Introdução
Quando os fariseus interrogaram Jesus sobre quando
viria o Reino de Deus, o Mestre respondeu com uma declaração profunda e, ao
mesmo tempo, desafiadora: “O Reino de Deus não vem com aparência exterior;
nem dirão: Ei-lo aqui! ou: Ei-lo ali! Pois o Reino de Deus está entre vós.”
(Lucas 17:20-21).
Essa resposta, longe de indicar um local físico ou um evento espetacular,
desloca o eixo da questão para o interior do próprio ser humano. O “Reino” não
é um espaço geográfico nem uma conquista social imediata; é uma realidade
íntima, latente, que se revela à medida que a consciência se ilumina.
À luz da Doutrina Espírita codificada por Allan
Kardec, compreendemos que esse Reino, presente “entre nós” e, mais
precisamente, em nós, floresce pelo processo contínuo de autoconhecimento
e autoeducação moral.
O
Autoconhecimento segundo Kardec
Na questão 919 de O Livro dos Espíritos,
Kardec pergunta:
"Qual o meio prático mais eficaz que tem o
homem de se melhorar nesta vida e de resistir à atração do mal?"
A resposta, breve e decisiva, é:
"Um sábio da antiguidade vo-lo disse:
Conhece-te a ti mesmo."
Na questão seguinte (919.a), Kardec busca
detalhamento, e o Espírito Santo Agostinho explica que devemos examinar
diariamente a nossa consciência, revisitando pensamentos, palavras e atos,
perguntando-nos: “Que bem fiz hoje? Que
mal cometi? Se fosse chamado a prestar contas, teria vergonha de alguma coisa?”
Esse método simples, porém profundo, é um convite a
um diálogo honesto com a própria alma. É como abrir, todos os dias, as janelas
do íntimo para a luz, afastando as sombras das ilusões e justificativas fáceis.
Autoconhecimento
como base da Autoeducação
O Espiritismo ensina que a evolução moral não é
fruto de imposições externas, mas do trabalho voluntário e consciente do
Espírito sobre si mesmo.
Sem o autoconhecimento, qualquer tentativa de transformação
íntima corre o risco de se apoiar em bases frágeis, pois não se combate o que
não se percebe.
A Revista Espírita, em diversos artigos
entre 1858 e 1869, especialmente nos diálogos morais que Kardec reproduz,
reforça que a verdadeira moralização começa no pensamento, na motivação que
orienta a ação. Reconhecer-se imperfeito não é motivo de desânimo, mas de
estímulo à mudança. O erro identificado é um terreno pronto para o cultivo da
virtude.
O Reino
de Deus como força íntima
Quando Jesus fala do “Reino” como estando “entre
vós”, ele se refere a um estado de consciência em sintonia com as leis divinas,
que já se encontra, em germe, no íntimo de cada criatura. Não é algo a ser
importado de fora, mas despertado de dentro.
Essa força interior, quando alimentada pelo
autoconhecimento e pela prática do bem, transforma o ser humano por inteiro. A
paz, a humildade, a compaixão e a justiça passam a guiar as decisões, não por
imposição, mas por convicção íntima.
Allan Kardec, em O Evangelho segundo o
Espiritismo (cap. XVII), ao tratar do “homem de bem”, descreve exatamente o
retrato daquele que descobriu o Reino dentro de si — alguém que já não precisa
de reconhecimento exterior para agir com retidão, pois tem na consciência a sua
maior juíza e no amor ao próximo a sua lei suprema.
O Caminho
para o Reino
A trajetória espiritual proposta pelo Cristo e
explicada pelo Espiritismo pode ser resumida em três movimentos complementares:
- Conhecer-se – Investigando sinceramente os próprios sentimentos e intenções.
- Educar-se – Substituindo hábitos nocivos por condutas alinhadas às leis divinas.
- Servir – Aplicando no mundo externo a luz cultivada no mundo interno.
Assim, o Reino de Deus deixa de ser promessa
distante e passa a ser experiência cotidiana, ainda que em pequena escala,
preparando o Espírito para a plenitude futura.
Conclusão
O Reino de Deus, como ensinou Jesus, não se
inaugura com pompas exteriores, mas com revoluções silenciosas no íntimo de
cada ser. Pelo autoconhecimento, aprendemos a identificar os pontos frágeis da
alma; pela autoeducação, fortalecemos as virtudes; e pelo amor em ação, expandimos
esse Reino de dentro para fora.
A Doutrina Espírita, retomando o conselho socrático
e a lição do Cristo, nos lembra que a transformação do mundo começa na
transformação de nós mesmos. E é nesse trabalho paciente e diário que
descobrimos que o Reino dos Céus, longe de ser miragem distante, é realidade
que nos habita, aguardando apenas o nosso despertar.
Referências
- Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos. Questões 919 e 919.a.
- Kardec, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Cap. XVII.
- Kardec, Allan. Revista Espírita. Diversos volumes
(1858-1869).
- Bíblia Sagrada. Evangelho de Lucas 17:20-21.
Nenhum comentário:
Postar um comentário