Introdução
A Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas
(SPEE), fundada oficialmente em 1º de abril de 1858 por iniciativa de
Allan Kardec, representa um marco fundamental na consolidação do Espiritismo
como doutrina organizada e com metodologia própria de investigação. Sua
criação, em pleno Segundo Império Francês, ocorreu em um ambiente político e
social de alta tensão, exigindo habilidade diplomática e perseverança do
Codificador.
Paralelamente à fundação da SPEE, Kardec lançava a Revista
Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos, em janeiro do mesmo ano, que se
tornaria o principal veículo de divulgação e análise dos fenômenos espíritas e
das ideias filosóficas decorrentes.
O presente artigo apresenta um panorama histórico
da fundação e funcionamento inicial da SPEE, contextualizando-a no cenário
francês da época e destacando as dificuldades e conquistas que marcaram esse
período.
A gênese
da Revista Espírita
Em 15 de novembro de 1857, meses antes da
criação formal da SPEE, Allan Kardec consultou os Espíritos sobre a viabilidade
de um jornal espírita. As orientações recebidas destacavam a importância de
unir o sério ao agradável, evitando a monotonia, atraindo tanto homens
de ciência quanto o público em geral.
Sem recursos externos e sem assinantes prévios,
Kardec assumiu todos os riscos e publicou, em janeiro de 1858, o
primeiro número da Revista Espírita.
O êxito inicial confirmou o valor da iniciativa: a
revista se tornaria um “poderoso auxiliar” para os trabalhos futuros,
preservando a independência editorial de Kardec e funcionando como canal
oficial para as conclusões e debates da SPEE.
O
contexto político e a fundação da SPEE
A França de 1858 vivia sob o regime de Napoleão
III, marcada por instabilidade política e forte vigilância estatal. Em 14
de janeiro de 1858, um atentado contra o imperador, perpetrado pelo
italiano Felice Orsini, resultou na promulgação da rígida Lei de
Segurança Geral, que proibia reuniões públicas com mais de vinte pessoas
sem autorização expressa do governo.
Diante dessa legislação, qualquer tentativa de
criar uma associação como a SPEE exigia aprovação do Prefeito de Polícia
e do Ministro do Interior e de Segurança Geral. A intervenção decisiva
veio do general Charles-Marie-Esprit Espinasse, então Ministro do
Interior, que simpatizava com as ideias espíritas e facilitou a autorização em
apenas 15 dias — tempo muito inferior à média de três meses.
Em 13 de abril de 1858, a SPEE obteve
oficialmente o direito de funcionar, inicialmente reunindo-se na Galeria de
Valois, no Palais-Royal.
Objetivos
e funcionamento da SPEE
O regulamento da Sociedade definia seu caráter científico,
vedando o tratamento de questões religiosas e excluindo qualquer prática de
culto. Seu propósito era estudar e aprofundar os fenômenos das relações
entre o mundo visível e o invisível, com seriedade e método.
As reuniões — inicialmente na residência de Kardec,
na Rua dos Mártires, nº 8 — contavam com participantes de alto nível
intelectual e social: médicos, literatos, magistrados, oficiais e estudiosos de
várias áreas. Conforme registrado na Revista Espírita (setembro de
1858), a SPEE já refletia a transição do “período da curiosidade” para o
“período filosófico” do Espiritismo.
Desafios
administrativos e a presidência de Kardec
Kardec exerceu a presidência da SPEE desde sua
fundação, imprimindo disciplina, seriedade e método aos trabalhos. Em julho
de 1859, alegando excesso de atividades, anunciou que deixaria o cargo, mas
foi reeleito por unanimidade. Aceitou, porém, com a condição de poder renunciar
quando surgisse alguém que pudesse dar maior projeção pública à Sociedade.
As mudanças de sede acompanharam o crescimento da
SPEE:
- 1º de abril de 1858 a 1º de abril de 1859 – Galeria de Valois
- 1º de abril de 1859 a 1º de abril de 1860 – Galeria Montpensier
- Posteriormente – Passagem Sainte-Anne, nº 59
Legado
A SPEE foi mais que um espaço de estudo: tornou-se
um centro de referência internacional para a observação e sistematização
dos fenômenos espíritas, mantendo correspondência com adeptos de diversos
países. Sua atuação, aliada à Revista Espírita, permitiu a Kardec
estabelecer bases sólidas para a Doutrina Espírita e preparar o terreno para a
terceira fase de sua evolução: a admissão oficial entre as crenças
reconhecidas.
Considerações
finais
A história da SPEE demonstra que o Espiritismo,
desde suas origens, não surgiu ao acaso ou em ambientes improvisados, mas sim
por meio de um projeto meticuloso, com forte compromisso ético e
metodológico.
Em meio a restrições políticas e desafios logísticos,
Allan Kardec soube aliar prudência e determinação, garantindo a legalidade e a
credibilidade de um movimento que se expandiria para além das fronteiras
francesas.
Referências
- KARDEC, Allan. Obras Póstumas. 2ª parte.
- KARDEC, Allan. Revista Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos. Ano 1858 e 1859.
- KARDEC, Allan. O que é o Espiritismo (1859).
- A ERA DO ESPÍRITO. Documentos e manuscritos sobre a SPEE e o General Espinasse (imagens).
- Arquivos históricos da Prefeitura de Polícia de Paris – Carta manuscrita de Allan Kardec (1858).
- LOPES, Célia Maria Rey de Carvalho. Estudos sobre a fundação da SPEE.
- GOB, Carlos A. Napoleão III e o contexto político francês em 1858.
- KARDEC, Allan. O Espiritismo na sua mais simples expressão. Paris, 1860
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