“Importa que cada coisa venha a seu tempo. A verdade
é como a luz: o homem precisa habituar-se a ela pouco a pouco, do contrário
fica deslumbrado.”
— Allan Kardec, Revista Espírita, maio de 1861
A prática do passe é um dos recursos mais
conhecidos e utilizados nas casas espíritas. A literatura a respeito é vasta, e
muitos livros e apostilas oferecem orientações, explicações e recomendações
sobre sua aplicação. No entanto, é essencial que todo conteúdo relacionado ao
passe seja avaliado com base nos critérios doutrinários definidos por Allan
Kardec, a fim de evitar a distorção dos princípios espíritas.
1. O
Método Espírita: Os Três Pilares Fundamentais
Segundo Kardec, especialmente em O que é o
Espiritismo e na Revista Espírita, qualquer ensinamento espírita
deve ser examinado com base em três critérios essenciais:
1.1. Racionalidade
A prática do passe deve ser
entendida como um fenômeno natural, explicado pelas leis dos fluidos e
da interação entre os Espíritos e os homens.
Deve ser evitada qualquer
concepção mística, mágica ou supersticiosa, como “milagres” ou “energias
sobrenaturais”.
1.2. Conformidade com a Codificação
Toda explicação doutrinária
precisa estar em consonância com os fundamentos presentes nas obras codificadas
por Allan Kardec:
·
O Livro dos Espíritos –
questões 455 a 475 (ação fluídica e influência espiritual); 609 a 612
(perispírito e seres intermediários); 930 a 933 (provas e sofrimentos).
·
O Livro dos Médiuns –
especialmente os capítulos XIV (dos médiuns curadores) e XV (mecanismos da ação
dos Espíritos sobre a matéria).
·
A Gênese – capítulos XIV (os fluidos), XV
(cura), e XIX (ações fluídicas sobre o corpo).
·
Revista Espírita (1858–1869), onde Kardec
frequentemente analisa casos reais e reflexões sobre passes, curas, magnetismo
e assistência espiritual.
1.3. Universalidade do Ensino dos Espíritos
Kardec recomenda considerar como
princípios doutrinários apenas aqueles que tenham sido confirmados pela concordância
universal dos ensinos dos Espíritos superiores, por diversos médiuns e em
diferentes locais.
Isso evita que se tomem como
verdades doutrinárias meras opiniões pessoais, interpretações locais ou
práticas isoladas.
2. Pontos
Essenciais na Abordagem do Passe
Ao analisar qualquer obra ou ensinamento sobre o
passe, convém observar se os seguintes pontos estão em consonância com a
Doutrina Espírita:
2.1. O Passe como Transmissão Fluídica
O Espiritismo define o passe como
uma transmissão de fluidos magnéticos, espirituais ou mistos, conforme o
tipo de atuação:
·
Fluido humano: magnetismo pessoal do passista.
·
Fluido espiritual: ação dos bons Espíritos.
·
Fluido misto: ação combinada do encarnado e
dos Espíritos.
🔹 A Gênese, capítulos XIV e
XV, descreve o passe como uma “transfusão de energias fluídicas”, sob o
comando da vontade e do pensamento elevado.
2.2. Quem pode aplicar passes?
Não há “eleitos” ou “ungidos”
para a tarefa. Qualquer pessoa bem-intencionada, moralmente disposta e
estudiosa da Doutrina pode aplicar passes, desde que compreenda a seriedade
e responsabilidade do ato.
🔹 O Livro dos Médiuns,
capítulo XIV, ressalta que as faculdades mediúnicas não dependem de títulos
religiosos nem de posições hierárquicas.
2.3. Preparo Moral do Passista
O valor do passe está mais na qualidade
moral e vibratória do passista do que em qualquer técnica exterior.
A elevação do pensamento, o
espírito de caridade e a sintonia com os bons Espíritos são fundamentais.
🔹 O Livro dos Espíritos,
questão 886, define a caridade como a base de toda moral.
2.4. Limites do Passe
A Doutrina Espírita não
substitui a medicina nem recomenda o abandono de tratamentos clínicos. O
passe atua no perispírito e nos campos sutis da alma, mas não elimina
automaticamente as causas profundas dos sofrimentos.
🔹 A Gênese, cap. I, item
16, ressalta a necessidade de respeitar os avanços científicos e médicos.
2.5. Mediunidade Curadora e Magnetismo
Kardec acolheu o magnetismo como uma ciência complementar, em harmonia com os princípios do Espiritismo.
A mediunidade de cura é uma faculdade rara, mas os passes comuns envolvem o uso
do magnetismo humano orientado pela espiritualidade.
🔹 Veja Revista Espírita,
jan. 1858; O Livro dos Médiuns, cap. XIV.
3. Como
Avaliar Livros e Práticas com Espírito Crítico Doutrinário
Ao estudar livros ou apostilas sobre o passe,
considere os seguintes cuidados:
✅ Leia com discernimento – não aceite de
imediato tudo que se afirma, mesmo que esteja rotulado como “espírita”.
✅ Compare com a Codificação – principalmente A
Gênese, O Livro dos Médiuns e O Livro dos Espíritos.
⚠️ Evite interpretações esotéricas – termos
como “centros de força cósmicos”, “chakras espirituais do além”, “pirâmides
energéticas” e similares não pertencem à terminologia doutrinária espírita,
ou seja, não é usada pelos Espíritos superiores nas obras básicas codificada
por Allan Kardec.
🧾 Atenção ao vocabulário – o Espiritismo
preza pela clareza, lógica e simplicidade. Termos místicos ou
pseudocientíficos devem ser cuidadosamente avaliados.
🚫 Nada de fórmulas mágicas
– não há dogmas, rituais fixos ou gestos obrigatórios. O passe é ato de amor,
vontade e sintonia com o bem.
Conclusão:
A Prática Espírita do Passe é Simples e Profunda
O passe, dentro da Doutrina Espírita, é uma prática natural, acessível, e inteiramente racional e moral, baseada na interação fluídica entre os planos espiritual e material.
Não é ritual, não é cerimônia, não é milagre.
Qualquer obra que trate do passe deve ser acolhida
com interesse, mas também com prudência doutrinária, sendo analisada à
luz da Codificação e da lógica espírita.
O estudo atento das obras codificadas por Allan
Kardec assim como a coleção da Revista
Espírita (1858-1869) é o que
distingue o Espiritismo autêntico de interpretações personalistas ou
sincréticas.
O verdadeiro estudo espírita não impõe verdades
prontas — convida à reflexão consciente e ao exercício da razão aliada ao
coração.
Nenhum comentário:
Postar um comentário