sábado, 16 de agosto de 2025

O BOM SENSO DOUTRINÁRIO
E O CONTROLE UNIVERSAL DOS ESPÍRITOS
- A Era do Espírito -

Introdução

O Espiritismo, codificado por Allan Kardec a partir dos ensinos dos Espíritos superiores, nasceu sob o signo da liberdade de pensamento, mas de uma liberdade que não se confunde com licença irrestrita. A liberdade espírita é guiada pela razão, pelo método e pelo compromisso com a verdade devidamente verificada. Kardec estabeleceu, de forma explícita, que o progresso doutrinário se processa mediante critérios racionais e coletivos — como o Controle Universal dos Ensinos dos Espíritos — para preservar a unidade e a clareza da Doutrina.

Desde os primórdios, advertiu-se sobre a importância de evitarmos personalismos, revelações isoladas e a introdução de ideias que não guardem coerência com o corpo doutrinário. Essa advertência não era teórica: ao longo de toda a Revista Espírita (1858-1869), o Codificador comenta casos concretos de comunicações que, embora belas em aparência, traziam equívocos ou interpretações apressadas, assim como tentativas de alterar a essência do ensino espírita. Seu método consistia em submeter tudo ao crivo da universalidade e da lógica, jamais aceitando uma afirmação apenas pela autoridade de quem a proferia.

Ainda assim, a experiência histórica demonstra que nem sempre o Movimento Espírita seguiu esses princípios. Em diversas épocas, surgiram teses e notícias sem fundamento, que, se não analisadas com cuidado, podem gerar confusão e desvio de foco.

A liberdade com método e a orientação de Kardec

Allan Kardec deixou instruções claras sobre o papel da organização doutrinária e sobre a maneira de acolher novas revelações. Em Obras Póstumas e na Revista Espírita, mostrou que a liberdade de pensar não dá direito de transformar o Espiritismo conforme preferências pessoais. A Doutrina é obra coletiva dos Espíritos superiores, e a função dos encarnados é estudá-la, compará-la, analisá-la e aplicá-la, mantendo o vínculo com seus fundamentos originais.

Entre esses fundamentos, destaca-se o Controle Universal dos Ensinos dos Espíritos, mecanismo segundo o qual nenhum novo ponto doutrinário pode ser incorporado sem a concordância espontânea e simultânea de comunicações recebidas, em diferentes lugares, por médiuns diversos, estranhos uns aos outros, e com perfeita identidade de conteúdo. Tal critério protege o Movimento Espírita da influência de comunicações isoladas e assegura que qualquer avanço se dê com segurança e coerência.

Personalismo e excesso de exaltação no meio espírita

A elevação de figuras humanas à condição de autoridades doutrinárias absolutas não se harmoniza com o método espírita. Kardec nunca se colocou acima da Doutrina; ao contrário, pedia para ser reconhecido apenas como o organizador e codificador.

O caso de Francisco Cândido Xavier ilustra bem a importância de mantermos equilíbrio. Chico Xavier desempenhou papel de grande relevância como médium e divulgador, conquistando multidões pelo exemplo de humildade e pela beleza moral de suas obras. Entretanto, isso não o coloca — nem a qualquer outro médium — acima das regras estabelecidas pelos Espíritos superiores e por Kardec.

Ao contrário do Codificador, que trabalhava em plena autonomia intelectual, Chico se submeteu inteiramente à orientação de seus guias espirituais e evitou polêmicas. Sua produção literária, embora valiosa, não foi submetida ao Controle Universal dos Espíritos, sendo, portanto, do ponto de vista metodológico, obra subsidiária, e não complemento oficial da Doutrina.

Atribuir-lhe títulos como “reencarnação de Allan Kardec” ou mesmo “de Platão” carece de base sólida e representa exatamente o tipo de interpretação apressada que Kardec nos aconselhou a evitar. A aceitação irrefletida dessas ideias pode abrir espaço à fascinação espiritual e afastar-nos do estudo sério e criterioso que o Espiritismo requer.

As consequências da substituição da Codificação por obras acessórias

Outra prática que merece reflexão é a substituição sistemática do estudo das obras fundamentais — O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns, O Evangelho Segundo o Espiritismo, A Gênese, O Céu e o Inferno — por livros de autores ou médiuns contemporâneos. Embora muitas vezes bem-intencionada, essa substituição pode enfraquecer a formação doutrinária e deixar grupos espíritas mais suscetíveis a ideias menos fundamentadas.

Kardec foi categórico: o alicerce do Espiritismo é a Codificação. As obras complementares podem auxiliar na compreensão, mas não devem substituí-la. Em Revista Espírita, agosto de 1861, afirma: “Quando uma teoria nova é apresentada, deve ser examinada com todo o cuidado; se for falsa, cedo ou tarde cairá por si mesma; se for verdadeira, triunfará pela força dos fatos.” Essa postura, prudente e lógica, é uma salvaguarda essencial para o movimento espírita.

Reconhecer Kardec pela obra, não por suposições

Se Allan Kardec houver de reencarnar, será reconhecido não por relatos isolados ou mensagens vagas, mas pela coerência e pelo rigor de sua obra. Certamente retomaria a aplicação do método que estruturou, sem jamais contradizer as orientações que recebeu dos Espíritos superiores.

Enquanto isso, cabe a todos nós cultivar o bom senso doutrinário, evitando interpretações apressadas e narrativas que possam expor o Espiritismo ao ridículo. O bom senso não é apego cego ao passado, mas compromisso lúcido com a razão, com a universalidade e com o progresso seguro do conhecimento espiritual.

Conclusão

O Espiritismo cumprirá sua missão se mantiver viva a metodologia que lhe deu origem: a investigação séria, a comparação criteriosa e a submissão de qualquer novo ensinamento ao Controle Universal dos Ensinos dos Espíritos. O excesso de exaltação a personalidades, o personalismo e a substituição das obras básicas por literatura acessória são desvios que fragilizam o estudo e a vivência da Doutrina.

Allan Kardec, na Revista Espírita de maio de 1864, escreveu: “É melhor repelir dez verdades do que admitir uma só mentira, uma só teoria falsa.” Mais de um século e meio depois, essa máxima permanece como guia seguro — não para nos tornarmos inflexíveis, mas para caminharmos com prudência e discernimento, em espírito de fraternidade e busca sincera pela verdade.

Referências

  • KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 1ª ed. 1857.
  • KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. 1ª ed. 1861.
  • KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 1ª ed. 1864.
  • KARDEC, Allan. A Gênese. 1ª ed. 1868.
  • KARDEC, Allan. Obras Póstumas. 1ª ed. 1890.
  • KARDEC, Allan. Revista Espírita, 1858-1869. Diversos números.
  • PIRES, José Herculano. Curso Dinâmico de Espiritismo. São Paulo: Paideia, 1977.

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