Introdução
A
Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec a partir de 1857, apresenta uma
visão profunda e esclarecedora sobre os processos de reencarnação e
desencarnação, compreendidos como momentos essenciais na trajetória evolutiva
do Espírito. Longe de serem eventos isolados, ambos os fenômenos constituem
etapas naturais do progresso humano, submetidos às Leis Divinas que regem a
vida universal.
Nas
páginas de O Livro dos Espíritos e nas análises subsequentes da Revista
Espírita (1858-1869), encontramos orientações que descrevem o início da
reencarnação, a adaptação progressiva do Espírito ao corpo físico e a
desencarnação como retorno ao estado espiritual, condicionado pela conduta
moral e pelas escolhas realizadas no período corporal.
Este
texto procura destacar com clareza a função educativa desses dois polos da
vida, apontando a necessidade de se aproveitar, de modo edificante, cada
oportunidade de aprendizado e transformação interior.
O Processo de Reencarnação
Desde
o instante em que o Espírito inicia a ligação fluídica com o corpo em formação,
através do perispírito, opera-se um processo de impregnação material que se
intensifica até a infância e juventude. Conforme descreve O Livro dos
Espíritos (questões 344 a 354), esse mergulho na carne implica a perda
parcial da memória das existências passadas, recurso providencial que favorece
o livre-arbítrio.
Durante
esse período, as lembranças latentes se traduzem em tendências, aptidões,
vícios e virtudes que o Espírito carrega como herança de si mesmo. A
convivência com a família corporal e espiritual favorece o despertar de
lembranças e a vivência de provas e expiações, conforme a lei de causa e
efeito.
Allan
Kardec registra na Revista Espírita de abril de 1866 que a infância não
é apenas fragilidade do corpo, mas também uma forma de reeducação da alma, que,
ao passar por essa fase, encontra oportunidade de maleabilidade moral.
A Experiência na Vida Corporal
Cada
existência representa um campo imenso a ser trabalhado. O Espírito dispõe de
recursos adormecidos, que podem ser desenvolvidos pela vontade firme, ou, ao
contrário, pode recair nos atavismos prejudiciais e repetir experiências
amargas.
As
lutas sociais, os relacionamentos e os desafios cotidianos funcionam como
ferramentas de lapidação, preparando o ser humano para conquistas morais mais
elevadas. Nesse aspecto, a vida física não é punição, mas investimento divino,
como explica O Evangelho segundo o Espiritismo (cap. V e XVII).
A
utilização correta do livre-arbítrio transforma paixões dissolventes em
energias sublimes, enquanto o mau uso gera condicionamentos psíquicos doentios,
que repercutirão tanto no corpo presente quanto no estado espiritual futuro.
O Momento da Desencarnação
A
morte física, ensina a Doutrina Espírita, não é ruptura, mas transição. O
Livro dos Espíritos (questões 149-165) esclarece que a desencarnação
devolve ao Espírito a liberdade relativa de que desfrutava na erraticidade.
Entretanto,
a forma como se dá o desligamento depende da vida anterior e das disposições
íntimas. Quando precedida de doença prolongada, acompanhada de resignação e fé,
a desencarnação pode ser rápida e suave, permitindo ao Espírito recobrar a
lucidez sem maiores dificuldades. Ao contrário, quando ocorre de modo brusco e
o indivíduo permanece preso às paixões materiais, sobrevém a perturbação,
descrita por Kardec em diversas narrativas da Revista Espírita (ex.:
dezembro de 1858; fevereiro de 1860).
Paixões
como orgulho, ciúme, ódio e traição envenenam o ser e prolongam o sofrimento
após a morte, resultando em tormentos purificadores. Já os que viveram no bem
encontram libertação imediata, comprovando a sabedoria do adágio: “Tal vida,
qual morte.”
Reflexão Final
A
reencarnação e a desencarnação são faces de um mesmo processo educativo e
regenerador. O Espírito, ao reencarnar, recebe um valioso patrimônio de
oportunidades, e, ao desencarnar, devolve à Vida Espiritual os frutos do seu
empenho ou da sua negligência.
A
Doutrina Espírita convida-nos a valorizar o tempo presente, trabalhando as
virtudes, domando as más inclinações e aplicando as lições de cada experiência.
Assim, o investimento da vida corporal se transforma em conquista espiritual,
ornada de bênçãos que nos aproximam das esferas superiores.
Referências
- KARDEC, Allan. O
Livro dos Espíritos. 1ª ed. 1857.
- KARDEC, Allan. O
Evangelho segundo o Espiritismo. 1ª ed. 1864.
- KARDEC, Allan. O
Livro dos Médiuns. 1ª ed. 1861.
- KARDEC, Allan. A
Gênese. 1ª ed. 1868.
- KARDEC, Allan. Revista
Espírita: Jornal de Estudos Psicológicos (1858-1869). Diversos
números.
- XAVIER, Francisco
Cândido (pelo Espírito Emmanuel). O Consolador. FEB, 1940.
- FRANCO, Divaldo P.
(pelo Espírito Joanna de Ângelis). Estudos Espíritas. LEAL, 1976.
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