sábado, 23 de agosto de 2025

ORGULHO E HUMILDADE NO CAMINHO DO BEM:
UMA REFLEXÃO À LUZ DO ESPIRITISMO
- A Era do Espírito -

Introdução

O sentimento de orgulho, quando despertado por um trabalho realizado com amor e que produz bons frutos, é um tema recorrente nas reflexões de muitos que buscam o aprimoramento espiritual. Surge, então, a dúvida: trata-se de um estímulo legítimo ao progresso ou de uma armadilha moral? A Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec, nos auxilia a analisar esse dilema com equilíbrio, distinguindo entre o orgulho nocivo e a satisfação íntima que motiva o Espírito em sua caminhada evolutiva.

Orgulho: instinto em transformação

Em O Livro dos Espíritos (questões 785 e 919), encontramos a explicação de que o orgulho e o egoísmo são chagas da humanidade, obstáculos centrais ao progresso moral. Contudo, Kardec também observa que tais imperfeições, quando compreendidas, podem ser gradualmente transformadas. O orgulho, portanto, não é em si um mal absoluto, mas um instinto ainda bruto, que precisa ser educado e sublimado.

Na Revista Espírita (dezembro de 1863), ao comentar sobre o “orgulho do bem”, Kardec explica que a satisfação íntima pelo trabalho realizado é natural, mas deve ser acompanhada da vigilância moral. O perigo surge quando essa satisfação se converte em vaidade, em busca de reconhecimento ou em superioridade diante dos outros.

Assim, a alegria pelo bem feito é legítima, mas precisa ser interiorizada, servindo de combustível para novas ações.

O elogio e a prova da humildade

Quando recebemos elogios por um trabalho bem realizado, estamos diante de uma prova espiritual. Como bem recorda a Doutrina, as tentações não se apresentam apenas pelas dificuldades, mas também pelas facilidades. O reconhecimento público pode alimentar o orgulho negativo, desviando o trabalhador do bem para a vaidade.

Na Revista Espírita (março de 1860), os Espíritos alertam que muitas vezes a adulação é um teste mais perigoso do que a crítica. Por isso, a estratégia proposta — receber o elogio com serenidade e mudar de assunto — é coerente com a orientação espírita: acolher com gratidão, mas não alimentar o ego.

Jesus nos ensinou o mesmo em seu sermão: “Não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita” (Mateus 6:3). A humildade é a salvaguarda que preserva a pureza da ação.

O fracasso como oportunidade

Enquanto o sucesso pode trazer o risco da vaidade, o fracasso pode despertar desânimo ou vergonha. Contudo, a Doutrina Espírita nos lembra que o fracasso faz parte da pedagogia divina.

Em O Evangelho Segundo o Espiritismo (cap. V), aprendemos que as dificuldades e provas são meios de progresso. O fracasso, portanto, não deve ser visto como derrota moral, mas como uma experiência educativa. Cada queda ensina a se levantar com mais firmeza.

Sentir vergonha do fracasso é inútil; o necessário é compreender suas causas, corrigir os erros e perseverar. Como afirmam os Espíritos na Revista Espírita (julho de 1862), “o insucesso é muitas vezes o mestre oculto do êxito futuro”.

A divulgação das boas ações

Uma dúvida prática surge: devemos divulgar as boas ações realizadas, a fim de servir de exemplo?

O Espiritismo ensina que o verdadeiro valor das obras está na intenção. Jesus e os grandes missionários não precisaram exaltar seus feitos; suas ações falaram por si. O bem, por sua natureza, possui uma força de irradiação que toca os corações.

Entretanto, divulgar experiências pode ter mérito educativo, desde que o objetivo seja instruir, inspirar e multiplicar esforços, e não buscar reconhecimento pessoal. O risco está em confundir testemunho edificante com autopromoção.

Como bem registrou Kardec na Revista Espírita (agosto de 1864), “a obra do bem é sua própria propaganda”.

Conclusão

O orgulho, quando ligado à vaidade, é um entrave espiritual. Mas a satisfação íntima pelo dever cumprido é legítima e necessária ao nosso estágio evolutivo, servindo de estímulo ao progresso. O desafio está em transformá-la em humildade ativa, canalizando a alegria do bem para novas realizações.

O fracasso, por sua vez, não deve ser motivo de vergonha, mas de aprendizado. E a divulgação das boas obras só é válida quando movida pelo desejo sincero de inspirar, e não pela vaidade de exibir.

A Doutrina Espírita nos convida, portanto, a trilhar o caminho do equilíbrio: agir sempre no bem, com simplicidade, confiança e humildade, lembrando que a verdadeira grandeza se mede pelo desapego de si mesmo e pela dedicação desinteressada ao próximo.

Referências

  • Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos, questões 785 e 919.
  • Kardec, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. V.
  • Kardec, Allan. A Gênese.
  • Revista Espírita (1858–1869), especialmente:
    • Março de 1860 – Advertências sobre adulação e orgulho.
    • Julho de 1862 – Reflexões sobre insucesso e aprendizado.
    • Dezembro de 1863 – Comentários sobre o “orgulho do bem”.
    • Agosto de 1864 – O valor intrínseco da obra do bem.
  • Costa, Renato, Como tratar o sentimento de orgulho: reflexões, RIE, Ano LXXXIII, nº 10, novembro de 2008.

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