“Sede
perfeitos, assim como vosso Pai celeste é perfeito.”
(Mateus 5:48)
O chamado de Jesus à perfeição não é uma exigência
imediata de impecabilidade, mas um convite à constante evolução moral. Trata-se
de um norte seguro, que nos impulsiona ao aprimoramento diário, onde cada
gesto, palavra e pensamento se alinham com a Lei de Amor, Justiça e Caridade.
Um dos desafios mais sutis desse caminho é
compreender o ponto de equilíbrio entre a severidade que corrige e a
paciência perseverante que educa. Allan Kardec, ao tratar do homem de bem,
apresenta um retrato desse equilíbrio: firme na justiça, mas sempre guiado pela
caridade; vigilante contra o mal, mas indulgente para com as fraquezas humanas.
A lição
da porcelana do rei
A narrativa de Malba Tahan, A Porcelana do Rei,
ilustra com simplicidade oriental essa verdade:
Confúcio ensina que a alma do povo é como um
delicado vaso de porcelana, e a justiça do governante é como a água. Água
fervente (severidade extrema) ou água gelada (benevolência excessiva)
quebrariam a porcelana. A mistura equilibrada preserva o vaso e cumpre sua
função.
Assim também no trato humano: a rigidez sem amor
fere; a tolerância sem firmeza corrompe. O educador, o magistrado, o pai de
família e o discípulo do Evangelho devem saber dosar disciplina e compreensão.
Severidade:
quando é necessária?
A severidade, no sentido evangélico, não é dureza
de coração nem prazer em punir. É a firmeza que se alicerça na verdade e no
dever. Jesus foi severo ao denunciar a hipocrisia dos fariseus e ao expulsar os
vendilhões do templo — mas essa severidade não brotava do ódio, e sim do zelo
pelo bem coletivo.
Emmanuel, no livro Religião dos Espíritos,
alerta que censurar de modo impensado é como misturar fel à comida destinada a
quem se quer servir. A correção justa exige intenção pura, visando o benefício
real do outro.
Paciência
perseverante: a constância que constrói
A paciência perseverante é a capacidade de suportar
com firmeza as imperfeições alheias, sem desistir do bem. É paciência com
objetivo: não passividade, mas persistência na educação e no auxílio. Allan
Kardec, em O Evangelho Segundo o Espiritismo, destaca que o homem de bem
é indulgente porque sabe que também necessita de indulgência. Ele não se
compraz em expor defeitos; se a necessidade o obriga, procura sempre atenuar o
mal com o bem.
O apóstolo Paulo, em sua carta aos Gálatas, lembra:
“Se alguém for surpreendido em alguma falta, vós que sois espirituais,
corrigi-o com espírito de mansidão” (Gl 6,1). Essa paciência perseverante
corrige sem humilhar e educa sem destruir.
A falsa
oposição
Severidade e paciência perseverante não são forças
contrárias, mas complementares. Kardec, em O Livro dos Espíritos (q.
903), orienta que antes de censurar defeitos alheios devemos cultivar as
qualidades opostas em nós mesmos. Assim, evitamos o risco da crítica hipócrita
e fortalecemos nossa autoridade moral.
O discípulo maduro sabe quando ser firme e quando
ser paciente — e muitas vezes a verdadeira firmeza se manifesta na paciência
que não desiste.
O caminho
da perfeição cristã
Alcançar o ideal de Mateus 5:48 - sede perfeitos -
implica desenvolver essa arte de equilibrar a justiça que corrige e o amor que
compreende. Não é tarefa que se cumpra de um dia para o outro; é um exercício
constante de vigilância sobre si mesmo, como ensina Kardec: perguntar
diariamente se não violamos a lei de amor e se aproveitamos todas as ocasiões de
fazer o bem.
A perfeição de que fala Jesus não é fria exatidão
legalista, mas harmonia plena de atributos divinos refletidos na criatura. Deus
é ao mesmo tempo justo e misericordioso; cabe a nós espelharmos, em nossas
medidas humanas, esse equilíbrio.
Conclusão
A severidade sem amor é tirania; a paciência
perseverante sem justiça é conivência.
A perfeição a que somos chamados requer que severidade
e paciência perseverante se fundam em um só movimento de amor responsável. É
o “misturar as águas” de Confúcio: corrigir o mal sem esmagar, e educar o bem
sem enfraquecer.
Quando nossas ações forem pautadas por essa medida
— como vasos que recebem a água na temperatura certa —, estaremos mais próximos
do modelo de perfeição que o Cristo nos propôs.
Referências
- Kardec, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. FEB, 2003.
Capítulo “O Homem de Bem”.
- Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos. FEB, 2003. Questão
903.
- Emmanuel / Francisco Cândido Xavier. Religião dos Espíritos.
FEB, 2010.
- Tahan, Malba. Pérolas Literárias: A Porcelana do Rei.
Editora Melhoramentos.
- Bíblia Sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida / Bíblia de
Jerusalém. Carta aos Gálatas 6:1.
- Bíblia Sagrada. Evangelho segundo Mateus 5:48.
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