quinta-feira, 14 de agosto de 2025

SOCIEDADE PARISIENSE DE ESTUDOS ESPÍRITAS:
ORIGEM, CONTEXTO E LEGADO
- A Era do Espírito -

Introdução

A Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas (SPEE), fundada oficialmente em 1º de abril de 1858 por iniciativa de Allan Kardec, representa um marco fundamental na consolidação do Espiritismo como doutrina organizada e com metodologia própria de investigação. Sua criação, em pleno Segundo Império Francês, ocorreu em um ambiente político e social de alta tensão, exigindo habilidade diplomática e perseverança do Codificador.

Paralelamente à fundação da SPEE, Kardec lançava a Revista Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos, em janeiro do mesmo ano, que se tornaria o principal veículo de divulgação e análise dos fenômenos espíritas e das ideias filosóficas decorrentes.

O presente artigo apresenta um panorama histórico da fundação e funcionamento inicial da SPEE, contextualizando-a no cenário francês da época e destacando as dificuldades e conquistas que marcaram esse período.

A gênese da Revista Espírita

Em 15 de novembro de 1857, meses antes da criação formal da SPEE, Allan Kardec consultou os Espíritos sobre a viabilidade de um jornal espírita. As orientações recebidas destacavam a importância de unir o sério ao agradável, evitando a monotonia, atraindo tanto homens de ciência quanto o público em geral.

Sem recursos externos e sem assinantes prévios, Kardec assumiu todos os riscos e publicou, em janeiro de 1858, o primeiro número da Revista Espírita.

O êxito inicial confirmou o valor da iniciativa: a revista se tornaria um “poderoso auxiliar” para os trabalhos futuros, preservando a independência editorial de Kardec e funcionando como canal oficial para as conclusões e debates da SPEE.

O contexto político e a fundação da SPEE

A França de 1858 vivia sob o regime de Napoleão III, marcada por instabilidade política e forte vigilância estatal. Em 14 de janeiro de 1858, um atentado contra o imperador, perpetrado pelo italiano Felice Orsini, resultou na promulgação da rígida Lei de Segurança Geral, que proibia reuniões públicas com mais de vinte pessoas sem autorização expressa do governo.

Diante dessa legislação, qualquer tentativa de criar uma associação como a SPEE exigia aprovação do Prefeito de Polícia e do Ministro do Interior e de Segurança Geral. A intervenção decisiva veio do general Charles-Marie-Esprit Espinasse, então Ministro do Interior, que simpatizava com as ideias espíritas e facilitou a autorização em apenas 15 dias — tempo muito inferior à média de três meses.

Em 13 de abril de 1858, a SPEE obteve oficialmente o direito de funcionar, inicialmente reunindo-se na Galeria de Valois, no Palais-Royal.

Objetivos e funcionamento da SPEE

O regulamento da Sociedade definia seu caráter científico, vedando o tratamento de questões religiosas e excluindo qualquer prática de culto. Seu propósito era estudar e aprofundar os fenômenos das relações entre o mundo visível e o invisível, com seriedade e método.

As reuniões — inicialmente na residência de Kardec, na Rua dos Mártires, nº 8 — contavam com participantes de alto nível intelectual e social: médicos, literatos, magistrados, oficiais e estudiosos de várias áreas. Conforme registrado na Revista Espírita (setembro de 1858), a SPEE já refletia a transição do “período da curiosidade” para o “período filosófico” do Espiritismo.

Desafios administrativos e a presidência de Kardec

Kardec exerceu a presidência da SPEE desde sua fundação, imprimindo disciplina, seriedade e método aos trabalhos. Em julho de 1859, alegando excesso de atividades, anunciou que deixaria o cargo, mas foi reeleito por unanimidade. Aceitou, porém, com a condição de poder renunciar quando surgisse alguém que pudesse dar maior projeção pública à Sociedade.

As mudanças de sede acompanharam o crescimento da SPEE:

  • 1º de abril de 1858 a 1º de abril de 1859 – Galeria de Valois
  • 1º de abril de 1859 a 1º de abril de 1860 – Galeria Montpensier
  • Posteriormente – Passagem Sainte-Anne, nº 59

Legado

A SPEE foi mais que um espaço de estudo: tornou-se um centro de referência internacional para a observação e sistematização dos fenômenos espíritas, mantendo correspondência com adeptos de diversos países. Sua atuação, aliada à Revista Espírita, permitiu a Kardec estabelecer bases sólidas para a Doutrina Espírita e preparar o terreno para a terceira fase de sua evolução: a admissão oficial entre as crenças reconhecidas.

Considerações finais

A história da SPEE demonstra que o Espiritismo, desde suas origens, não surgiu ao acaso ou em ambientes improvisados, mas sim por meio de um projeto meticuloso, com forte compromisso ético e metodológico.

Em meio a restrições políticas e desafios logísticos, Allan Kardec soube aliar prudência e determinação, garantindo a legalidade e a credibilidade de um movimento que se expandiria para além das fronteiras francesas.

Referências

  1. KARDEC, Allan. Obras Póstumas. 2ª parte.
  2. KARDEC, Allan. Revista Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos. Ano 1858 e 1859.
  3. KARDEC, Allan. O que é o Espiritismo (1859).
  4. A ERA DO ESPÍRITO. Documentos e manuscritos sobre a SPEE e o General Espinasse (imagens).
  5. Arquivos históricos da Prefeitura de Polícia de Paris – Carta manuscrita de Allan Kardec (1858).
  6. LOPES, Célia Maria Rey de Carvalho. Estudos sobre a fundação da SPEE.
  7. GOB, Carlos A. Napoleão III e o contexto político francês em 1858.
  8. KARDEC, Allan. O Espiritismo na sua mais simples expressão. Paris, 1860

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