Introdução
A cena simples de uma idosa diante da gaveta que
guarda suas lembranças revela muito mais do que um instante doméstico. Ali está
condensada uma profunda questão espiritual: o valor da memória, da identidade e
do respeito devido àqueles que atravessaram a longa estrada da vida.
O Espiritismo, codificado por Allan Kardec, nos
ensina que a existência terrena é apenas um capítulo na trajetória do Espírito
imortal. Entretanto, cada capítulo contém marcas singulares, experiências e
afetos que jamais devem ser desprezados. A velhice, longe de ser um peso, é um
campo fértil de aprendizado e de testemunho, em que a alma colhe os frutos do
que semeou.
A memória
como tesouro do Espírito
A idosa da narrativa recusa chamar de lixo os
objetos guardados em sua gaveta. São testemunhos materiais que reavivam
lembranças, que fortalecem sua identidade e lhe oferecem consolo contra o
esquecimento.
Em O Livro dos Espíritos, questão 392, os
Espíritos explicam que durante a encarnação o ser humano não se recorda
nitidamente de suas vidas passadas, mas conserva a intuição e as tendências.
Do mesmo modo, os objetos e símbolos do presente funcionam como âncoras que
ajudam a memória fragilizada a não se perder. O que chamamos de lembrança ou
apego a pequenas coisas pode ser, para o idoso, a reafirmação de que sua vida
teve sentido.
Kardec, em A Gênese (cap. XI), lembra que a
memória é atributo essencial do Espírito, que jamais se apaga. Mesmo que o
cérebro físico apresente limitações, as lembranças permanecem no ser imortal,
aguardando o instante de serem plenamente reavivadas após a desencarnação.
O
respeito devido aos idosos
A Doutrina Espírita insiste que a vida deve ser
respeitada em todas as fases. Se a infância representa o futuro, a velhice
representa a experiência. Ambos são extremos da existência que exigem cuidado,
paciência e carinho.
Na Revista Espírita de fevereiro de 1866,
Allan Kardec comenta que a ingratidão filial é uma das mais graves faltas
perante a lei divina. Aquele que não respeita os pais ou avós esquece que lhes
deve a própria existência e preparo para a vida.
Jesus mesmo, em sua passagem pela Terra, demonstrou
reverência aos mais velhos e ensinou que a verdadeira grandeza está em servir
com amor. O idoso não é um fardo: é um patrimônio moral e espiritual da família
e da sociedade.
A ilusão
da inutilidade
A narrativa mostra a idosa dependente, limitada nos
movimentos e relegada a um papel secundário na rotina da casa. No entanto,
segundo o Espiritismo, a utilidade do ser humano não se mede pela força física
ou pela produção material.
Em O Livro dos Espíritos, questão 573, os
Espíritos afirmam que todos têm uma missão, seja grande ou pequena. Na velhice,
a missão pode se resumir ao testemunho silencioso da fé, da paciência e da
resignação, inspirando os mais jovens.
Léon Denis, em O Problema do Ser e do Destino,
reforça que cada fase da vida é necessária ao amadurecimento da alma, e que a
velhice é como o outono que prepara o espírito para a colheita espiritual.
O valor
da gratidão
A ingratidão é um dos maiores entraves ao progresso
moral da humanidade. Kardec, em O Evangelho Segundo o Espiritismo (cap.
XIV), explica que honrar pai e mãe é mais do que um dever: é um ato de amor e
reconhecimento pelo que recebemos.
Quando os filhos e netos desprezam os mais velhos,
retirando-lhes voz e autonomia, ferem a lei de Deus, que estabelece a
solidariedade entre as gerações. Respeitar os idosos é reconhecer que todos
caminhamos para a mesma etapa da existência e que um dia desejaremos ser
tratados com a mesma dignidade.
Conclusão
A gaveta da identidade, com suas fitas, papéis e
fotografias, simboliza o valor da memória na preservação da dignidade humana.
Mais que objetos, ela guarda histórias de amor, luta e dedicação.
À luz do Espiritismo, compreendemos que a velhice é
etapa sagrada de aprendizado, em que o Espírito se prepara para a volta ao
mundo espiritual. Cabe aos mais jovens oferecer apoio, carinho e respeito,
reconhecendo que os idosos são colunas de experiência e exemplos vivos do que
fomos e do que ainda seremos.
Que possamos, portanto, abrir as gavetas da vida
não para descartá-las, mas para nelas encontrar tesouros de afeto, lições de fé
e a grande oportunidade de praticar a caridade em seu mais sublime aspecto: o
amor em família.
Referências
- KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de Guillon
Ribeiro. FEB.
- KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. FEB.
- KARDEC, Allan. A Gênese. FEB.
- KARDEC, Allan. Revista Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos
(1858-1869).
- DENIS, Léon. O Problema do Ser, do Destino e da Dor. FEB.
- XAVIER, Francisco Cândido (espírito Emmanuel). O Consolador.
FEB.
- Momento Espírita. “A Gaveta da Identidade”. Disponível em: https://www.momento.com.br/pt/ler_texto.php?id=1580&let=G&stat=0.
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