Introdução
O Evangelho de Jesus, quando analisado à luz da
Doutrina Espírita, revela-se não apenas como um conjunto de lições morais, mas
como o código universal da vida futura. Entre os ensinamentos mais
desafiadores e revolucionários do Cristo está o “amai os vossos inimigos”,
núcleo de uma lei nova que se sobrepõe às concepções exclusivistas e legalistas
da Antiga Aliança.
Os primeiros discípulos eram homens simples e frágeis,
mas profundamente tocados por uma mensagem que ultrapassava as fronteiras da
lógica imediata. Eles, como nós, vacilavam diante de uma proposta que exigia
mudança radical de paradigma: não mais a supremacia política ou a revanche
histórica, mas a construção de um Reino fundado no amor incondicional.
O Espiritismo, restaurando o Cristianismo em sua
pureza original, oferece-nos as chaves racionais para compreender a grandeza
desse mandamento e para aplicá-lo em nossa vivência cotidiana.
1. O
Reino não é deste mundo
Os discípulos aguardavam um Messias que libertasse
Israel do jugo estrangeiro. A expectativa era de supremacia política e
restauração nacional. No entanto, como esclarece Jesus em diálogo com Pilatos —
“O meu reino não é deste mundo” (Jo 18:36) —, o que se inaugurava era
uma nova ordem de valores.
Kardec, em O Evangelho segundo o Espiritismo,
capítulo II, ensina que o Reino de Deus não é construído sobre a violência ou o
domínio dos povos, mas sobre a transformação moral do ser humano. Daí a
razão pela qual o Cristo insiste em substituir a lei de talião pelo amor
universal: somente este é capaz de regenerar as consciências.
2. O amor
como fundamento da lei
O mandamento “amai os vossos inimigos”
parecia impossível aos ouvidos daqueles homens acostumados às tradições
mosaicas. No entanto, Jesus eleva a lei natural ao seu ponto mais alto: o amor
é a condição da perfeição.
Em O Livro dos Espíritos, questão 886, os
Espíritos definem a caridade como: “benevolência para com todos, indulgência
para as imperfeições dos outros, perdão das ofensas”. Não se trata de
resignação passiva, mas de uma atividade moral, que busca no bem a
vitória sobre o mal.
Na Revista Espírita de abril de 1862, Kardec
comenta que o amor é a “força magnética que atrai os Espíritos uns aos
outros e os une para o bem”. Essa visão amplia a compreensão do ensino de
Jesus: amar é participar da harmonia universal, é trabalhar pela unidade e pela
fraternidade que caracterizam a lei divina.
3. O
testemunho dos primeiros apóstolos
O destino dos apóstolos, quase todos martirizados,
constitui um testemunho eloquente da fidelidade ao Estatuto do Amor. Longe de
significar derrota, o sacrifício foi a prova suprema de que compreenderam não
resistir ao mal com o mal, mas vencê-lo com o bem, mesmo ao preço da própria
vida.
Na Revista Espírita de dezembro de 1866,
Kardec observa que o martírio cristão não foi vaidade de sofrimento, mas uma sementeira
do futuro, que germinou no sangue dos que preferiram morrer a negar o
Evangelho. Assim também, no presente, cada gesto de perdão e cada renúncia em
favor do bem são sementes que fecundam a Terra para a regeneração.
4. A
Regra de Ouro e a regeneração da humanidade
O programa de Jesus — amar até os inimigos — não é
apenas moral sublime, mas também lei de progresso. Em A Gênese,
capítulo XVIII, Kardec explica que o Espiritismo vem cumprir a promessa do
Cristo Consolador, recordando à humanidade que a verdadeira evolução não está
no poder material, mas no desenvolvimento do amor e da fraternidade.
A Regra de Ouro — “não fazer ao outro o que não queremos que nos façam” e, em grau
superior, “fazer ao outro o bem que
desejaríamos receber” — constitui a base da sociedade futura. É sobre esse
princípio que se erguerá o mundo de regeneração, no qual a violência será
substituída pela solidariedade e a vingança pela compreensão.
Conclusão
A narrativa evoca os primeiros instantes de
formação do colégio apostólico, homens frágeis chamados a uma missão grandiosa.
O que os sustentou não foi o poder militar nem a supremacia política, mas a
convicção de que o Reino de Deus é construído pelo amor que transforma
corações.
O Espiritismo, como Cristianismo redivivo, nos
recorda que a perfeição não está na força, na riqueza ou no domínio, mas na
capacidade de amar sem condições. Seguir Jesus é aceitar o desafio
ousado de amar inclusive os que nos ferem, colaborando assim para a instalação
do Reino de Deus na Terra.
Referências
- KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 1857.
- KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. 1864.
- KARDEC, Allan. A Gênese. 1868.
- KARDEC, Allan. Revista Espírita (1858-1869).
- FRANCO, Divaldo Pereira. A Regra de Ouro. Salvador: Luz do
Mundo, 2000.
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