Introdução
O estudo do perispírito ocupa lugar central
na Doutrina Espírita, pois ele é o ponto de ligação entre o Espírito imortal e
o corpo físico transitório. Nas obras fundamentais de Allan Kardec — O Livro
dos Espíritos, O Livro dos Médiuns, A Gênese e a Revista
Espírita — encontramos bases seguras para compreender a sua natureza,
propriedades e funções, sempre sob o critério da razão e da observação dos
fatos.
O presente artigo se propõe a responder, à luz da
Codificação e com apoio em documentos complementares, algumas questões fundamentais:
O que é o perispírito? Qual a sua origem e natureza? Quais são as suas
propriedades e funções? É ele a sede da memória e da sensibilidade? Constitui o
molde do corpo físico?
1. O que
é o perispírito? Definição, origem e natureza
Allan Kardec introduz o conceito comparando-o ao perisperma,
que envolve a semente de um fruto (O Livro dos Espíritos, Introdução).
Assim, o perispírito é o invólucro semimaterial do espírito (LE, q. 23), formado
pela condensação do fluido cósmico universal em torno de um foco de inteligência.
- Origem: o espírito (princípio inteligente (LE, q. 23) extrai seu perispírito dos
elementos próprios de cada mundo (LE, q. 94).
- Natureza: semimaterial, porque participa da essência
da matéria pela sua origem e da espiritualidade pela sua sutileza.
- Função básica: servir de laço entre o Espírito (LE, q. 76) e o
corpo, tornando possível a encarnação e a comunicação com o mundo
material.
Kardec observa que, ao mudar de mundo, o espírito (LE, q. 23) muda também de perispírito, assim como mudamos de vestimenta (LE, q. 94a). Essa maleabilidade é um ponto fundamental para compreendermos suas propriedades.
2.
Propriedades do perispírito
O estudo das propriedades perispirituais
encontra-se em O Livro dos Médiuns e em A Gênese, bem como em
diversos relatos da Revista Espírita. Entre elas, destacam-se:
- Expansibilidade e irradiação: O perispírito não se limita ao contorno do corpo físico: irradia em torno do organismo, formando uma espécie de atmosfera ou halo fluídico (O Livro dos Médiuns, cap. I, item 4).
- Assimilação dos fluidos: Por sua natureza semelhante à do mundo espiritual, o perispírito absorve facilmente os fluidos que o cercam, reagindo sobre o corpo físico e podendo gerar sensações salutares ou enfermidades, segundo a qualidade desses fluidos (A Gênese, cap. XIV, item 18).
- Instrumento das manifestações: O Espírito, sendo imaterial, não poderia atuar diretamente sobre a matéria grosseira; é pelo perispírito que se dá essa ação, tornando-se o princípio das manifestações espíritas (Obras Póstumas, “Perispírito, princípio das manifestações”).
- Plasticidade: O perispírito é suscetível de modificações sob a vontade do Espírito, podendo tornar-se visível, tangível ou assumir formas diversas, como observado em fenômenos de materialização (Revista Espírita, 1859-1866).
3.
Funções do perispírito
As funções do perispírito decorrem de sua natureza
e propriedades:
- Organismo de individualização
Após a morte, o Espírito (LE, q. 76) conserva sua individualidade graças ao perispírito, que lhe fornece uma forma definida e reconhecível (LE, q. 150a). - Órgão sensitivo
O perispírito é o intermediário da sensação. O corpo recebe impressões externas, o perispírito as transmite, e o espírito, ser inteligente (LE, q. 23), as percebe. O inverso também é verdadeiro: da vontade do Espírito ao movimento do corpo (LE, item 257). - Agente das comunicações
Nos fenômenos mediúnicos, é pelo perispírito que o Espírito (LE, q. 76) atua sobre os fluidos, sobre os médiuns e sobre a matéria. Ele constitui a chave de todos os fenômenos espíritas de ordem material (O Livro dos Médiuns, cap. VI, item 109). - Veículo de ação fluídica
Nos passes e curas espirituais, é o perispírito o intermediário da transmissão das energias, atuando como condutor entre o Espírito do doador e o doente (A Gênese, cap. XIV, item 31).
4. É o
perispírito a sede da memória e da sensibilidade?
Essa questão exige rigor doutrinário. Alguns
autores espiritualistas atribuíram ao perispírito a função de “arquivo da
memória”. Contudo, Allan Kardec esclarece:
- Memória: pertence ao espírito (LE, q. 23),
ser pensante e inteligente. O perispírito, sendo matéria, não pensa nem
conserva por si mesmo lembranças (A Gênese, cap. XIV, item 9). Se
fosse nele a memória, ela se perderia sempre que o espírito mudasse de
envoltório, o que contraria a observação.
- Sensibilidade: também é atributo do espírito. O perispírito
apenas transmite as impressões, mas não as cria nem as sente por si mesmo
(LE, item 257, §7).
Portanto, a memória e a sensibilidade são
faculdades exclusivas do espírito, que utiliza o perispírito como instrumento
de manifestação.
5. O
perispírito é o molde do corpo físico?
Aqui encontramos um ponto de debate. Muitos autores
pós-Kardec utilizaram a expressão “molde” para descrever a relação entre
perispírito e corpo. Todavia, à luz da Codificação, a conclusão é outra:
- O corpo físico obedece às leis biológicas e genéticas,
transmitidas pelos pais (LE, q. 207; João 3:6).
- O Espírito se liga ao corpo nascente por meio de um laço fluídico,
que é expansão do perispírito (A Gênese, cap. XI, item 18).
- É o Espírito quem molda o seu envoltório, adaptando-o às
suas necessidades evolutivas, e não o contrário (A Gênese, cap. XI,
item 11).
Assim, o perispírito não é o molde fixo do corpo
físico, mas o princípio organizador que assegura a ligação entre Espírito (LE, q. 76) e
matéria, ajustando-se à estrutura corporal que se forma a partir da herança
genética.
Conclusão
O estudo do perispírito, à luz da Doutrina
Espírita, revela-o como elemento essencial da constituição humana e chave de
compreensão dos fenômenos espirituais. Ele é:
- O invólucro semimaterial do espírito (LE, q. 23), extraído do fluido
universal;
- O elo indispensável entre Espírito (LE, q. 76) e corpo;
- O instrumento das manifestações e das comunicações;
- O veículo de transmissão das sensações e energias.
Entretanto, a memória e a sensibilidade são
do espírito (LE, q. 23), não do perispírito. Da mesma forma, o corpo físico se organiza
segundo as leis da hereditariedade, e o perispírito apenas se ajusta a ele,
servindo como laço vital.
Compreender o perispírito é compreender melhor a
interação entre o mundo espiritual e o mundo corporal, bem como a continuidade
da vida após a morte. É um campo vasto, que ainda desafia a ciência humana, mas
que a Doutrina Espírita, com seu método de observação e experimentação, já nos
legou bases seguras para estudar com seriedade e bom senso.
Referências
- KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de Guillon
Ribeiro. FEB.
- KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. Tradução de Guillon
Ribeiro. FEB.
- KARDEC, Allan. A Gênese. Tradução de Guillon Ribeiro. FEB.
- KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Tradução de Guillon Ribeiro.
FEB.
- KARDEC, Allan. Revista Espírita (1858-1869). Diversos
artigos sobre manifestações perispirituais.
- O Evangelho segundo João, cap. 3, v. 6.
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