quinta-feira, 28 de agosto de 2025

A MEDIUNIDADE NA DOUTRINA DOS ESPÍRITOS:
TIPOS DE MÉDIUNS E QUALIDADE DA FACULDADE
- A Era do Espírito -

Introdução

A Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec no século XIX, tem na mediunidade um dos seus pilares fundamentais. É por meio dela que se estabelece o intercâmbio entre o mundo espiritual e o mundo corporal, facultando a transmissão de ensinamentos, consolações e provas da imortalidade da alma. Longe de ser um privilégio, a mediunidade é uma faculdade natural, inerente ao ser humano, que se manifesta em diferentes graus e formas, segundo a disposição orgânica e moral de cada indivíduo.

Este artigo tem por objetivo apresentar, a partir das obras de Allan Kardec — O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns, O Evangelho segundo o Espiritismo, A Gênese e a Revista Espírita — uma visão sistemática da mediunidade, seus tipos e a importância da qualidade moral dos médiuns.

1. Conceito de Mediunidade

Kardec define o médium como o intermediário entre os Espíritos e os homens. A faculdade mediúnica, por sua vez, não é excepcional, mas universal:

“Tout homme qui sent, à quelque degré que ce soit, l’influence des Esprits, est médium”1.
(“Todo aquele que sente, em grau qualquer, a influência dos Espíritos, é médium”).

Assim, a mediunidade pode variar de uma simples impressão ou intuição até manifestações ostensivas, como a psicografia ou a vidência.

2. Tipos de Médiuns

Em O Livro dos Médiuns (2ª parte, cap. XIV), Kardec propõe uma classificação prática e didática. Não se trata de uma lista exaustiva, mas de exemplos das principais modalidades observadas.

  • Médiuns de efeitos físicos: produzem manifestações materiais, como ruídos, movimentos de objetos e tiptologia.
  • Médiuns sensitivos ou impressionáveis: percebem pela sensação física a presença dos Espíritos.
  • Médiuns audientes: ouvem vozes ou sons espirituais.
  • Médiuns videntes: veem os Espíritos, em geral de forma fugaz ou permanente.
  • Médiuns falantes: transmitem oralmente as mensagens espirituais, muitas vezes em estado de semiconsciência.
  • Médiuns escreventes (psicógrafos): escrevem sob a influência dos Espíritos, seja de forma mecânica, semimecânica ou intuitiva.
  • Médiuns inspirados: recebem pensamentos ou intuições dos Espíritos, que podem se confundir com seus próprios.
  • Médiuns sonâmbulos: atuam em estado de sonambulismo natural ou provocado, servindo de instrumento aos Espíritos.
  • Médiuns curadores: transmitem fluidos salutares, agindo magneticamente sob a assistência espiritual.
  • Médiuns de pressentimento: percebem, de modo vago ou claro, acontecimentos futuros.
  • Médiuns artísticos: poetas, músicos, pintores ou desenhistas que recebem inspiração ou execução mediúnica.
  • Médiuns poliglotas: falam ou escrevem em línguas desconhecidas por eles (xenoglossia).

É importante destacar que um mesmo indivíduo pode reunir várias dessas modalidades em diferentes graus de intensidade.

3. Qualidade Moral e Intelectual dos Médiuns

A faculdade mediúnica é orgânica e neutra, mas a qualidade das comunicações depende da condição moral do médium e da influência que exerce sobre os Espíritos que atrai.

Kardec sintetiza:

“La faculté médianimique est indépendante des qualités morales du médium; mais ces qualités ont une grande influence sur l’usage qu’il en fait”2.
(“A faculdade mediúnica é independente das qualidades morais do médium; mas estas têm grande influência sobre o uso que ele faz da faculdade”).

Assim, o médium pode ser:

  • Imperfeito, quando dominado pelo orgulho, vaidade, egoísmo, interesse material ou pela influência de Espíritos inferiores.
  • Bom médium, quando busca a humildade, o desinteresse, a sinceridade e coloca a faculdade a serviço do bem.

Kardec compara o médium a um instrumento musical: pode ser mais ou menos afinado, mas precisa de educação e disciplina para ser útil.

4. A Missão dos Médiuns

A mediunidade, segundo Kardec, não deve ser utilizada para satisfazer curiosidades ou interesses materiais, mas para instruir e consolar. Em O Livro dos Médiuns, ele adverte:

“Les médiums sont les interprètes des Esprits; ils ne font qu’exprimer la pensée de ceux qui les assistent”3.
(“Os médiuns são os intérpretes dos Espíritos; eles apenas expressam o pensamento daqueles que os assistem”).

A missão do médium é, portanto, moral: contribuir para o progresso espiritual da humanidade, servindo de canal para os ensinamentos elevados.

5. A Mediunidade nas Diversas Obras da Codificação

  • O Livro dos Espíritos (1857): introduz a ideia da influência espiritual no pensamento humano (questões 459, 518-525).
  • O Livro dos Médiuns (1861): trata sistematicamente da prática mediúnica, tipos de médiuns, qualidades, perigos e educação da faculdade.
  • O Evangelho segundo o Espiritismo (1864): exorta os médiuns a não ocultarem a “candeia” (cap. XXIV, item 11), lembrando sua responsabilidade moral.
  • A Gênese (1868): explica a base fluídica das manifestações e a mediunidade de cura (cap. XIV), além de analisar os fenômenos atribuídos a Jesus como manifestações superiores da lei mediúnica (cap. XV).
  • Revista Espírita (1858-1869): apresenta inúmeros relatos práticos de médiuns e comunicações, entre eles o célebre caso da Srta. Júlia (dez. 1863 e jan. 1864), estudado por Kardec como exemplo de possessão espiritual4.

Conclusão

O estudo da mediunidade, conforme apresentado por Allan Kardec, revela a amplitude e diversidade dessa faculdade humana. A classificação dos tipos de médiuns auxilia na compreensão prática, mas a essência do problema está na qualidade moral daquele que a exerce. A mediunidade, neutra em si mesma, pode ser instrumento de progresso ou de engano, conforme o uso que dela se faça.

Assim, a Doutrina Espírita convida a uma educação mediúnica responsável, baseada no estudo, na disciplina e, sobretudo, na transformação íntima, para que a faculdade se torne instrumento de esclarecimento, consolo e caridade.

Referências

  • KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. de Guillon Ribeiro. FEB, várias edições.
  • KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. Trad. de Guillon Ribeiro. FEB, várias edições.
  • KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Trad. de Guillon Ribeiro. FEB, várias edições.
  • KARDEC, Allan. A Gênese. Trad. de Guillon Ribeiro. FEB, várias edições.
  • KARDEC, Allan. Revista Espírita: Jornal de Estudos Psicológicos (1858-1869). Diversos volumes.

Notas de Rodapé

  1. KARDEC, Allan. Le Livre des Médiums. 2e partie, chap. XIV, item 159.
  2. KARDEC, Allan. Le Livre des Médiums. 2e partie, chap. XX, item 227.
  3. KARDEC, Allan. L’Évangile selon le Spiritisme. Chap. XXIV, item 11.
  4. KARDEC, Allan. Revue Spirite. Décembre 1863, p. 373-381; Janvier 1864, p. 1-13. No caso da Srta. Júlia, Kardec observa: “Nous avons sous les yeux un exemple frappant de la possession proprement dite” (“Temos sob os olhos um exemplo notável da possessão propriamente dita”).

 

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