Introdução
A declaração de Jesus a Pilatos — “O meu reino não é deste mundo” (João
18:33-37) — ecoa como uma das afirmações mais profundas e enigmáticas do
Evangelho. Ela não apenas situa sua missão no plano espiritual, mas também
aponta para a finalidade maior da vida humana: a vida futura. Allan Kardec, ao
codificar a Doutrina Espírita, esclareceu que este princípio não é mero artigo
de fé, mas uma lei natural confirmada pela razão e pela experiência mediúnica.
Assim, compreender a vida futura altera radicalmente o modo como encaramos as
tribulações, os bens terrenos e o sentido da existência.
1. A Vida
Futura: O Centro do Ensinamento de Jesus
Jesus sempre apresentou a vida futura como destino
natural da humanidade e objetivo principal das preocupações humanas. Sem ela,
grande parte de seus ensinamentos morais pareceria sem fundamento. O
Espiritismo confirma essa verdade, mostrando que o “Reino dos Céus” não é um lugar físico, mas um estado de plenitude
espiritual, acessível àqueles que se dedicam ao bem e à caridade.
Os judeus, na época de Jesus, tinham uma
compreensão limitada da vida após a morte. Acreditavam nos anjos, mas não
concebiam que o homem pudesse evoluir até participar dessa felicidade angélica.
O Mestre, adaptando-se à capacidade de compreensão de seus ouvintes, apresentou
o conceito da vida futura como um princípio universal, deixando para tempos
posteriores o aprofundamento da questão.
2. O
Ponto de Vista Espiritual: Uma Mudança Radical de Perspectiva
Segundo Kardec, a clareza sobre a vida futura gera
uma fé inabalável e modifica por completo o ponto de vista sobre a vida
terrena. Quem compreende que a existência corporal é apenas um breve estágio
num percurso infinito encara os problemas com mais serenidade, reconhecendo-os
como passageiros.
O Espiritismo amplia essa visão, revelando que
todas as existências são solidárias entre si e que a fraternidade universal
decorre dessa conexão. A vida presente é apenas um elo numa corrente de
experiências destinadas ao progresso espiritual.
3. A
Caridade como Caminho Único
Toda a moral de Jesus se resume em duas virtudes
que combatem diretamente o egoísmo e o orgulho — as duas maiores chagas da
alma: humildade e caridade. No quadro simbólico do juízo final, descrito no
Evangelho, o Mestre estabelece o critério supremo para a felicidade eterna: não
a adesão a uma crença específica, não a rigidez da ortodoxia religiosa, mas a
prática sincera e constante do bem. É quando Ele declara: “Passai à direita, vós que socorrestes aos vossos irmãos...”
No entendimento comum, o “juízo final” é muitas
vezes imaginado como o fim absoluto do mundo material e a sentença definitiva
para todos os seres. Entretanto, à luz do Espiritismo, trata-se de um símbolo
que representa o fechamento de um ciclo e o início de outro — seja na vida
individual de cada Espírito, quando ele conclui uma etapa de provas, seja na
vida coletiva da humanidade, quando um período moral e espiritual chega ao fim
para dar lugar a uma era mais elevada.
Assim, o “juízo final” é, antes de tudo, um momento
de avaliação natural: cada alma colhe os frutos das próprias ações,
encaminhando-se, por afinidade, para lugares e condições compatíveis com o que
semeou.
Na tradição bíblica, o lado direito é o lugar de
honra, proximidade e aprovação. Sentar-se à direita de um rei significava ser
acolhido como amigo e herdeiro de confiança. Dessa forma, “passar à direita” no
juízo final simboliza o reconhecimento, por parte da Lei Divina, de que o
Espírito viveu segundo a lei do amor e, portanto, encontra-se apto a avançar
para estados mais felizes. Não é um privilégio concedido por favoritismo, mas a
consequência natural da vida reta e da prática do bem.
Essa lição é essencial: a caridade não é apenas uma
virtude entre outras; ela é a raiz e o sustento de todas as demais. É o amor
colocado em ação — amor que renuncia, que compreende, que perdoa, que se
sacrifica em favor do próximo. Quem age assim coloca-se, por sintonia natural,
ao “lado direito” do Cristo, pois já vive, aqui mesmo na Terra, segundo as leis
do reino que não é deste mundo.
E é importante lembrar: esse “juízo” não acontece
apenas no futuro distante, nem depende de um evento grandioso para se cumprir.
Ele se realiza a cada dia, nas pequenas decisões que tomamos, nas palavras que
escolhemos dizer ou calar, nas oportunidades de servir que abraçamos ou
deixamos passar. Em cada gesto, vamos nos colocando, pouco a pouco, à direita
ou à esquerda do Cristo, moldando desde já o nosso destino espiritual.
Que cada amanhecer seja para nós um novo tribunal
silencioso, onde nossas escolhas sejam o testemunho vivo da caridade, para que,
quando o Cristo nos olhar, já nos encontre — desde agora — firmes e felizes à sua
direita.
4.
Provas, Renúncia e Recompensa
Seguir Jesus implica aceitar a própria cruz,
suportando com coragem as dificuldades geradas pela fé e pela busca da verdade.
Aqueles que sacrificam interesses materiais em nome do bem maior recebem, na
vida futura, o prêmio da perseverança e da abnegação.
O Espírito, ao reencarnar, traz intuições e
tendências herdadas de experiências anteriores, que lhe servem de guia moral. O
progresso ocorre pela repetição das provas, até que sejam vencidas.
5.
Intuição das Penas e Gozos Futuros
O sentimento inato da vida futura está presente em
todos os povos. Mesmo os que se dizem céticos costumam, no momento derradeiro,
experimentar a dúvida ou o temor. Essa intuição é prova de que a vida
espiritual não é invenção humana, mas reflexo de uma realidade percebida pelo
Espírito antes e durante a encarnação.
6. A
Ótica Espiritual: Lições da Revista Espírita
Kardec, na Revista Espírita (julho de 1862),
compara a diferença entre o ponto de vista material e o espiritual ao efeito de
ótica de observar o mundo de uma montanha. Quando nos elevamos pelo pensamento
à vida espiritual, nossas aflições e ambições terrenas perdem a dimensão que pareciam
ter.
A visão espírita não nega a importância das
necessidades materiais, mas as coloca em sua justa medida, sem que elas
sobrepujem os interesses eternos da alma.
Conclusão
A frase “O
meu reino não é deste mundo” resume o convite de Jesus para que a
humanidade olhe além do horizonte estreito da vida material.
O Espiritismo, fiel ao ensino do Cristo, confirma
que a vida futura é uma realidade lógica, natural e comprovada pelas
comunicações dos Espíritos. Adotar o ponto de vista espiritual não significa
desvalorizar a vida terrena, mas vivê-la com equilíbrio, sem perder de vista a
destinação eterna da alma.
Essa consciência nos fortalece diante das provas,
nos liberta das amarras do egoísmo e nos orienta para a prática da caridade,
condição única para herdar o reino que não é deste mundo.
Referências
- KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Tradução
de Guillon Ribeiro. FEB.
- KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de Guillon
Ribeiro. FEB.
- KARDEC, Allan. Revista Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos.
Julho de 1862.
- Bíblia Sagrada, João 18:33-37.
Nenhum comentário:
Postar um comentário