“As bem-aventuranças não são promessas vazias. São
horizontes de renovação para o Espírito que aceita, compreende e transforma a
dor.” — Inspiração espírita
O Capítulo V de O Evangelho Segundo o
Espiritismo, intitulado “Bem-aventurados os Aflitos”, é um convite à
reflexão profunda sobre o sentido do sofrimento na trajetória evolutiva do
Espírito. Em lugar de se limitar à explicação dos fatos dolorosos como simples
castigos ou fatalidades, a Doutrina Espírita oferece uma visão abrangente,
racional e consoladora, revelando que as aflições, longe de serem absurdas ou
injustas, estão integradas ao processo educativo da alma.
Mas resignar-se ao sofrimento não é render-se à
inércia. A resignação, na perspectiva espírita, é ativa: ela não se
confunde com passividade, conformismo cego ou desânimo diante das dores do
mundo. É uma virtude que se alia à coragem moral de enfrentar os desafios da
vida com dignidade, sem revolta, sem lamentos inúteis e, acima de tudo, sem
recorrer à vingança.
As causas das aflições: o ontem e
o agora
Segundo o Espiritismo, codificado por Allan Kardec,
a dor tem sempre uma causa justa, mesmo quando desconhecida pelo
Espírito encarnado. Essa compreensão é detalhada no Livro Terceiro de O
Livro dos Espíritos, intitulado “As Leis Morais”, especialmente nas
leis de Causa e Efeito e Justiça, Amor e Caridade.
As aflições podem ser:
- Provações escolhidas pelo Espírito antes da encarnação, como forma de progresso (O Livro dos Espíritos, questões
258 a 273);
- Consequências naturais de ações cometidas no passado, que retornam agora como aprendizado (questões 393 e 399);
- Resultados diretos de escolhas feitas na presente existência, vinculadas ao livre-arbítrio (questões 120 a 122 e 873).
Dessa forma, as dores do presente podem ser instrumentos
de redenção do passado, mas também avisos para o futuro. Não há
castigo divino, mas justiça restauradora e educativa.
Resignação ativa: aprender sem se
curvar
A resignação não é submissão cega nem
imobilidade. Ela exige lucidez e força interior para suportar aquilo que
não se pode evitar, e discernimento para agir sobre o que pode ser
transformado. Como ensinam os Espíritos superiores:
“Deus ajuda os que se ajudam a si mesmos.” (O Livro dos Espíritos, questão 685)
A luta contra o mal — seja moral ou físico — deve
existir, mas sem ódio, sem revolta e sem desejo de retribuição.
Não se trata de ignorar a dor, mas de colocar-se
acima dela, olhando-a com os olhos do Espírito imortal. Aquilo que hoje nos
aflige pode ser justamente a ferramenta que nos esculpe para a grandeza
moral. A resignação ativa é, portanto, uma forma de esperança em
movimento, que não nega o sofrimento, mas o transcende.
Sofrimento e evolução: o buril da
alma
Em O Livro dos Espíritos, questão 625, os
Espíritos afirmam que Jesus é o tipo mais perfeito que Deus ofereceu ao
homem como guia e modelo. Ora, o Cristo foi o símbolo da resignação
ativa: aceitou a cruz, mas combateu a hipocrisia; silenciou diante das
zombarias, mas nunca deixou de ensinar e agir com justiça.
Portanto, o sofrimento, quando bem compreendido, não
é maldição, mas convite ao progresso. Ele burila o orgulho, corrige o
egoísmo, desperta a solidariedade e convida ao perdão. E, mais ainda, leva o
Espírito a desapegar-se das ilusões do mundo material, aproximando-o da
verdadeira felicidade, que não está nos prazeres passageiros, mas na harmonia
com as leis divinas.
Bem-aventuranças no presente
As promessas de Jesus no Sermão da Montanha — “Bem-aventurados
os que choram, os que têm fome e sede de justiça, os pacíficos...” — não
são recompensas apenas para o além-túmulo.
Segundo O Evangelho Segundo o Espiritismo,
elas se realizam desde já, quando o Espírito encontra paz interior,
mesmo em meio às tempestades da existência. A vivência das virtudes — humildade,
paciência, fé, perdão, mansidão — proporciona uma alegria íntima, serena
e duradoura, que a dor não apaga.
Conclusão: esperança e consolação
A Doutrina Espírita não nos convida a amar o
sofrimento, mas a compreendê-lo como parte de um plano superior de amor
e justiça.
Resignação sim, passividade não: devemos enfrentar as aflições com serenidade
e fé, buscando aprender com elas e transformar o mundo à nossa volta com
gestos de amor, sem nos deixarmos aprisionar pela revolta ou pelo
desespero.
A luta contra o mal deve ser feita com as armas
da luz, e a maior de todas elas é a transformação íntima. O
Espiritismo nos ensina que ninguém sofre em vão, e que a dor de hoje
pode ser a alvorada da paz de amanhã.
“A dor é uma bênção que Deus envia aos seus
eleitos; não vos aflijais, pois, quando sofrerdes, mas, ao contrário, bendizei
a Deus Todo-Poderoso, que vos marcou com o sofrimento para a glória no céu.” — O Evangelho Segundo o Espiritismo, Cap. V, item 18
Que essa visão nos console e nos anime. Que
possamos caminhar com fé, fazendo o bem, suportando as provações com
coragem e trabalhando sempre por um mundo mais justo — começando por nós
mesmos.
Referências
- KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Capítulo V
– “Bem-aventurados os Aflitos”.
- KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Livro Terceiro – “As
Leis Morais” (Lei de Causa e Efeito, Justiça, Amor e Caridade).
- KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Questões 120 a 122,
258 a 273, 393, 399, 625, 685 e 873.
- KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno. Segunda Parte – Exemplos
de Espíritos em provas e sofrimentos.
- DENIS, Léon. O Problema do Ser, do Destino e da Dor.
Capítulos sobre a dor e o progresso da alma.
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