Introdução
Ao dialogar com Pilatos, Jesus proclamou uma
verdade que ecoa pelos séculos: “O meu reino não é deste mundo” (João
18:33-37). Nessa afirmação simples e profunda, encontra-se a chave para
compreender a essência de seu ensinamento: a vida futura. Todas as máximas
morais do Cristo só encontram plena coerência se vistas à luz da imortalidade
da alma e da continuidade da vida além da morte.
O Espiritismo, surgindo na segunda metade do século
XIX sob a codificação de Allan Kardec, veio confirmar, esclarecer e ampliar
essa lição fundamental. Pela revelação dos Espíritos, a vida futura deixa de
ser artigo de fé ou crença vaga, para se tornar uma realidade comprovada por
fatos, acessível à razão e ao coração.
A vida
futura como núcleo do Evangelho
No capítulo II de O Evangelho Segundo o
Espiritismo, Kardec observa que sem a vida futura, os ensinos de Jesus
seriam incompreensíveis ou pueris. O Cristo, consciente da limitação espiritual
de seu tempo, semeou a ideia da imortalidade de forma gradual, apresentando-a
como lei natural e destino inevitável de todos os homens.
Enquanto os judeus ainda vinculavam a recompensa
divina a bens materiais e vitórias terrenas, Jesus revelou que o verdadeiro
Reino está além da matéria, onde reina a justiça de Deus. O Espiritismo, por
sua vez, mostra que esse Reino não é mera esperança, mas continuidade da
vida, com responsabilidades, consequências e progresso.
O ponto
de vista espírita
Kardec desenvolve, tanto em O Evangelho Segundo
o Espiritismo (Cap. II, item 5-7), quanto na Revista Espírita (julho de
1862), o conceito do “ponto de vista”. A mudança de perspectiva é
essencial: quem encara a vida apenas pela ótica material vê suas dores e perdas
como desastres insuportáveis; mas aquele que se coloca, pelo pensamento, no
horizonte da vida espiritual, percebe a brevidade da existência terrestre e
enfrenta as vicissitudes com serenidade.
Assim como um homem que contempla uma cidade do
alto de uma montanha percebe a pequenez dos monumentos que antes lhe pareciam
grandiosos, o Espírito esclarecido relativiza os dramas terrenos diante da
eternidade.
Essa visão não leva à ociosidade ou à indiferença,
como alguns poderiam supor. Ao contrário, conforme ensina Kardec, o Espírito
que compreende a vida futura trabalha melhor na Terra, sabendo que suas
obras repercutem em seu destino espiritual. Dessa forma, o Espiritismo concilia
progresso material e progresso moral, revelando a utilidade da vida corpórea no
plano da Providência.
Justiça
divina e responsabilidade moral
O Livro dos Espíritos, especialmente no
Livro Quarto, apresenta de maneira lógica e racional a relação entre vida
futura, justiça de Deus e responsabilidade moral. A imortalidade implica a
conservação da individualidade após a morte, o que exclui tanto a ideia de
aniquilamento no nada quanto a dissolução da consciência no “oceano do
infinito”.
A cada existência, o Espírito progride,
experimenta, erra, aprende e repara. A intuição moral, os remorsos e as
tendências instintivas são reminiscências do passado, sinais da continuidade do
ser. As penas e recompensas futuras não são punições arbitrárias, mas
consequências naturais dos atos, reflexos da lei de causa e efeito que garante
a harmonia universal.
Assim, a felicidade prometida por Jesus não se
reduz a formalidades exteriores ou crenças dogmáticas. Como afirma Kardec no
Cap. XV de O Evangelho Segundo o Espiritismo, a condição única da
felicidade futura é a caridade, que sintetiza todas as virtudes e combate
as raízes do egoísmo e do orgulho.
Consolação
e responsabilidade
O Espiritismo cumpre a promessa do Cristo
Consolador (João 14:16-17), trazendo à humanidade a certeza experimental da
vida futura. Testemunhos de Espíritos descrevem suas situações após a morte,
confirmando que a vida continua, com consequências justas para cada um.
Esse conhecimento produz dois efeitos:
- Consolação – A morte deixa de ser o “nada” ou um castigo eterno. Torna-se porta de libertação e reencontro, como pressentiu Santo Agostinho ao confiar que sua mãe, Santa Mônica, viria visitá-lo após a desencarnação.
- Responsabilidade – A fé raciocinada elimina ilusões e convoca o homem a viver com ética, renúncia e caridade, pois sabe que cada escolha repercute em sua felicidade espiritual.
Conclusão
O Reino de Jesus não pertence às ilusões
transitórias da Terra, mas à vida verdadeira do Espírito. O Espiritismo, ao
demonstrar a realidade dessa vida futura, amplia o ponto de vista humano,
liberta da angústia, consola nas dores e inspira ao trabalho perseverante pelo
bem.
Mais do que uma crença, a imortalidade é uma lei da
natureza, inscrita na consciência e confirmada pela razão. O Cristo ensinou, e
o Espiritismo esclarece: a vida continua, e a felicidade eterna é fruto da
caridade e do progresso moral.
Referências
- KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Capítulos
II, XV, XXIII e XXIV.
- KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Livro Quarto –
Capítulo II.
- KARDEC, Allan. Revista Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos
(1858-1869). Julho de 1862: “O Ponto de Vista”.
- KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno. Primeira parte: Doutrina.
- KARDEC, Allan. A Gênese. Cap. II e XI.
- Obras subsidiárias: XAVIER, Francisco Cândido (espírito Emmanuel). O
Consolador.
- Obras subsidiárias: DENIS, Léon. O Problema do Ser e do Destino .
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