam, em seu nível, das mesmas leis universais.

2. Inteligência, sensibilidade e sofrimento animal

A observação atenta do comportamento animal mostra que muitos indivíduos apresentam traços que se aproximam de capacidades humanas, ainda que em graus rudimentares. Exemplos não faltam: animais que reconhecem pessoas, que aprendem tarefas complexas, que desenvolvem laços afetivos e até que demonstram estratégias para alcançar objetivos.

Negar tais evidências implica manter-se preso a preconceitos antigos.

No plano moral, é importante notar que os animais também experimentam o sofrimento — físico e, em certo grau, emocional. Como bem destaca Kardec na Revista Espírita (fevereiro de 1862), “o sofrimento físico é comum a todos os seres vivos; o sofrimento moral é proporcional ao desenvolvimento intelectual”. Essa constatação coloca os animais como partícipes de um processo evolutivo, onde a dor e as circunstâncias de vida contribuem para o adiantamento do princípio inteligente.

3. Evolução e a origem espiritual dos seres

O Espiritismo ensina que todos os Espíritos foram criados simples e ignorantes, iniciando sua jornada em formas de vida primárias. No Livro dos Espíritos (questões 607 a 610), Kardec expõe que o princípio espiritual progride através dos diferentes reinos, adquirindo experiência até atingir a condição humana.

Assim, é plausível considerar que, no passado remoto, todos nós já atravessamos estágios semelhantes aos que hoje vemos nos animais. Este entendimento é reforçado em passagens da Revista Espírita (abril de 1864), onde se admite que o princípio espiritual humano teve origem em estados anteriores de existência, avançando até a consciência e o livre-arbítrio.

Essa perspectiva elimina a visão de separação absoluta entre homem e animal e fundamenta o dever moral de respeito e proteção a todas as formas de vida.

4. Lei de Causa e Efeito: também para os animais?

Se a lei de causa e efeito é universal, não há razão para supor que ela se aplique exclusivamente ao ser humano. Embora os animais não possuam ainda responsabilidade moral plena — pois lhes falta o livre-arbítrio completo —, eles estão sujeitos a experiências que moldam e educam o princípio espiritual que carregam.

O sofrimento que vivenciam pode ter origem em necessidades evolutivas, funcionando como aprendizado e preparação para estágios mais complexos. O mesmo se dá com circunstâncias favoráveis, que também contribuem para a formação de tendências e aptidões.

Na Revista Espírita (agosto de 1863), Kardec observa que “a justiça divina se estende a todas as criaturas; nenhuma é excluída de seus benefícios e de suas leis”. Isso reforça a ideia de que, embora o grau de aplicação varie, a lei é a mesma para todos.

5. Considerações finais

À luz da Doutrina Espírita, o conceito de “irracional” é relativo. Os animais não raciocinam como o homem, mas possuem formas de inteligência adequadas ao seu estado evolutivo. Estão sujeitos, em seu nível, à lei de causa e efeito, e seu princípio espiritual progride através de múltiplas existências.

Reconhecer isso amplia o sentido da fraternidade universal, integrando o homem e os demais seres vivos num mesmo processo cósmico de aperfeiçoamento.

Se todos fomos criados por Deus e percorremos a longa estrada da evolução, respeitar e proteger a vida animal não é apenas uma questão de compaixão, mas de sintonia com a própria lei divina.

Quadro comparativo — O tratamento dado aos animais

Natureza do ser:

O Livro dos Espíritos: Os animais possuem um princípio inteligente distinto do homem, em desenvolvimento rumo à razão plena (q. 592-600).

Revista Espírita: Reconhece-se que os animais têm individualidade espiritual, ainda sem livre-arbítrio pleno.

Pensamento científico moderno: Considerados seres sencientes, capazes de sentir dor e prazer; estudos indicam níveis variados de consciência.

Inteligência:

O Livro dos Espíritos: Inteligência limitada, mas real, adaptada às necessidades da vida; instinto predominante.

Revista Espírita: Diversos relatos de comportamentos inteligentes, memória e aprendizado em animais.

Pensamento científico moderno: Etologia comprova habilidades cognitivas, comunicação e solução de problemas em várias espécies.

Sofrimento:

O Livro dos Espíritos: Sentem dor física; não sofrem moralmente como o homem, pois lhes falta reflexão moral.

Revista Espírita: “Sofrimento físico é comum a todos os seres vivos; sofrimento moral proporcional ao intelecto” (fev. 1862).

Pensamento científico moderno: Comprovada a capacidade de sofrer física e emocionalmente; algumas espécies demonstram luto e estresse.

Evolução:

O Livro dos Espíritos: Princípio espiritual progride pelos reinos até alcançar a humanidade.

Revista Espírita: Sugere que o princípio espiritual humano já passou por estágios animais.

Pensamento científico moderno: Teoria da evolução biológica explica parentesco genético e adaptação das espécies.

Lei de Causa e Efeito:

O Livro dos Espíritos: Universal; aplica-se também aos animais em seu grau de entendimento e progresso.

Revista Espírita: Justiça divina abrange todos os seres; nenhum é excluído de suas leis (ago. 1863).

Pensamento científico moderno: Reconhece-se que experiências moldam comportamentos e capacidades; seleção natural atua sobre todos.

Referências

  • KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 77ª ed. FEB.
  • KARDEC, Allan. A Gênese. FEB.
  • KARDEC, Allan. Revista Espírita (1858-1869). Diversos artigos sobre os animais e o princípio espiritual.
  • IMBASSAHY, Carmen. Irracionais, até onde?
  • KARDEC, Allan. O que é o Espiritismo. FEB.
  • KARDEC, Allan. Obras Póstumas. FEB.

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