sexta-feira, 5 de setembro de 2025

O REINO QUE NÃO É DESTE MUNDO
O PONTO DE VISTA DA VIDA FUTURA
NA DOUTRINA ESPÍRITA
- A Era do Espírito -

Introdução

Ao dialogar com Pilatos, Jesus proclamou uma verdade que ecoa pelos séculos: “O meu reino não é deste mundo” (João 18:33-37). Nessa afirmação simples e profunda, encontra-se a chave para compreender a essência de seu ensinamento: a vida futura. Todas as máximas morais do Cristo só encontram plena coerência se vistas à luz da imortalidade da alma e da continuidade da vida além da morte.

O Espiritismo, surgindo na segunda metade do século XIX sob a codificação de Allan Kardec, veio confirmar, esclarecer e ampliar essa lição fundamental. Pela revelação dos Espíritos, a vida futura deixa de ser artigo de fé ou crença vaga, para se tornar uma realidade comprovada por fatos, acessível à razão e ao coração.

A vida futura como núcleo do Evangelho

No capítulo II de O Evangelho Segundo o Espiritismo, Kardec observa que sem a vida futura, os ensinos de Jesus seriam incompreensíveis ou pueris. O Cristo, consciente da limitação espiritual de seu tempo, semeou a ideia da imortalidade de forma gradual, apresentando-a como lei natural e destino inevitável de todos os homens.

Enquanto os judeus ainda vinculavam a recompensa divina a bens materiais e vitórias terrenas, Jesus revelou que o verdadeiro Reino está além da matéria, onde reina a justiça de Deus. O Espiritismo, por sua vez, mostra que esse Reino não é mera esperança, mas continuidade da vida, com responsabilidades, consequências e progresso.

O ponto de vista espírita

Kardec desenvolve, tanto em O Evangelho Segundo o Espiritismo (Cap. II, item 5-7), quanto na Revista Espírita (julho de 1862), o conceito do “ponto de vista”. A mudança de perspectiva é essencial: quem encara a vida apenas pela ótica material vê suas dores e perdas como desastres insuportáveis; mas aquele que se coloca, pelo pensamento, no horizonte da vida espiritual, percebe a brevidade da existência terrestre e enfrenta as vicissitudes com serenidade.

Assim como um homem que contempla uma cidade do alto de uma montanha percebe a pequenez dos monumentos que antes lhe pareciam grandiosos, o Espírito esclarecido relativiza os dramas terrenos diante da eternidade.

Essa visão não leva à ociosidade ou à indiferença, como alguns poderiam supor. Ao contrário, conforme ensina Kardec, o Espírito que compreende a vida futura trabalha melhor na Terra, sabendo que suas obras repercutem em seu destino espiritual. Dessa forma, o Espiritismo concilia progresso material e progresso moral, revelando a utilidade da vida corpórea no plano da Providência.

Justiça divina e responsabilidade moral

O Livro dos Espíritos, especialmente no Livro Quarto, apresenta de maneira lógica e racional a relação entre vida futura, justiça de Deus e responsabilidade moral. A imortalidade implica a conservação da individualidade após a morte, o que exclui tanto a ideia de aniquilamento no nada quanto a dissolução da consciência no “oceano do infinito”.

A cada existência, o Espírito progride, experimenta, erra, aprende e repara. A intuição moral, os remorsos e as tendências instintivas são reminiscências do passado, sinais da continuidade do ser. As penas e recompensas futuras não são punições arbitrárias, mas consequências naturais dos atos, reflexos da lei de causa e efeito que garante a harmonia universal.

Assim, a felicidade prometida por Jesus não se reduz a formalidades exteriores ou crenças dogmáticas. Como afirma Kardec no Cap. XV de O Evangelho Segundo o Espiritismo, a condição única da felicidade futura é a caridade, que sintetiza todas as virtudes e combate as raízes do egoísmo e do orgulho.

Consolação e responsabilidade

O Espiritismo cumpre a promessa do Cristo Consolador (João 14:16-17), trazendo à humanidade a certeza experimental da vida futura. Testemunhos de Espíritos descrevem suas situações após a morte, confirmando que a vida continua, com consequências justas para cada um.

Esse conhecimento produz dois efeitos:

  1. Consolação – A morte deixa de ser o “nada” ou um castigo eterno. Torna-se porta de libertação e reencontro, como pressentiu Santo Agostinho ao confiar que sua mãe, Santa Mônica, viria visitá-lo após a desencarnação.
  2. Responsabilidade – A fé raciocinada elimina ilusões e convoca o homem a viver com ética, renúncia e caridade, pois sabe que cada escolha repercute em sua felicidade espiritual.

Conclusão

O Reino de Jesus não pertence às ilusões transitórias da Terra, mas à vida verdadeira do Espírito. O Espiritismo, ao demonstrar a realidade dessa vida futura, amplia o ponto de vista humano, liberta da angústia, consola nas dores e inspira ao trabalho perseverante pelo bem.

Mais do que uma crença, a imortalidade é uma lei da natureza, inscrita na consciência e confirmada pela razão. O Cristo ensinou, e o Espiritismo esclarece: a vida continua, e a felicidade eterna é fruto da caridade e do progresso moral.

Referências

  • KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Capítulos II, XV, XXIII e XXIV.
  • KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Livro Quarto – Capítulo II.
  • KARDEC, Allan. Revista Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos (1858-1869). Julho de 1862: “O Ponto de Vista”.
  • KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno. Primeira parte: Doutrina.
  • KARDEC, Allan. A Gênese. Cap. II e XI.
  • Obras subsidiárias: XAVIER, Francisco Cândido (espírito Emmanuel). O Consolador.
  • Obras subsidiárias: DENIS, Léon. O Problema do Ser e do Destino .

 

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