Introdução
Ao
longo da história do pensamento humano, diferentes tradições filosóficas e
espirituais buscaram compreender a unidade fundamental da realidade. Entre
essas concepções, destacam-se a mônada pitagórica e filosófica, a mônada
leibniziana, a centelha divina do hermetismo, gnosticismo e teosofia e, em
contraste e complemento, o princípio inteligente da Doutrina Espírita,
codificada por Allan Kardec no século XIX.
No
campo espírita pós-codificação espírita,
a obra Evolução em Dois Mundos (1958), ditada pelo Espírito André Luiz e
psicografada por Francisco Cândido Xavier e Waldo Vieira, apresenta a ideia de
“mônada” como sinônimo do princípio inteligente em marcha evolutiva.
Nela, a mônada é descrita como o ser elementar que progride em dois planos — o
físico e o espiritual — evidenciando a continuidade da vida e da aprendizagem
além da matéria.
Embora
haja proximidades com concepções anteriores, o Espiritismo traz uma visão
original: o ser não nasce pronto, mas “simples e ignorante”, avançando
lentamente pela lei do progresso.
1. A Mônada na Filosofia Antiga
- Pitágoras e os
pitagóricos:
a mônada era o número primordial, origem de todos os outros, princípio de
unidade e ordem cósmica.
- Neoplatonismo: concebida como o
"Um", fundamento da pluralidade, fonte do ser.
- Síntese: símbolo da
totalidade cósmica, mais metafísica do que ligada ao desenvolvimento
individual.
2. Leibniz e a Mônada Moderna
- Definição: substância simples,
indivisível e indestrutível.
- Características: cada mônada
possui percepções e apetites internos, em constante movimento.
- Harmonia
preestabelecida: regidas por Deus, as mônadas não interagem
diretamente.
- Limite: em Leibniz não há
evolução pela matéria, mas gradação de consciência.
3. A Mônada nas Tradições Esotéricas
- Gnosticismo: centelha divina
aprisionada na matéria, que busca retornar ao Pleroma.
- Teosofia: essência espiritual
imortal, parte do Absoluto, que se manifesta e evolui em planos
sucessivos.
- Hermetismo: a “centelha
divina” ou “Eu Sou”, expressão direta do Criador.
- Enfoque comum: a mônada é
considerada essência já perfeita, obscurecida pela matéria, mas não
submetida a um processo pedagógico de aperfeiçoamento.
4. A Mônada em Evolução em Dois Mundos
Na
obra de André Luiz (Evolução em Dois Mundos, cap. 1–3), a mônada é
apresentada como o princípio inteligente em marcha que, desde o átomo
primitivo, atravessa as experiências nos reinos da natureza, sob a tutela
divina, até alcançar a condição de Espírito consciente.
- Definição: a mônada é o ser
elemental, núcleo do princípio inteligente, que evolui paralelamente nos
planos físico e espiritual.
- Função: anima a matéria,
progride em complexidade, adquirindo atributos psíquicos e morais.
- Originalidade: mostra que não há
solução de continuidade entre os reinos da natureza, nem entre a vida
material e a vida espiritual.
- Conexão com Kardec: embora use a
palavra “mônada”, André Luiz a vincula claramente ao conceito de princípio
inteligente criado simples e ignorante (LE, q. 114), o qual progride
pela experiência, diferindo da noção esotérica de essência já perfeita.
5. O Princípio Inteligente na Doutrina Espírita
Na
Codificação de Kardec, encontramos as bases desse conceito:
- Definição: o princípio
inteligente é a força primordial, o germe da inteligência que se
individualiza progressivamente (O Livro dos Espíritos, q. 23 e
segs.).
- Trajetória: inicia-se nos
reinos inferiores, desenvolvendo-se até a condição de Espírito.
- Função: é o motor da
evolução, em união com a matéria, até se destacar dela.
- Finalidade: atingir a
perfeição relativa e a consciência plena diante de Deus.
- Revista Espírita: em diversos
artigos, Kardec reforça a ideia de que a alma não é criada pronta, mas
formada lentamente, diferenciando-se das concepções monadológicas
tradicionais.
6. Comparações e Contrastes
- Origem
- Mônada
clássica/esotérica: unidade eterna e já perfeita.
- Mônada em André
Luiz:
princípio inteligente em estado inicial, em processo de aquisição de
experiências.
- Princípio
inteligente (Kardec): criação divina, simples e ignorante, destinada
ao progresso.
- Natureza
- Mônada tradicional: centelha divina
autônoma, independente da matéria.
- Mônada em André
Luiz:
núcleo espiritual em evolução, em simbiose com a matéria e o perispírito.
- Princípio
inteligente:
força animadora, ligada à matéria como instrumento de aprendizado.
- Desenvolvimento
- Mônada de Leibniz: não evolui pela
matéria, apenas varia em percepção.
- Mônada esotérica: busca retorno ao
Uno, como essência pré-existente.
- Mônada em André
Luiz e princípio inteligente: evolui gradualmente pelos reinos da
natureza, em estágios sucessivos, até tornar-se Espírito.
- Finalidade
- Mônada
filosófica/esotérica: expressar a unidade cósmica ou retornar ao
Absoluto.
- Mônada em André
Luiz:
transformar-se em Espírito consciente, pela experiência em dois mundos.
- Princípio
inteligente (Kardec): evoluir, moralizar-se e cooperar com Deus,
atingindo perfeição relativa.
Conclusão
A
comparação entre as tradições filosóficas e esotéricas, a concepção espírita e
a abordagem de André Luiz revela tanto proximidades quanto diferenças
marcantes.
A mônada
clássica é, em geral, essência eterna e perfeita em si, enquanto o princípio
inteligente de Kardec nasce simples e ignorante, progredindo pela lei de
progresso. André Luiz, ao usar o termo “mônada”, aproxima-se mais da definição
espírita, descrevendo-a como o ser elementar em processo de ascensão contínua
nos dois planos da vida.
Assim,
o Espiritismo se distingue por oferecer uma visão dinâmica, pedagógica e
progressiva da evolução espiritual, em que cada etapa da existência — do átomo
ao anjo — é degrau necessário no caminho de aperfeiçoamento, sempre sob a
direção de Deus.
Referências
- KARDEC, Allan. O
Livro dos Espíritos. 1ª ed. 1857.
- KARDEC, Allan. A
Gênese. 1ª ed. 1868.
- KARDEC, Allan. Revista
Espírita (1858–1869).
- LEIBNIZ, G. W. Monadologia.
1714.
- MEAD, G. R. S. Fragments
of a Faith Forgotten. London: 1900.
- BLAVATSKY, H. P. A
Doutrina Secreta. 1888.
- FESTUGIÈRE, A. J. La
Révélation d’Hermès Trismégiste. Paris, 1944.
- CHURTON, Tobias. Gnostic
Philosophy: From Ancient Persia to Modern Times. Rochester: Inner
Traditions, 2005.
- XAVIER, Francisco
Cândido; VIEIRA, Waldo. Evolução em Dois Mundos. Pelo Espírito
André Luiz. FEB, 1958.
Nenhum comentário:
Postar um comentário