sábado, 9 de agosto de 2025

O REINO QUE NÃO É DESTE MUNDO: A VIDA FUTURA À LUZ DO ESPIRITISMO
- A Era do Espírito –

Introdução

A declaração de Jesus a Pilatos — “O meu reino não é deste mundo” (João 18:33-37) — ecoa como uma das afirmações mais profundas e enigmáticas do Evangelho. Ela não apenas situa sua missão no plano espiritual, mas também aponta para a finalidade maior da vida humana: a vida futura. Allan Kardec, ao codificar a Doutrina Espírita, esclareceu que este princípio não é mero artigo de fé, mas uma lei natural confirmada pela razão e pela experiência mediúnica. Assim, compreender a vida futura altera radicalmente o modo como encaramos as tribulações, os bens terrenos e o sentido da existência.

1. A Vida Futura: O Centro do Ensinamento de Jesus

Jesus sempre apresentou a vida futura como destino natural da humanidade e objetivo principal das preocupações humanas. Sem ela, grande parte de seus ensinamentos morais pareceria sem fundamento. O Espiritismo confirma essa verdade, mostrando que o “Reino dos Céus” não é um lugar físico, mas um estado de plenitude espiritual, acessível àqueles que se dedicam ao bem e à caridade.

Os judeus, na época de Jesus, tinham uma compreensão limitada da vida após a morte. Acreditavam nos anjos, mas não concebiam que o homem pudesse evoluir até participar dessa felicidade angélica. O Mestre, adaptando-se à capacidade de compreensão de seus ouvintes, apresentou o conceito da vida futura como um princípio universal, deixando para tempos posteriores o aprofundamento da questão.

2. O Ponto de Vista Espiritual: Uma Mudança Radical de Perspectiva

Segundo Kardec, a clareza sobre a vida futura gera uma fé inabalável e modifica por completo o ponto de vista sobre a vida terrena. Quem compreende que a existência corporal é apenas um breve estágio num percurso infinito encara os problemas com mais serenidade, reconhecendo-os como passageiros.

O Espiritismo amplia essa visão, revelando que todas as existências são solidárias entre si e que a fraternidade universal decorre dessa conexão. A vida presente é apenas um elo numa corrente de experiências destinadas ao progresso espiritual.

3. A Caridade como Caminho Único

Toda a moral de Jesus se resume em duas virtudes que combatem diretamente o egoísmo e o orgulho — as duas maiores chagas da alma: humildade e caridade. No quadro simbólico do juízo final, descrito no Evangelho, o Mestre estabelece o critério supremo para a felicidade eterna: não a adesão a uma crença específica, não a rigidez da ortodoxia religiosa, mas a prática sincera e constante do bem. É quando Ele declara: “Passai à direita, vós que socorrestes aos vossos irmãos...”

No entendimento comum, o “juízo final” é muitas vezes imaginado como o fim absoluto do mundo material e a sentença definitiva para todos os seres. Entretanto, à luz do Espiritismo, trata-se de um símbolo que representa o fechamento de um ciclo e o início de outro — seja na vida individual de cada Espírito, quando ele conclui uma etapa de provas, seja na vida coletiva da humanidade, quando um período moral e espiritual chega ao fim para dar lugar a uma era mais elevada.

Assim, o “juízo final” é, antes de tudo, um momento de avaliação natural: cada alma colhe os frutos das próprias ações, encaminhando-se, por afinidade, para lugares e condições compatíveis com o que semeou.

Na tradição bíblica, o lado direito é o lugar de honra, proximidade e aprovação. Sentar-se à direita de um rei significava ser acolhido como amigo e herdeiro de confiança. Dessa forma, “passar à direita” no juízo final simboliza o reconhecimento, por parte da Lei Divina, de que o Espírito viveu segundo a lei do amor e, portanto, encontra-se apto a avançar para estados mais felizes. Não é um privilégio concedido por favoritismo, mas a consequência natural da vida reta e da prática do bem.

Essa lição é essencial: a caridade não é apenas uma virtude entre outras; ela é a raiz e o sustento de todas as demais. É o amor colocado em ação — amor que renuncia, que compreende, que perdoa, que se sacrifica em favor do próximo. Quem age assim coloca-se, por sintonia natural, ao “lado direito” do Cristo, pois já vive, aqui mesmo na Terra, segundo as leis do reino que não é deste mundo.

E é importante lembrar: esse “juízo” não acontece apenas no futuro distante, nem depende de um evento grandioso para se cumprir. Ele se realiza a cada dia, nas pequenas decisões que tomamos, nas palavras que escolhemos dizer ou calar, nas oportunidades de servir que abraçamos ou deixamos passar. Em cada gesto, vamos nos colocando, pouco a pouco, à direita ou à esquerda do Cristo, moldando desde já o nosso destino espiritual.

Que cada amanhecer seja para nós um novo tribunal silencioso, onde nossas escolhas sejam o testemunho vivo da caridade, para que, quando o Cristo nos olhar, já nos encontre — desde agora — firmes e felizes à sua direita.

4. Provas, Renúncia e Recompensa

Seguir Jesus implica aceitar a própria cruz, suportando com coragem as dificuldades geradas pela fé e pela busca da verdade. Aqueles que sacrificam interesses materiais em nome do bem maior recebem, na vida futura, o prêmio da perseverança e da abnegação.

O Espírito, ao reencarnar, traz intuições e tendências herdadas de experiências anteriores, que lhe servem de guia moral. O progresso ocorre pela repetição das provas, até que sejam vencidas.

5. Intuição das Penas e Gozos Futuros

O sentimento inato da vida futura está presente em todos os povos. Mesmo os que se dizem céticos costumam, no momento derradeiro, experimentar a dúvida ou o temor. Essa intuição é prova de que a vida espiritual não é invenção humana, mas reflexo de uma realidade percebida pelo Espírito antes e durante a encarnação.

6. A Ótica Espiritual: Lições da Revista Espírita

Kardec, na Revista Espírita (julho de 1862), compara a diferença entre o ponto de vista material e o espiritual ao efeito de ótica de observar o mundo de uma montanha. Quando nos elevamos pelo pensamento à vida espiritual, nossas aflições e ambições terrenas perdem a dimensão que pareciam ter.

A visão espírita não nega a importância das necessidades materiais, mas as coloca em sua justa medida, sem que elas sobrepujem os interesses eternos da alma.

Conclusão

A frase “O meu reino não é deste mundo” resume o convite de Jesus para que a humanidade olhe além do horizonte estreito da vida material.

O Espiritismo, fiel ao ensino do Cristo, confirma que a vida futura é uma realidade lógica, natural e comprovada pelas comunicações dos Espíritos. Adotar o ponto de vista espiritual não significa desvalorizar a vida terrena, mas vivê-la com equilíbrio, sem perder de vista a destinação eterna da alma.

Essa consciência nos fortalece diante das provas, nos liberta das amarras do egoísmo e nos orienta para a prática da caridade, condição única para herdar o reino que não é deste mundo.

Referências

  • KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Tradução de Guillon Ribeiro. FEB.
  • KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de Guillon Ribeiro. FEB.
  • KARDEC, Allan. Revista Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos. Julho de 1862.
  • Bíblia Sagrada, João 18:33-37.

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