Introdução
A vida na Terra é um campo de contrastes. Desde o
átomo ao pensamento, encontramos polaridades: positivo e negativo, luz e
sombra, quente e frio, alegria e tristeza, bem e mal. É no embate entre opostos
que se forja o progresso do Espírito. A Doutrina Espírita, codificada por Allan
Kardec, nos ensina que esse contraste não é acaso, mas recurso da Lei Divina
para o desenvolvimento moral e intelectual.
No Livro dos Espíritos e nas páginas da Revista
Espírita, observamos que as experiências humanas, por mais desafiadoras que
sejam, são oportunidades de aprimoramento. A fuga ao convívio com as
dificuldades e diferenças pode atrasar a evolução; enfrentá-las, com discernimento
e perseverança, é caminho seguro para a maturidade espiritual.
1. A lei
dos contrastes
Em toda parte, a Criação apresenta pares
complementares: o dia e a noite, a semente e a colheita, a infância e a
velhice. Como afirma André Luiz em Opinião Espírita, “somos envolvidos
por fatos e problemas que exigem a manifestação da nossa vontade em todas as
circunstâncias”. É na presença dos contrários que aprendemos a discernir —
tarefa essencial do Espírito reencarnado.
Allan Kardec, na questão 467 de O Livro dos
Espíritos, pergunta se o homem pode afastar-se da influência dos Espíritos
maus. A resposta é clara: sim, pois eles só se ligam aos que os atraem pelos
próprios pensamentos e desejos. O contraste, portanto, não é convite ao erro,
mas teste à nossa capacidade de escolher o bem.
2. A
parábola do trigo e do joio: convivendo com as diferenças
Jesus, na parábola do trigo e do joio, ensina que
ambos devem crescer juntos até a colheita, para que não se arranque o bom junto
com o mau. Em termos espirituais, a convivência com pessoas de diversos níveis
morais é o laboratório em que desenvolvemos paciência, tolerância e
compreensão.
A Revista Espírita (julho de 1860) registra
que “o contato com as imperfeições
alheias é uma das mais eficazes lições para quem deseja conhecer-se e
corrigir-se”. O afastamento total do mundo não nos poupa de tentações
internas, como mostra a história dos dois irmãos — um que se isolou nas
montanhas e outro que permaneceu na cidade, aprendendo no convívio com os
necessitados. O que buscou pureza pela fuga descobriu, ao rever o irmão, que o
verdadeiro adestramento moral se dá na vida ativa, enfrentando as
circunstâncias.
3. O
valor da prova e da tentação
Ninguém pode demonstrar resistência moral sem ter
enfrentado tentações; ninguém pode testemunhar fé sem ter atravessado águas
tormentosas. Emmanuel lembra que “só
conseguiremos resolver nossos problemas se não fugirmos deles”.
A experiência terrena é oficina de almas. Os
conflitos do mundo, longe de serem acidentes infelizes, constituem cenário
planejado para o desenvolvimento do Espírito. É na luta que se lapida a pedra
bruta; é no calor do atrito que se molda a forma final.
4. Viver
no mundo sem aderir ao mundo
Jesus conhecia profundamente a alma humana. Ao orar
ao Pai, pediu: “Não peço que os tires do
mundo, mas que os guardes do mal” (João 17:15).
Viver no mundo significa participar de suas
relações, contribuir para o bem comum e enfrentar suas provas, sem se deixar
arrastar pelas paixões inferiores.
Grandes Espíritos vieram para exemplificar essa
vivência: Sócrates, ensinando o “conhece-te
a ti mesmo”; Buda, conduzindo à libertação dos desejos inferiores;
Francisco de Assis, revelando a humildade; Allan Kardec, oferecendo a chave do
mundo espiritual; e, mais recentemente, trabalhadores como Chico Xavier e
Divaldo Franco, que permaneceram no convívio humano, mas dedicados ao serviço
do bem.
5. A
colheita espiritual
Assim como na parábola do trigo e do joio, chegará
a “colheita” para todos. Muitos partem da Terra ainda queixosos e
desprevenidos; outros, enriquecidos em conquistas morais, já merecem o “grande
celeiro” do Pai.
O mundo, com seus desafios, é ambiente ideal para
experiências renovadoras. Fugir da convivência humana é perder a chance de
aprender, ensinar e servir. A verdadeira pureza não é a ausência de contato com
o mal, mas a firmeza em não se deixar contaminar por ele.
Conclusão
A dualidade da vida é recurso divino para a
educação do Espírito. O bem e o mal, o fácil e o difícil, o prazer e a dor são
estímulos ao discernimento e à superação. A Doutrina Espírita, aliada ao
exemplo de Jesus e dos grandes missionários, nos convida a viver plenamente no
mundo, aprendendo com cada situação, servindo ao próximo e mantendo-se fiel às
leis morais.
A vitória espiritual não é fruto da fuga, mas da participação consciente,
serena e perseverante nas lutas que a vida apresenta.
Referências
- KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 88. ed. FEB. Questões
467, 646-647.
- KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. FEB. Cap.
XXIV.
- KARDEC, Allan. Revista Espírita. 1858-1869. Diversos artigos
sobre provas, tentações e convivência social.
- XAVIER, Francisco Cândido (Emmanuel). Fonte Viva. FEB.
- XAVIER, Francisco Cândido (André Luiz). Opinião Espírita.
FEB. Cap. 27.
- BÍBLIA SAGRADA. João 17:15.
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