Introdução
A história da humanidade registra incontáveis
momentos de dor coletiva — guerras, catástrofes naturais, crises econômicas,
epidemias e pandemias. A mais recente dessas provações, a pandemia de COVID-19,
ultrapassou fronteiras geográficas e ideológicas, lembrando-nos de que todos
habitamos o mesmo lar: a Terra.
A Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec,
interpreta tais acontecimentos sob a ótica da Lei de Sociedade, da Lei de
Progresso e, sobretudo, da Lei de Solidariedade e Fraternidade, que decorrem do
mandamento maior de Jesus: "Amai-vos uns aos outros". Segundo
o Livro dos Espíritos, os homens foram criados para viver em sociedade,
cooperar mutuamente e progredir pelo auxílio recíproco (LE, q. 766). Assim,
quando uma parte da humanidade sofre, todo o conjunto se ressente.
A dor que
não respeita fronteiras
O surto pandêmico mostrou de maneira incontestável
que, apesar das divisões políticas e culturais, somos uma única família
espiritual. O mal que atinge uma nação repercute em todas as demais; a alegria
ou o progresso de um povo beneficia, direta ou indiretamente, toda a
coletividade. Kardec já destacava na Revista Espírita (dezembro de 1861)
que “a solidariedade é lei natural;
quebrá-la é romper a harmonia que deve existir entre os homens e preparar para
si dores futuras”.
A experiência pandêmica expôs não apenas nossa
vulnerabilidade biológica, mas também nossa capacidade de compaixão. Enfermos e
famílias enlutadas tornaram-se tema de orações inter-religiosas e de gestos de
apoio, ultrapassando barreiras de credo ou nacionalidade.
Deus no
comando e o aprendizado moral
No aparente caos, a Doutrina Espírita nos ensina a
reconhecer a presença e a providência divina. Deus, conforme ensina Kardec (O
Livro dos Espíritos, q. 963 e seguintes), não abandona Seus filhos, mas
permite provas e expiações para nosso adiantamento moral. As tragédias
coletivas, embora dolorosas, funcionam como oportunidades de aprendizado e de
união, tal como a tormenta que purifica a atmosfera.
Mesmo em meio às perdas, vimos florescer
iniciativas que reacenderam a esperança: voluntários costurando máscaras,
vizinhos ajudando idosos, grupos espirituais promovendo preces virtuais,
artistas oferecendo apresentações gratuitas pela internet.
A força da
arte e da gratidão
Um exemplo marcante foi a iniciativa do Coro
Internazionale Lirico Sinfonico, na Itália, que, em ensaio virtual, entoou Và,
pensiero — o “Coro dos Escravos Hebreus” da ópera Nabucco, de
Giuseppe Verdi. A peça, símbolo de resistência e patriotismo em momentos de
opressão, tornou-se mensagem de fé e perseverança.
No Espiritismo, a arte é vista como manifestação
elevada da alma, quando colocada a serviço do bem (Revista Espírita,
abril de 1860), capaz de inspirar e consolar.
Servidores
da saúde: missionários do amparo
Entre os heróis dessa batalha sanitária estão os
profissionais de saúde, que, como verdadeiros “soldados da caridade”,
enfrentaram jornadas extenuantes para salvar vidas. Kardec, na Revista
Espírita (julho de 1865), exalta o mérito daqueles que se sacrificam pelo
próximo, afirmando que “a maior coragem é
a de enfrentar o perigo para proteger os outros”.
Esses trabalhadores, embora sujeitos ao risco
pessoal, permaneceram na linha de frente, movidos pela ética profissional e
pelo dever moral. É justo que sejam lembrados em nossas preces e reconhecidos
como instrumentos de Deus na preservação da vida.
A lição
espiritual da pandemia
O Espiritismo nos convida a refletir sobre a
fragilidade da existência corporal e sobre o valor do tempo que nos é
concedido. As dificuldades coletivas são um chamado para que cultivemos
virtudes como bondade, fraternidade, utilidade e altruísmo, que serão nosso
verdadeiro patrimônio espiritual.
Na Revista Espírita (janeiro de 1864), Kardec assevera que “a felicidade individual depende da felicidade de todos, e só pelo concurso geral se pode estabelecer a felicidade comum”.
Somos interdependentes. Precisamos uns dos outros — não apenas para sobreviver,
mas para evoluir espiritualmente.
Conclusão
A pandemia foi mais que uma crise sanitária; foi
uma prova de solidariedade planetária. Mostrou-nos que, independentemente de
fronteiras, raças ou religiões, somos todos membros de uma única família
universal, caminhando rumo à regeneração moral da humanidade.
Que as lições desse período não se percam. Que
aprendamos, com o Espiritismo, a transformar a dor em fraternidade e a
incerteza em fé raciocinada, para que o amanhã seja, de fato, um reflexo de
nossa renovação interior.
Referências
- KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 74. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2022.
- KARDEC, Allan. A Gênese. 49. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2021.
- KARDEC, Allan. Revista Espírita (1858-1869). Diversos artigos.
- KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. 164. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2021.
- Momento Espírita. Quando a dor é mundial. Disponível em: https://www.momento.com.br/pt/ler_texto.php?id=5979&let=Q&stat=0. Acesso em: 13 ago. 2025.
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