Introdução
O sentimento de orgulho, quando despertado por um
trabalho realizado com amor e que produz bons frutos, é um tema recorrente nas
reflexões de muitos que buscam o aprimoramento espiritual. Surge, então, a
dúvida: trata-se de um estímulo legítimo ao progresso ou de uma armadilha
moral? A Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec, nos auxilia a analisar
esse dilema com equilíbrio, distinguindo entre o orgulho nocivo e a satisfação
íntima que motiva o Espírito em sua caminhada evolutiva.
Orgulho:
instinto em transformação
Em O Livro dos Espíritos (questões 785 e
919), encontramos a explicação de que o orgulho e o egoísmo são chagas da
humanidade, obstáculos centrais ao progresso moral. Contudo, Kardec também
observa que tais imperfeições, quando compreendidas, podem ser gradualmente
transformadas. O orgulho, portanto, não é em si um mal absoluto, mas um
instinto ainda bruto, que precisa ser educado e sublimado.
Na Revista Espírita (dezembro de 1863), ao comentar
sobre o “orgulho do bem”, Kardec explica que a satisfação íntima pelo trabalho
realizado é natural, mas deve ser acompanhada da vigilância moral. O perigo
surge quando essa satisfação se converte em vaidade, em busca de reconhecimento
ou em superioridade diante dos outros.
Assim, a alegria pelo bem feito é legítima, mas
precisa ser interiorizada, servindo de combustível para novas ações.
O elogio
e a prova da humildade
Quando recebemos elogios por um trabalho bem
realizado, estamos diante de uma prova espiritual. Como bem recorda a Doutrina,
as tentações não se apresentam apenas pelas dificuldades, mas também pelas
facilidades. O reconhecimento público pode alimentar o orgulho negativo,
desviando o trabalhador do bem para a vaidade.
Na Revista Espírita (março de 1860), os
Espíritos alertam que muitas vezes a adulação é um teste mais perigoso do que a
crítica. Por isso, a estratégia proposta — receber o elogio com serenidade e
mudar de assunto — é coerente com a orientação espírita: acolher com gratidão,
mas não alimentar o ego.
Jesus nos ensinou o mesmo em seu sermão: “Não saiba
a tua mão esquerda o que faz a tua direita” (Mateus 6:3). A humildade é a
salvaguarda que preserva a pureza da ação.
O
fracasso como oportunidade
Enquanto o sucesso pode trazer o risco da vaidade,
o fracasso pode despertar desânimo ou vergonha. Contudo, a Doutrina Espírita
nos lembra que o fracasso faz parte da pedagogia divina.
Em O Evangelho Segundo o Espiritismo (cap.
V), aprendemos que as dificuldades e provas são meios de progresso. O fracasso,
portanto, não deve ser visto como derrota moral, mas como uma experiência
educativa. Cada queda ensina a se levantar com mais firmeza.
Sentir vergonha do fracasso é inútil; o necessário
é compreender suas causas, corrigir os erros e perseverar. Como afirmam os
Espíritos na Revista Espírita (julho de 1862), “o insucesso é muitas
vezes o mestre oculto do êxito futuro”.
A
divulgação das boas ações
Uma dúvida prática surge: devemos divulgar as boas
ações realizadas, a fim de servir de exemplo?
O Espiritismo ensina que o verdadeiro valor das
obras está na intenção. Jesus e os grandes missionários não precisaram exaltar
seus feitos; suas ações falaram por si. O bem, por sua natureza, possui uma
força de irradiação que toca os corações.
Entretanto, divulgar experiências pode ter mérito
educativo, desde que o objetivo seja instruir, inspirar e multiplicar esforços,
e não buscar reconhecimento pessoal. O risco está em confundir testemunho
edificante com autopromoção.
Como bem registrou Kardec na Revista Espírita
(agosto de 1864), “a obra do bem é sua própria propaganda”.
Conclusão
O orgulho, quando ligado à vaidade, é um entrave
espiritual. Mas a satisfação íntima pelo dever cumprido é legítima e necessária
ao nosso estágio evolutivo, servindo de estímulo ao progresso. O desafio está
em transformá-la em humildade ativa, canalizando a alegria do bem para novas
realizações.
O fracasso, por sua vez, não deve ser motivo de
vergonha, mas de aprendizado. E a divulgação das boas obras só é válida quando
movida pelo desejo sincero de inspirar, e não pela vaidade de exibir.
A Doutrina Espírita nos convida, portanto, a
trilhar o caminho do equilíbrio: agir sempre no bem, com simplicidade,
confiança e humildade, lembrando que a verdadeira grandeza se mede pelo
desapego de si mesmo e pela dedicação desinteressada ao próximo.
Referências
- Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos, questões 785 e 919.
- Kardec, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. V.
- Kardec, Allan. A Gênese.
- Revista Espírita (1858–1869), especialmente:
- Março de 1860 – Advertências sobre adulação e orgulho.
- Julho de 1862 – Reflexões sobre insucesso e aprendizado.
- Dezembro de 1863 – Comentários sobre o “orgulho do bem”.
- Agosto de 1864 – O valor intrínseco da obra do bem.
- Costa, Renato, Como tratar o sentimento de orgulho: reflexões, RIE, Ano LXXXIII, nº 10, novembro de 2008.
Nenhum comentário:
Postar um comentário