Introdução
O
Evangelho apresenta diversas passagens em que Jesus liberta enfermos de
influências espirituais nocivas, tradicionalmente denominadas como “demônios”.
Em Mateus (17:14-18), lemos o episódio em que um pai aflito implora ao Mestre
pela cura de seu filho, que sofria crises de queda no fogo e na água, fenômenos
hoje compreendidos pelo Espiritismo como manifestações obsessivas graves.
Para
muitos, o texto bíblico reflete apenas uma visão mística do passado. Contudo, à
luz da Doutrina Espírita, vemos que ele traduz realidades espirituais ainda
presentes em nosso tempo. A obsessão — definida por Allan Kardec como a ação
persistente de Espíritos inferiores sobre os encarnados — é um fenômeno
universal, que explica inúmeros transtornos emocionais, psíquicos e até
físicos, sem excluir as causas orgânicas reconhecidas pela ciência.
Neste
artigo, analisaremos a obsessão, suas causas, graus e tratamentos, destacando
também os conceitos de subjugação e possessão, conforme expostos
por Kardec na Revista Espírita (dezembro de 1863 e janeiro de 1864, caso
da Sra. Júlia) e em A Gênese (cap. XIV, itens 45 a 49).
A Obsessão segundo a Doutrina Espírita
A
obsessão é uma enfermidade espiritual que consiste no constrangimento exercido
por um Espírito sobre outro, afetando sua liberdade e equilíbrio. Allan Kardec
(O Livro dos Médiuns, cap. XXIII) explica que tal influência só é
possível quando há sintonia moral entre obsessor e obsediado.
A Revista
Espírita (outubro de 1858) descreve a ação incessante dos Espíritos sobre
os homens, sejam eles benévolos ou malévolos. Os primeiros nos inspiram ao bem;
os segundos nos induzem ao erro. O grau de ação dos maus Espíritos varia entre:
- Obsessão simples – influência
insistente, porém ainda resistível.
- Fascinação – domínio sutil
sobre o raciocínio, levando o indivíduo a ilusões perigosas.
- Subjugação – forma mais
grave, em que o Espírito obsessor impõe sua vontade de maneira
constrangedora, chegando a dominar os atos do encarnado.
Subjugação e Possessão: Clarificações Doutrinárias
Na Revista
Espírita (dezembro de 1863 e janeiro de 1864), Kardec analisa o célebre caso
da Sra. Júlia, em que uma jovem apresentava crises violentas, com
manifestações que lembravam epilepsia. O fenômeno, à época tido como “possessão
demoníaca”, foi explicado pelo Codificador como um processo obsessivo levado ao
extremo da subjugação corpórea, em que o Espírito obsessor domina
temporariamente o corpo do encarnado.
Kardec
distingue obsessão de possessão. Em A Gênese, cap. XIV, itens 45 a 49,
ele afirma:
- O termo “possessão”
pode ser utilizado como figura de linguagem, para designar os casos em que
o obsessor substitui momentaneamente a ação da alma encarnada.
- Entretanto, não há
“entrada” ou “tomada de posse” do corpo por outro Espírito, como supunham
as antigas crenças. O que ocorre é um domínio fluídico e psíquico
sobre o perispírito do encarnado.
- O fenômeno é
comparável a uma obsessão em seu grau máximo, onde o Espírito encarnado se
encontra paralisado em sua resistência.
Assim,
o relato de Mateus (17:14-18), quando analisado sob a ótica espírita, mostra-se
como um caso clássico de subjugação corpórea, em que a ação obsessiva era
tão intensa que produzia crises convulsivas e perda momentânea do controle
físico.
Causas da Obsessão
Kardec
e os Espíritos da Codificação apontam quatro causas principais:
- Morais – ligadas às
imperfeições e vícios que nos tornam vulneráveis (orgulho, egoísmo,
sensualidade, vícios materiais).
- Relativas ao
passado
– desavenças de encarnações anteriores que se prolongam em perseguições
espirituais.
- Contaminações
fluídicas
– resultado da frequência a ambientes ou práticas espirituais inferiores.
- Anímicas
(auto-obsessão) – quando o indivíduo se aprisiona em
pensamentos mórbidos, atraindo Espíritos em sintonia.
Tratamento Espírita da Obsessão
O
tratamento da obsessão, conforme ensinam Kardec e os Espíritos, é sempre de
caráter moral e espiritual. Entre os recursos fundamentais estão:
- Transformação
íntima
– melhoria dos hábitos, vigilância dos pensamentos e práticas evangélicas.
- Evangelização – estudo e
vivência do Evangelho como roteiro de libertação.
- Prece e passes – reposição
fluídica e fortalecimento da vontade do encarnado.
- Diálogo fraterno
com o obsessor – nas reuniões mediúnicas sérias, conduzidas
por trabalhadores experientes.
- Assistência médica – quando a
obsessão se associa a distúrbios orgânicos ou psíquicos.
Jesus,
no episódio do jovem lunático, nos dá a chave essencial: a autoridade moral, a
fé e a confiança em Deus são os recursos mais poderosos na libertação
espiritual.
Conclusão
A obsessão,
a subjugação e até os casos ditos de “possessão” nada mais são que
consequências da lei de afinidade e da lei de causa e efeito, em que Espíritos
encarnados e desencarnados interagem de acordo com seu estado moral.
A
Doutrina Espírita, pela codificação de Allan Kardec, esclarece o que antes era
envolto em misticismo e medo. Ensina que não existem demônios eternos, mas
Espíritos ignorantes em processo de aprendizado. A libertação do obsediado não
depende apenas de rituais exteriores, mas da transformação moral que reconduz o
homem à sintonia com os Espíritos superiores.
Assim,
compreendemos melhor as palavras de Jesus: “Este
gênero não se expulsa senão pela oração e pelo jejum” (Mateus 17:21),
significando que apenas pela prece sincera e pela disciplina interior
conseguimos afastar as influências inferiores, substituindo-as pela presença
luminosa do Cristo em nossas vidas.
Referências
- KARDEC, Allan. O
Livro dos Médiuns. FEB.
- KARDEC, Allan. O
Evangelho Segundo o Espiritismo. FEB.
- KARDEC, Allan. A
Gênese. FEB, cap. XIV, itens 45-49.
- KARDEC, Allan. Revista
Espírita, dezembro de 1863 e janeiro de 1864: “O caso da Sra. Júlia”.
- KARDEC, Allan. Revista
Espírita, outubro de 1858.
- O Novo Testamento –
Evangelho de Mateus e Lucas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário