Introdução
O debate sobre o aborto eugênico — a interrupção da
gestação motivada por diagnóstico de anomalias físicas ou mentais no feto — é
um tema que, mais do que médico e jurídico, envolve questões éticas,
espirituais e morais de grande profundidade.
Na perspectiva espírita, a vida é um bem sagrado
desde a concepção, e a encarnação é oportunidade única para o progresso
espiritual, seja para o Espírito que retorna à carne, seja para os que o
acolhem na Terra.
Neste artigo, inspirado na palestra do Dr. Isaias
Claro e fundamentado na Codificação Espírita e em obras complementares,
refletiremos sobre o significado espiritual das deficiências, o papel do corpo
físico na evolução da alma e as implicações morais das propostas de aborto com
fins eugênicos.
1. O
enquadramento legal e a visão espírita
O Código Penal Brasileiro (art. 128) prevê a não
punição do aborto em dois casos:
- Aborto necessário — quando a vida da mãe está
em risco;
- Aborto sentimental — quando a gravidez decorre
de estupro.
A Doutrina Espírita, consultando-se O Livro dos
Espíritos, questão 359, considera moralmente aceitável o aborto necessário,
pois preserva-se a vida da mãe sem impedir o Espírito destinado à reencarnação
de tentar novamente em outra oportunidade.
Entretanto, a mesma obra não encontra amparo moral
para o aborto sentimental, uma vez que a vida, independentemente das
circunstâncias de concepção, é oportunidade divina de crescimento para todos os
envolvidos.
2. O
avanço da eugenia e seus riscos morais
O aborto eugênico insere-se numa lógica de
“seleção” que, historicamente, já justificou práticas desumanas — desde o
extermínio de crianças com deficiência na Roma Antiga até as atrocidades do
regime nazista, que buscava padronizar a raça humana.
O conceito de eugenia, cunhado por Francis Galton
no século XIX, inicialmente propunha o “aprimoramento” físico e mental da
população, mas, levado ao extremo, transforma-se em justificativa para
descartar vidas consideradas “imperfeitas” segundo critérios arbitrários.
A prática contradiz não apenas princípios éticos
universais, mas também a própria missão da Medicina, cuja essência é preservar
e restaurar a vida, não eliminá-la.
3. O
corpo como instrumento de evolução
Para o Espiritismo, o corpo físico é o instrumento
de manifestação do Espírito na matéria, possibilitando-lhe experiências e
aprendizados indispensáveis ao seu progresso moral.
Deficiências físicas ou mentais podem ser:
- Provas ou expiações — consequências de vidas
passadas, oferecendo oportunidades de reparação;
- Missões voluntárias — quando Espíritos elevados
se oferecem para auxiliar outros ou exemplificar coragem, fé e superação;
- Recursos educativos — limitando tendências
inferiores para favorecer o desenvolvimento moral.
A limitação física não define a grandeza
espiritual. Personalidades como Jerônimo Mendonça, Hellen Keller e tantos
outros provaram que, apesar das barreiras do corpo, a alma pode realizar obras
notáveis de amor e serviço.
4.
Avanços científicos que preservam a vida
A terapia gênica e a medicina fetal já oferecem
alternativas para corrigir anomalias antes ou logo após o nascimento, reduzindo
a justificativa médica para o aborto eugênico.
Na questão 692 de O Livro dos Espíritos, os
Espíritos Superiores incentivam o homem a utilizar a Ciência para aperfeiçoar a
natureza, desde que em conformidade com as leis morais — o que inclui preservar
a vida sempre que possível.
5.
Reflexões finais
A eliminação de um feto por apresentar anomalias é,
sob o prisma espírita, impedir um Espírito de vivenciar provas necessárias ou
cumprir missões planejadas antes da reencarnação.
Mais grave ainda, perpetua valores baseados na
aparência, na utilidade material e na estética, esquecendo que a verdadeira
medida do ser humano está em sua essência espiritual.
O exemplo pessoal narrado pelo Dr. Isaias Claro,
sobre sua filha Morgana, evidencia que um filho “excepcional” é, antes de tudo,
um filho excepcional — capaz de transformar, educar e iluminar o lar e o
coração de todos ao redor.
Conclusão
O aborto eugênico, ainda que travestido de avanço
social ou médico, fere as leis morais e ignora a realidade espiritual da vida.
O Espiritismo convida à superação do orgulho e do egoísmo — as verdadeiras
causas do desprezo pela vida — e ao cultivo do amor, que reconhece no ser
humano, perfeito ou deficiente aos olhos do mundo, um Espírito imortal em
jornada evolutiva.
Como ensinou Jerônimo Mendonça, “a doença do corpo trabalha a saúde da
alma”. E como ensinou Jesus, cada vida é sagrada, fruto da vontade divina,
com um propósito que transcende a compreensão imediata.
Referências
- KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 68. ed. FEB. Questões
359 e 692.
- KARDEC, Allan. A Gênese. FEB.
- XAVIER, Francisco Cândido. Boa Nova (Irmão X). FEB.
- XAVIER, Francisco Cândido. No Mundo Maior (André Luiz). FEB.
- DI GIROLAMO, Nancy Puhlmann. O Castelo das Aves Feridas.
- Palestra do Dr. Isaias Claro na Escola de Pais Eurípedes
Barsanulfo, março de 1994 (texto base).
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