Introdução
Sob a
luz da Doutrina Espírita, a saúde humana não se reduz a um simples estado
biológico ou fisiológico, mas traduz o equilíbrio do ser espiritual em sua
integralidade. A Codificação Espírita, iniciada por Allan Kardec em 1857,
ampliou o entendimento das causas das enfermidades ao revelar que suas raízes
mais profundas se situam na história espiritual de cada indivíduo. As
instruções contidas na Revista Espírita
(1858–1869), bem como nas obras complementares do Espiritismo, demonstram que o
corpo físico é o reflexo das disposições morais e psíquicas do Espírito
encarnado, servindo como instrumento de provas, expiações e regeneração.
Este
artigo busca analisar, sob essa ótica, a gênese das enfermidades, destacando
que não existem “doenças” propriamente ditas, mas sim Espíritos doentes, que
trazem em si mesmos os desequilíbrios e débitos a serem reparados perante a Lei
Divina.
1. O afastamento da Lei Divina como raiz do
desequilíbrio
Conforme
os princípios espíritas, a origem de toda enfermidade está no afastamento do
ser das Leis Divinas. Quando o Espírito, por ignorância, orgulho ou egoísmo,
transgride essas leis morais que regem a vida universal, compromete sua
harmonia íntima. Esse estado desarmônico imprime-se no perispírito e, por sua
ação, repercute no corpo físico, predispondo-o a distúrbios que mais tarde
podem se manifestar como moléstias físicas ou psíquicas.
2. Há doentes, não “doenças”
Segundo
a Doutrina Espírita, “toda moléstia é de
origem espiritual”, visto que o corpo é simples instrumento do Espírito.
Assim, um mesmo quadro clínico pode ter causas distintas em cada indivíduo,
conforme o estado moral e os antecedentes espirituais que carrega. O que se
denomina “doença” nada mais é do que a exteriorização de desarmonias íntimas,
segundo os desígnios da Lei de Causa e Efeito, que rege as relações entre atos
e consequências na vida do Espírito.
3. O ser humano: enfermo em restauração
Emmanuel,
no livro Justiça Divina, afirma que “todos
somos doentes em laboriosa restauração”. Como Espíritos em processo de
aperfeiçoamento, reencarnamos na Terra — ainda classificada como mundo de
provas e expiações — a fim de reparar faltas cometidas e retificar abusos de
vidas passadas. As dificuldades e sofrimentos que enfrentamos, inclusive os de
ordem orgânica, não constituem castigos, mas meios educativos que visam
despertar a consciência para o bem e impulsionar o progresso moral.
4. A função educativa das enfermidades
As
enfermidades não devem ser vistas como desgraças ocasionais, mas como
instrumentos corretivos de que se vale a Providência Divina para regenerar o
Espírito. Segundo Emmanuel, o sofrimento “tem
função preciosa nos planos da alma”, sendo um “aguilhão benéfico” que
estimula a consciência a reerguer-se, favorecendo a renovação das ideias e dos
sentimentos. Quando bem compreendidas, as dores revelam-se recursos valiosos da
Bondade Divina, voltados à educação espiritual do ser.
5. A justiça divina nas enfermidades
Não há
injustiça no Universo. A Justiça Divina, expressão do Amor e da Sabedoria de
Deus, rege todas as situações. Cada dificuldade que enfrentamos insere-se num
plano maior de aperfeiçoamento, que respeita o livre-arbítrio e promove a
reeducação do Espírito. As enfermidades, à luz dessa lei, não representam
punições arbitrárias, mas consequências naturais de nossas próprias escolhas e
atitudes pretéritas, sempre voltadas à correção e ao reerguimento moral.
6. O perispírito e suas repercussões físicas
As
faltas e os abusos morais cometidos ao longo de sucessivas existências
imprimem-se no perispírito, que conserva as marcas das ações e das emoções do
Espírito. Quando este retorna à vida corpórea, o estado perispiritual atua
sobre a formação do novo organismo, podendo ocasionar deficiências, doenças
congênitas ou predisposições diversas. Por isso, as moléstias do corpo são, em
essência, exteriorizações das enfermidades da alma, que assim se manifestam
para possibilitar a reparação necessária.
7. A cura real depende da renovação interior
André Luiz, no livro No
Mundo Maior, afirma com propriedade: “O espírito delinquente será
imperiosamente o médico de si mesmo”. Embora os recursos da Medicina aliviem sintomas e
auxiliem a reorganização do corpo, a cura verdadeira exige a transformação
moral do indivíduo — a renovação dos pensamentos, dos sentimentos e das
atitudes. Emmanuel, em Fonte Viva,
complementa que raros alcançam a cura completa porque ela requer esforço
contínuo na mudança dos conteúdos mentais e das tendências morais
cristalizadas.
8. A medicina humana como recurso complementar
A
busca pelos recursos da ciência médica é lícita e recomendável, pois a
Misericórdia Divina a colocou ao nosso alcance para atenuar males e
proporcionar alívio. Contudo, sem o trabalho de regeneração interior — que
envolve a vivência do bem, o exercício da solidariedade, a disciplina dos
impulsos e a aceitação resignada das provas —, a enfermidade apenas mudará de
forma, retornando sob outros aspectos. A libertação definitiva só se consolida
quando o ser se renova moralmente e se reconcilia com as Leis de Deus.
Conclusão
As
enfermidades não surgem ao acaso nem constituem meros fenômenos biológicos.
Elas representam manifestações visíveis de desequilíbrios espirituais
acumulados, com função educativa e redentora. A Doutrina Espírita nos convida a
transcender a visão materialista da doença e a compreender que a verdadeira
cura provém do íntimo: da reconciliação com a Lei Divina, do empenho em
corrigir os desvios morais e da vivência do amor. Quando assumimos, com lucidez
e coragem, essa tarefa de autotransformação, tornamo-nos, pouco a pouco, os
legítimos médicos de nós mesmos, cooperando com os desígnios superiores que nos
conduzem à perfeição.
Referências
- Allan Kardec — O
Livro dos Espíritos; A Gênese.
- Revista Espírita
(1858–1869).
- Emmanuel — Justiça
Divina; Fonte Viva.
- André Luiz — No
Mundo Maior.
- Irmão X — Luz
Acima.
Nenhum comentário:
Postar um comentário