Introdução
A
maledicência — falar mal por falar mal — acompanha a humanidade desde os
primórdios da vida em sociedade. Antes restrita aos cochichos e pequenos
círculos de convivência, ganhou amplitude com os meios de comunicação modernos
e, especialmente, com as redes sociais digitais. Hoje, em segundos, um
comentário pode ser replicado, distorcido e transformado em instrumento de
destruição moral, muitas vezes sem qualquer responsabilidade por parte de quem
o propaga.
À luz
da Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec, a maledicência não é apenas
um hábito social indesejável: trata-se de um vício moral que compromete a
evolução do espírito. Os versos de Maria Dolores, psicografados por Francisco
Cândido Xavier, ecoam como advertência atual: “Se escutares na estrada / que essa ou aquela criatura vive errada, /
abençoa, trabalha e silencia”.
Este
artigo busca refletir, com base na Codificação Espírita e nas lições publicadas
na Revista Espírita (1858-1869), sobre a necessidade de combatermos a
maledicência em nossos dias e substituí-la pela prática da caridade moral.
A maledicência como vício moral
Segundo
Kardec, em O Evangelho segundo o Espiritismo (cap. X, item 19), a
indulgência é virtude fundamental para a convivência. Julgar severamente o
próximo, sem conhecer suas lutas íntimas, é demonstração de orgulho e falta de
caridade. A maledicência nasce desse mesmo terreno: uma forma de autoafirmação
pela comparação com a queda alheia.
Na Revista
Espírita (novembro de 1861), Kardec comenta que “a calúnia é uma das mais cruéis armas de que se servem os maus
Espíritos”. Essa observação continua válida, pois a palavra maldosa ainda
funciona como instrumento de obsessão coletiva, alimentando ressentimentos e
separações.
O cenário atual: redes sociais e amplificação do
mal
No
século XIX, a fofoca percorria salões e ruas. No século XX, ganhou o telefone e
os jornais sensacionalistas. No século XXI, a maledicência encontrou terreno
fértil nas redes sociais. Um estudo do Massachusetts Institute of Technology
(MIT, 2018) revelou que notícias falsas e negativas se espalham 70% mais rápido
que as verdadeiras. Isso demonstra como a maledicência, agora digitalizada,
encontrou alcance global.
Ao
compartilhar, curtir ou comentar conteúdos depreciativos, mesmo sem intenção
consciente, ampliamos o mal e colaboramos para a queda moral do outro. O
Espiritismo nos convida à reflexão: o que estamos alimentando em nossos
círculos virtuais?
O convite do bem: abençoar, trabalhar e silenciar
A
orientação “abençoa, trabalha e silencia”
propõe três atitudes fundamentais:
- Abençoar — Enviar vibrações
de paz e compaixão a quem erra, reconhecendo que todos estamos sujeitos a
tropeços.
- Trabalhar — Manter
vigilância sobre nossas próprias imperfeições, buscando corrigir-nos em
vez de nos compararmos aos equívocos alheios.
- Silenciar — Evitar ser
veículo da propagação do mal, usando a palavra apenas para edificar,
consolar e esclarecer.
Em O
Livro dos Espíritos (questão 766), os Espíritos afirmam que a vida social é
lei natural e necessária. No entanto, a convivência exige disciplina moral,
sobretudo naquilo que diz respeito ao uso da palavra.
Conclusão
Cada
um de nós terá seu dia de prova, queda e recomeço. O erro do próximo deve ser
para nós um alerta e não um espetáculo. A maledicência é um dos males
silenciosos que corroem a humanidade por dentro e, muitas vezes, passa
despercebida por sua aparente “inofensividade”.
Se
desejamos uma sociedade mais justa e fraterna, é urgente cultivar a
indulgência, fortalecer a caridade moral e usar nossos meios de comunicação —
presenciais ou digitais — como instrumentos de luz. Divulgar o bem é
multiplicar a esperança. E, diante do mal que descobrimos no outro, cabe-nos
apenas uma atitude digna: abençoar, trabalhar e silenciar.
Referências
- KARDEC, Allan. O
Evangelho segundo o Espiritismo. 1864.
- KARDEC, Allan. Revista
Espírita (1858-1869).
- KARDEC, Allan. O
Livro dos Espíritos. 1857.
- XAVIER, Francisco
Cândido (psicografia de Maria Dolores). Alma e Vida. Cap. 30. Ed.
CEU.
- MOMENTO ESPÍRITA. Cada
qual tem seu dia. Disponível em: momento.com.br.
- VOSOUGHI, S.; ROY,
D.; ARAL, S. The spread of true and false news online. Science, v.
359, n. 6380, 2018.
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