sexta-feira, 5 de setembro de 2025

A GAVETA DA IDENTIDADE
REFLEXÕES ESPÍRITAS
SOBRE MEMÓRIA, VELHICE E RESPEITO
- A Era do Espírito -

Introdução

A cena simples de uma idosa diante da gaveta que guarda suas lembranças revela muito mais do que um instante doméstico. Ali está condensada uma profunda questão espiritual: o valor da memória, da identidade e do respeito devido àqueles que atravessaram a longa estrada da vida.

O Espiritismo, codificado por Allan Kardec, nos ensina que a existência terrena é apenas um capítulo na trajetória do Espírito imortal. Entretanto, cada capítulo contém marcas singulares, experiências e afetos que jamais devem ser desprezados. A velhice, longe de ser um peso, é um campo fértil de aprendizado e de testemunho, em que a alma colhe os frutos do que semeou.

A memória como tesouro do Espírito

A idosa da narrativa recusa chamar de lixo os objetos guardados em sua gaveta. São testemunhos materiais que reavivam lembranças, que fortalecem sua identidade e lhe oferecem consolo contra o esquecimento.

Em O Livro dos Espíritos, questão 392, os Espíritos explicam que durante a encarnação o ser humano não se recorda nitidamente de suas vidas passadas, mas conserva a intuição e as tendências. Do mesmo modo, os objetos e símbolos do presente funcionam como âncoras que ajudam a memória fragilizada a não se perder. O que chamamos de lembrança ou apego a pequenas coisas pode ser, para o idoso, a reafirmação de que sua vida teve sentido.

Kardec, em A Gênese (cap. XI), lembra que a memória é atributo essencial do Espírito, que jamais se apaga. Mesmo que o cérebro físico apresente limitações, as lembranças permanecem no ser imortal, aguardando o instante de serem plenamente reavivadas após a desencarnação.

O respeito devido aos idosos

A Doutrina Espírita insiste que a vida deve ser respeitada em todas as fases. Se a infância representa o futuro, a velhice representa a experiência. Ambos são extremos da existência que exigem cuidado, paciência e carinho.

Na Revista Espírita de fevereiro de 1866, Allan Kardec comenta que a ingratidão filial é uma das mais graves faltas perante a lei divina. Aquele que não respeita os pais ou avós esquece que lhes deve a própria existência e preparo para a vida.

Jesus mesmo, em sua passagem pela Terra, demonstrou reverência aos mais velhos e ensinou que a verdadeira grandeza está em servir com amor. O idoso não é um fardo: é um patrimônio moral e espiritual da família e da sociedade.

A ilusão da inutilidade

A narrativa mostra a idosa dependente, limitada nos movimentos e relegada a um papel secundário na rotina da casa. No entanto, segundo o Espiritismo, a utilidade do ser humano não se mede pela força física ou pela produção material.

Em O Livro dos Espíritos, questão 573, os Espíritos afirmam que todos têm uma missão, seja grande ou pequena. Na velhice, a missão pode se resumir ao testemunho silencioso da fé, da paciência e da resignação, inspirando os mais jovens.

Léon Denis, em O Problema do Ser e do Destino, reforça que cada fase da vida é necessária ao amadurecimento da alma, e que a velhice é como o outono que prepara o espírito para a colheita espiritual.

O valor da gratidão

A ingratidão é um dos maiores entraves ao progresso moral da humanidade. Kardec, em O Evangelho Segundo o Espiritismo (cap. XIV), explica que honrar pai e mãe é mais do que um dever: é um ato de amor e reconhecimento pelo que recebemos.

Quando os filhos e netos desprezam os mais velhos, retirando-lhes voz e autonomia, ferem a lei de Deus, que estabelece a solidariedade entre as gerações. Respeitar os idosos é reconhecer que todos caminhamos para a mesma etapa da existência e que um dia desejaremos ser tratados com a mesma dignidade.

Conclusão

A gaveta da identidade, com suas fitas, papéis e fotografias, simboliza o valor da memória na preservação da dignidade humana. Mais que objetos, ela guarda histórias de amor, luta e dedicação.

À luz do Espiritismo, compreendemos que a velhice é etapa sagrada de aprendizado, em que o Espírito se prepara para a volta ao mundo espiritual. Cabe aos mais jovens oferecer apoio, carinho e respeito, reconhecendo que os idosos são colunas de experiência e exemplos vivos do que fomos e do que ainda seremos.

Que possamos, portanto, abrir as gavetas da vida não para descartá-las, mas para nelas encontrar tesouros de afeto, lições de fé e a grande oportunidade de praticar a caridade em seu mais sublime aspecto: o amor em família.

Referências

  • KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de Guillon Ribeiro. FEB.
  • KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. FEB.
  • KARDEC, Allan. A Gênese. FEB.
  • KARDEC, Allan. Revista Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos (1858-1869).
  • DENIS, Léon. O Problema do Ser, do Destino e da Dor. FEB.
  • XAVIER, Francisco Cândido (espírito Emmanuel). O Consolador. FEB.
  • Momento Espírita. “A Gaveta da Identidade”. Disponível em: https://www.momento.com.br/pt/ler_texto.php?id=1580&let=G&stat=0.

 

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