Introdução
No movimento espírita, muito se discute sobre a
permanência ou o abandono das tarefas assumidas em uma instituição. A Doutrina
Espírita, desde Allan Kardec, ensina-nos a perseverar no bem, a exercitar o
perdão e a não permitir que mágoas ou dissabores pessoais nos afastem do
serviço na seara de Jesus. No entanto, é igualmente necessário refletir sobre
os limites dessa perseverança e compreender que, em determinadas situações, o
afastamento de um centro específico pode ser legítimo e até recomendável, quando
a experiência se transforma em obstáculo ao crescimento espiritual.
A questão, portanto, não se resume a resistir ou
desistir, mas a discernir, com base na razão e no Evangelho, quando a paciência
se converte em virtude edificante e quando se torna submissão estéril.
O Centro
Espírita como Escola de Almas
Kardec, em O Livro dos Médiuns (Cap. XXIX),
afirma que o centro espírita deve ser um lugar de estudo, fraternidade e
instrução. Mais do que um espaço físico, é um núcleo de convergência moral e
espiritual, onde encarnados e desencarnados se reúnem em torno do ideal do
Cristo.
Nas Revistas Espíritas, especialmente em
março de 1864, Kardec alerta que os centros espíritas são formados por pessoas
imperfeitas, em diferentes graus de compreensão e maturidade espiritual. Essa
diversidade gera choques de ideias, mal-entendidos e, por vezes, divisões. Ele
aconselha que não nos escandalizemos com essas dificuldades, pois fazem parte
do processo natural de aprendizado coletivo.
Entretanto, há uma diferença fundamental entre as
dificuldades naturais da convivência e a cristalização de práticas que
desvirtuam os princípios da Doutrina. Quando o centro se afasta do tripé espírita
— estudo, caridade e moral evangélica — pode deixar de ser um ambiente de
edificação e se transformar em campo de provas estéreis, que não alimentam a
alma nem favorecem o crescimento espiritual de seus frequentadores.
A
Paciência e o Perdão: Virtudes Inadiáveis
O Evangelho segundo o Espiritismo (Cap. IX,
“Bem-aventurados os que são brandos e pacíficos”) ensina que o verdadeiro
espírita é reconhecido pela paciência, mansuetude e perseverança no bem. Diante
de provocações, piadas de mau gosto ou interpretações superficiais do
Evangelho, o discípulo é convidado a não revidar com orgulho, mas a responder
com humildade e silêncio construtivo.
Contudo, perdoar e suportar não significam aceitar
indefinidamente ambientes que se tornam prejudiciais à própria paz íntima.
Kardec, na Revista Espírita de abril de 1862, ao comentar as
dificuldades entre grupos espíritas, afirma que “quando a união não é possível, é preferível a separação, porque duas
correntes opostas enfraquecem-se mutuamente”.
Assim, em certas circunstâncias, o afastamento não
é abandono da causa, mas redirecionamento de esforços para ambientes mais
propícios à vivência do Evangelho.
O
Livre-arbítrio na Escolha do Caminho
Jesus aconselha: “Quando alguém não vos receber,
nem escutar as vossas palavras, sacudi a poeira de vossas sandálias ao sair
dessa casa” (Mateus 10:14). Esse ensinamento é um convite à liberdade
interior. O trabalhador espírita deve, sim, tentar, insistir, perdoar e
contribuir para o crescimento do grupo. Mas, quando isso se mostra inviável,
deve seguir em paz, sem rancor, em busca de outro espaço ou mesmo dedicar-se ao
estudo e à prática individual do Espiritismo em casa.
Na Revista Espírita de janeiro de 1864,
Kardec reforça que “a verdadeira adesão à
doutrina está no coração e não na forma exterior”. Ou seja, o espírita pode
— e deve — manter sua ligação com os princípios doutrinários independentemente
de um local físico específico.
Conclusão
O centro espírita é, por excelência, escola de
almas e oficina de fraternidade. Todavia, não é o único caminho para a vivência
espírita. A perseverança no bem deve ser sempre a regra, mas, quando a
permanência em determinado grupo se transforma em fonte de desarmonia e
prejuízo espiritual, é legítimo buscar outro ambiente mais afinizado ou até
mesmo aprofundar-se individualmente no estudo e na prática do Espiritismo.
O verdadeiro abandono não está em sair de um centro
espírita, mas em afastar-se da vivência do Evangelho. Permanecer fiel à
Doutrina, praticar a caridade e instruir-se continuamente são os sinais do
verdadeiro espírita, dentro ou fora de uma instituição.
Referências
- KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. 2. ed. FEB.
- KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. FEB.
- KARDEC, Allan. Revista Espírita (1858-1869).
- KARDEC, Allan. Obras Póstumas. FEB.
- FERREIRA, Paulo A. A Poeira das Sandálias.
- Pires, J. Herculano. Introdução à Filosofia Espírita.
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