quinta-feira, 4 de setembro de 2025

A MÔNADA E O PRINCÍPIO INTELIGENTE
UM ESTUDO COMPARATIVO COM A DOUTRINA ESPÍRITA
- A Era do Espírito –

Introdução

Ao longo da história do pensamento humano, diferentes tradições filosóficas e espirituais buscaram compreender a unidade fundamental da realidade. Entre essas concepções, destacam-se a mônada pitagórica e filosófica, a mônada leibniziana, a centelha divina do hermetismo, gnosticismo e teosofia e, em contraste e complemento, o princípio inteligente da Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec no século XIX.

No campo espírita pós-codificação  espírita, a obra Evolução em Dois Mundos (1958), ditada pelo Espírito André Luiz e psicografada por Francisco Cândido Xavier e Waldo Vieira, apresenta a ideia de “mônada” como sinônimo do princípio inteligente em marcha evolutiva. Nela, a mônada é descrita como o ser elementar que progride em dois planos — o físico e o espiritual — evidenciando a continuidade da vida e da aprendizagem além da matéria.

Embora haja proximidades com concepções anteriores, o Espiritismo traz uma visão original: o ser não nasce pronto, mas “simples e ignorante”, avançando lentamente pela lei do progresso.

1. A Mônada na Filosofia Antiga

  • Pitágoras e os pitagóricos: a mônada era o número primordial, origem de todos os outros, princípio de unidade e ordem cósmica.
  • Neoplatonismo: concebida como o "Um", fundamento da pluralidade, fonte do ser.
  • Síntese: símbolo da totalidade cósmica, mais metafísica do que ligada ao desenvolvimento individual.

2. Leibniz e a Mônada Moderna

  • Definição: substância simples, indivisível e indestrutível.
  • Características: cada mônada possui percepções e apetites internos, em constante movimento.
  • Harmonia preestabelecida: regidas por Deus, as mônadas não interagem diretamente.
  • Limite: em Leibniz não há evolução pela matéria, mas gradação de consciência.

3. A Mônada nas Tradições Esotéricas

  • Gnosticismo: centelha divina aprisionada na matéria, que busca retornar ao Pleroma.
  • Teosofia: essência espiritual imortal, parte do Absoluto, que se manifesta e evolui em planos sucessivos.
  • Hermetismo: a “centelha divina” ou “Eu Sou”, expressão direta do Criador.
  • Enfoque comum: a mônada é considerada essência já perfeita, obscurecida pela matéria, mas não submetida a um processo pedagógico de aperfeiçoamento.

4. A Mônada em Evolução em Dois Mundos

Na obra de André Luiz (Evolução em Dois Mundos, cap. 1–3), a mônada é apresentada como o princípio inteligente em marcha que, desde o átomo primitivo, atravessa as experiências nos reinos da natureza, sob a tutela divina, até alcançar a condição de Espírito consciente.

  • Definição: a mônada é o ser elemental, núcleo do princípio inteligente, que evolui paralelamente nos planos físico e espiritual.
  • Função: anima a matéria, progride em complexidade, adquirindo atributos psíquicos e morais.
  • Originalidade: mostra que não há solução de continuidade entre os reinos da natureza, nem entre a vida material e a vida espiritual.
  • Conexão com Kardec: embora use a palavra “mônada”, André Luiz a vincula claramente ao conceito de princípio inteligente criado simples e ignorante (LE, q. 114), o qual progride pela experiência, diferindo da noção esotérica de essência já perfeita.

5. O Princípio Inteligente na Doutrina Espírita

Na Codificação de Kardec, encontramos as bases desse conceito:

  • Definição: o princípio inteligente é a força primordial, o germe da inteligência que se individualiza progressivamente (O Livro dos Espíritos, q. 23 e segs.).
  • Trajetória: inicia-se nos reinos inferiores, desenvolvendo-se até a condição de Espírito.
  • Função: é o motor da evolução, em união com a matéria, até se destacar dela.
  • Finalidade: atingir a perfeição relativa e a consciência plena diante de Deus.
  • Revista Espírita: em diversos artigos, Kardec reforça a ideia de que a alma não é criada pronta, mas formada lentamente, diferenciando-se das concepções monadológicas tradicionais.

6. Comparações e Contrastes

  • Origem
    • Mônada clássica/esotérica: unidade eterna e já perfeita.
    • Mônada em André Luiz: princípio inteligente em estado inicial, em processo de aquisição de experiências.
    • Princípio inteligente (Kardec): criação divina, simples e ignorante, destinada ao progresso.
  • Natureza
    • Mônada tradicional: centelha divina autônoma, independente da matéria.
    • Mônada em André Luiz: núcleo espiritual em evolução, em simbiose com a matéria e o perispírito.
    • Princípio inteligente: força animadora, ligada à matéria como instrumento de aprendizado.
  • Desenvolvimento
    • Mônada de Leibniz: não evolui pela matéria, apenas varia em percepção.
    • Mônada esotérica: busca retorno ao Uno, como essência pré-existente.
    • Mônada em André Luiz e princípio inteligente: evolui gradualmente pelos reinos da natureza, em estágios sucessivos, até tornar-se Espírito.
  • Finalidade
    • Mônada filosófica/esotérica: expressar a unidade cósmica ou retornar ao Absoluto.
    • Mônada em André Luiz: transformar-se em Espírito consciente, pela experiência em dois mundos.
    • Princípio inteligente (Kardec): evoluir, moralizar-se e cooperar com Deus, atingindo perfeição relativa.

Conclusão

A comparação entre as tradições filosóficas e esotéricas, a concepção espírita e a abordagem de André Luiz revela tanto proximidades quanto diferenças marcantes.

A mônada clássica é, em geral, essência eterna e perfeita em si, enquanto o princípio inteligente de Kardec nasce simples e ignorante, progredindo pela lei de progresso. André Luiz, ao usar o termo “mônada”, aproxima-se mais da definição espírita, descrevendo-a como o ser elementar em processo de ascensão contínua nos dois planos da vida.

Assim, o Espiritismo se distingue por oferecer uma visão dinâmica, pedagógica e progressiva da evolução espiritual, em que cada etapa da existência — do átomo ao anjo — é degrau necessário no caminho de aperfeiçoamento, sempre sob a direção de Deus.

Referências

  • KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 1ª ed. 1857.
  • KARDEC, Allan. A Gênese. 1ª ed. 1868.
  • KARDEC, Allan. Revista Espírita (1858–1869).
  • LEIBNIZ, G. W. Monadologia. 1714.
  • MEAD, G. R. S. Fragments of a Faith Forgotten. London: 1900.
  • BLAVATSKY, H. P. A Doutrina Secreta. 1888.
  • FESTUGIÈRE, A. J. La Révélation d’Hermès Trismégiste. Paris, 1944.
  • CHURTON, Tobias. Gnostic Philosophy: From Ancient Persia to Modern Times. Rochester: Inner Traditions, 2005.
  • XAVIER, Francisco Cândido; VIEIRA, Waldo. Evolução em Dois Mundos. Pelo Espírito André Luiz. FEB, 1958.

 

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