Introdução
Cecília Meirelles, uma das vozes mais sensíveis da
literatura brasileira, já apontava, há quase setenta anos, para um fenômeno que
hoje se intensificou: a pressa que consome a vida moderna. Em versos delicados,
a poetisa lamentava a ausência dos “dias extensos”, aqueles em que havia tempo
para contemplar, para amadurecer ideias, para viver com calma.
Vivemos em uma sociedade marcada pela aceleração.
De acordo com pesquisas recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS), os
casos de ansiedade e depressão aumentaram significativamente nas últimas
décadas, com destaque para o Brasil, que figura entre os países com maiores
índices de transtornos de ansiedade. Essa realidade parece confirmar a intuição
poética de Cecília: corremos sem saber exatamente quem ou o que nos persegue.
À luz da Doutrina Espírita, codificada por Allan
Kardec, essa reflexão ganha novas camadas. O Espiritismo nos convida a
considerar que o tempo, embora limitado na Terra, deve ser utilizado de maneira
equilibrada, voltado ao progresso moral, ao cultivo do espírito e ao
fortalecimento dos laços de amor e fraternidade.
A Doença
da Pressa
A vida moderna nos coloca dentro de um círculo
vicioso: trabalhar mais para consumir mais, consumir mais para buscar uma
satisfação que nunca chega. Esse “corre-corre” constante adoece corpos e
mentes, refletindo-se em níveis alarmantes de estresse.
Em O Livro dos Espíritos, na questão 780, os
Espíritos ensinam que “o progresso é lei
da natureza”, mas também lembram que esse progresso deve abranger tanto a
ciência quanto a moral. Quando avançamos apenas no campo material, esquecendo o
espiritual, criamos desequilíbrios que se manifestam em ansiedade, violência e falta
de sentido para viver.
Na Revista Espírita (dezembro de 1866),
Kardec comenta que a agitação social de seu tempo era resultado de uma
humanidade impaciente em alcançar resultados rápidos, mas sem preparo moral
correspondente. O diagnóstico continua atual: corremos muito, mas não sabemos
para onde.
O Remédio
do Espírito: Contemplação e Autoconhecimento
Para neutralizar a influência dessa vida apressada,
pequenas atitudes são fundamentais. O Espiritismo nos ensina que “conhece-te a ti mesmo” (O Livro dos
Espíritos, q. 919) é a chave para a verdadeira paz.
- Meditação e silêncio interior: pesquisas em neurociência
apontam que alguns minutos de respiração consciente reduzem os níveis de
cortisol, o hormônio do estresse. Para o espírita, esse hábito é também um
momento de sintonia com os bons Espíritos e com Deus.
- Contato com a natureza: além de benefícios
comprovados para a saúde mental, o contato com o meio ambiente nos lembra
da grandiosidade da Criação. Allan Kardec (em A Gênese, cap. VI)
ressalta que a harmonia da natureza é reflexo da harmonia divina.
- Oração: segundo Kardec (O Livro dos Espíritos, q.
659), a prece é sempre agradável a Deus quando feita com o coração
sincero. Longe de ser repetição mecânica, a oração é ponte de equilíbrio
que nos afasta da ansiedade e aproxima da serenidade espiritual.
Dias
Extensos: Uma Escolha de Vida
Não se trata de abolir compromissos ou negar as
exigências sociais, mas de cultivar um ritmo interior diferente. Podemos viver
os mesmos dias apressados que o mundo impõe, mas de forma consciente,
equilibrada e espiritualizada.
Dias extensos não dependem do relógio, mas do
olhar. Um instante de ternura em família, alguns minutos de leitura edificante,
uma prece antes de dormir: gestos simples transformam a rotina e ampliam nossa
percepção do tempo.
A Doutrina Espírita nos recorda que o tempo
terrestre é uma oportunidade sagrada para o progresso moral. Assim,
aproveitá-lo com calma e sabedoria é também uma forma de respeitar a lei
divina.
Conclusão
Cecília Meirelles enxergou o que hoje é evidente: a
pressa corrói nossa capacidade de contemplação, de aprendizado e de amor.
Contudo, ainda há tempo para reverter esse quadro. O Espiritismo nos convida a
transformar o corre-corre em oportunidade de crescimento, lembrando que a vida
é passageira, mas o espírito é eterno.
Que saibamos cultivar dias extensos, cheios
de significado, serenidade e fraternidade, para que a eternidade não nos
encontre cansados, mas conscientes de termos vivido bem cada instante.
Referências
- KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 1857.
- KARDEC, Allan. A Gênese. 1868.
- KARDEC, Allan. Revista Espírita (1858-1869). Diversos
números.
- MEIRELLES, Cecília. Poesia Completa, v. 2. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira.
- OMS – Organização Mundial da Saúde. Relatório de Saúde Mental,
2022.
- Momento Espírita. Quem corre atrás de nós? Disponível em:
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