domingo, 28 de setembro de 2025

A 5ª EDIÇÃO DE A GÊNESE DE ALLAN KARDEC
 HISTÓRIA, POLÊMICAS E A BUSCA PELA VERSÃO ORIGINAL
- A Era do Espírito -

Introdução

A Gênese, os Milagres e as Predições Segundo o Espiritismo é uma das obras fundamentais da Doutrina Espírita codificada por Allan Kardec, publicada originalmente em 1868. Assim como os demais componentes da codificação (1857-1869), constitui base doutrinária essencial, alicerçada nos ensinamentos dos Espíritos e nas análises da Revista Espírita. Entretanto, há mais de um século estende-se uma controvérsia quanto às diferenças textuais entre as primeiras quatro edições, publicadas em vida de Kardec, e a quinta edição, que surgiu posteriormente com o subtítulo “revista, corrigida e ampliada”. Este artigo busca apresentar os dados históricos mais confiáveis, confrontar as evidências e refletir sobre em que medida as alterações apontadas comprometem o legado moral e intelectual de Allan Kardec.

História Editorial

Publicado em vida de Allan Kardec

A primeira edição de A Gênese foi lançada em Paris em janeiro de 1868. Até a desencarnação de Kardec, em 31 de março de 1869, foram publicadas quatro edições idênticas entre si em conteúdo, sem modificações significativas de doutrina ou forma.

A quinta edição “revisada, corrigida e ampliada”

A quinta edição, datada em registros de dezembro de 1872, surge com o subtítulo “revista, corrigida e ampliada”. Diferentemente das quatro primeiras, apresenta alterações de ordem estrutural e textual: supressões, acréscimos, mudanças em frases, renumeração de itens e inclusão de notas de rodapé. Esses elementos geraram a polêmica que perdura até hoje.

As Alegações de Adulteração

O primeiro a denunciar publicamente as diferenças foi Henri Sausse, biógrafo de Kardec. Em 1884, ele publicou no periódico Le Spiritisme o artigo “Une infamie”, no qual relatava ter comparado sua cópia da primeira edição de 1868 com a quinta edição e encontrado 126 passagens alteradas — entre modificações, acréscimos e supressões.

Estudos recentes, como os da pesquisadora Simoni Privato Goidanich, no livro O Legado de Allan Kardec, e de equipes como o ECK (Espiritismo Com Kardec) e o Grupo de Estudos Chico Xavier, confirmam e ampliam a lista de diferenças. Estima-se que capítulos inteiros, como o XVIII (Os tempos são chegados), tenham sido profundamente modificados, com dezenas de alterações, supressões de parágrafos e introdução de notas não atribuíveis ao Codificador.

Contrapontos e Defesas da Autenticidade

Apesar das denúncias de adulteração, alguns pesquisadores defendem que Allan Kardec poderia ter deixado rascunhos ou revisões que justificassem as mudanças encontradas na edição de 1872. Argumenta-se que não há provas conclusivas de má-fé ou manipulação doutrinária intencional.

Pesquisas tipográficas em exemplares originais franceses atestam que as quatro primeiras edições são idênticas entre si, reforçando a autenticidade desse conjunto. Entretanto, a 5ª edição permanece controversa: publicada após a morte de Kardec, não há documento que comprove sua autorização expressa.

Em 2018, a Fundação Espírita André Luiz (FEAL) lançou uma edição baseada na 1ª edição de 1868, considerada “sem adulterações”, buscando garantir aos leitores e estudiosos acesso ao texto conforme publicado pelo Codificador em vida.

Dados Verificados Recentemente

  • Exemplares originais preservados na Biblioteca Nacional da França (BNF) e nos Arquivos Nacionais confirmam que as quatro primeiras edições (1868 e início de 1869) são idênticas em conteúdo e formato.
  • O depósito legal da quinta edição está registrado em dezembro de 1872, ou seja, após a desencarnação de Kardec.
  • O endereço da editora constante na capa da 5ª edição (“Librairie Spirite et des Sciences Psychologiques, 7, rue de Lille”) não existia na época de Kardec, reforçando que a publicação ocorreu depois de sua morte.

Avaliação: Qual Versão Seguir?

À luz dos dados atuais, pode-se afirmar:

  • As quatro primeiras edições representam com fidelidade o texto publicado por Allan Kardec em vida.
  • A quinta edição introduziu mudanças relevantes, algumas com impacto doutrinário, como na abordagem dos milagres do Evangelho, da desaparição do corpo de Cristo e da aplicação do método do “duplo controle”.
  • Ainda não existe prova documental de que Kardec tenha aprovado ou redigido as modificações que aparecem na edição de 1872.

Por isso, para quem deseja estudar a Doutrina Espírita com segurança, é recomendável priorizar as edições baseadas no texto de 1868 (1ª a 4ª edições), preferencialmente em traduções críticas ou versões restauradas.

Relação com a Doutrina Espírita e a Revista Espírita

A Doutrina Espírita, conforme codificada por Allan Kardec, exige rigor intelectual, honestidade e fidelidade ao ensino dos Espíritos. A Revista Espírita (1858-1869) mostra como Kardec procedia, sempre submetendo conteúdos ao crivo da lógica e à universalidade do ensino dos Espíritos.

Alterações posteriores à sua desencarnação levantam, portanto, sérias implicações: o risco de se comprometer a clareza doutrinária, gerar interpretações equivocadas e afastar os leitores do pensamento genuíno do Codificador.

Conclusão

A polêmica em torno da quinta edição de A Gênese não pode ser resolvida por impressões pessoais ou sentimentos de indignação, mas sim pelo estudo histórico, documental e crítico.

Os dados indicam que:

  • As quatro primeiras edições são a fonte mais segura do pensamento de Allan Kardec.
  • A quinta edição, embora traga o rótulo de “revista e corrigida”, foi publicada após sua desencarnação e não possui comprovação inequívoca de sua autoria.

Assim, para preservar a integridade da Doutrina Espírita, é prudente que estudiosos e instituições adotem como referência o texto de 1868, cotejado com traduções sérias e pesquisas acadêmicas.

Referências

  • Privato Goidanich, S. O Legado de Allan Kardec. São Paulo: USE, 2018.
  • Sausse, Henri. “Une infamie”. Le Spiritisme, dezembro de 1884. Disponível em: Biblioteca Espírita Digital.
  • Grupo de Estudos Chico Xavier. A Gênese: 150 anos – Valor da obra e suas primeiras edições francesas. Disponível em: grupochicoxavier.com.br.
  • Federação Espírita Missionária do Sul (FEMS). A Gênese: os milagres e as predições segundo o Espiritismo. Disponível em: fems.org.br.
  • Sociedade Catarinense de Estudos Espíritas (SCEE). O porquê do estudo de A Gênese. Disponível em: scee.org.br.
  • Fundação Espírita André Luiz (FEAL). A Gênese: versão original sem adulterações. São Paulo, 2018. Disponível em: candeia.com.
  • Biblioteca Nacional da França (BNF) e Arquivos Nacionais (AN). Registros de depósito legal e exemplares originais digitalizados.
  • Portal do Espírito. Artigos comemorativos e análises sobre A Gênese. Disponível em: espirito.org.br.
  • COMKardec. Edições de A Gênese em francês digitalizadas. Disponível em: comkardec.net.br.

 

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