Introdução
Em março
de 2004, o jornal O Estado de São Paulo publicou uma reportagem sobre o
neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, professor titular de Neurobiologia
da Duke University (EUA), que alcançou notoriedade mundial por suas pesquisas
pioneiras no campo da interface cérebro-máquina. Seu trabalho com implantes
cerebrais em macacos demonstrou que sinais neurais podem ser convertidos em
comandos para o controle de braços robóticos e outros dispositivos externos.
Esses
avanços possuem grande potencial para a medicina, especialmente no tratamento
de pessoas com paralisias, ao permitir que próteses respondam diretamente aos
impulsos cerebrais. Do ponto de vista espírita, entretanto, tais descobertas
também suscitam reflexões sobre a relação entre o cérebro e o espírito, abrindo
espaço para diálogos fecundos entre ciência e espiritualidade.
O cérebro como instrumento
O sistema
desenvolvido pela equipe de Nicolelis registra e interpreta pulsos elétricos do
cérebro, convertendo-os em comandos que movimentam máquinas. A plasticidade
cerebral – sua capacidade de adaptação – permite que o cérebro integre o novo
recurso tecnológico como se fosse parte do próprio corpo.
Embora
esses experimentos possam parecer reforçar teses materialistas, a Doutrina
Espírita nos convida a enxergar além da superfície. Em O Livro dos Espíritos,
Kardec pergunta aos Espíritos Superiores sobre a relação entre a alma e os
órgãos físicos:
Questão
369:
“Os órgãos são os instrumentos da
manifestação das faculdades da alma (...).”
Questão
370:
“Não confundais o efeito com a
causa. (...) Não são os órgãos que dão as faculdades, e sim estas que
impulsionam o desenvolvimento dos órgãos.”
Ou seja,
o cérebro é uma ferramenta de expressão, não a fonte primeira das faculdades
intelectuais e morais. O Espírito é o ser pensante; o cérebro, o meio pelo qual
ele se manifesta no mundo material.
A analogia do robô
Um
observador desavisado, ao ver um braço robótico se mover em laboratório,
poderia pensar que o robô tem vida própria. Mas o movimento só acontece porque
há um cérebro – e, por extensão, uma consciência – emitindo comandos. De forma
análoga, os órgãos humanos não possuem livre-arbítrio. Quem decide e comanda é
o Espírito, utilizando-se do cérebro e do corpo por meio do perispírito, esse
elo sutil entre a alma e a matéria, descrito por Kardec em A Gênese
(1868).
Assim
como o chip e o computador são mediadores indispensáveis entre o cérebro e o
robô, o perispírito é o intermediário imprescindível entre o Espírito e o corpo
físico.
Convergências com a pesquisa espírita
A Revista
Espírita (1858-1869) apresenta inúmeros relatos de manifestações de
Espíritos sobre objetos físicos, sempre com a participação de médiuns capazes
de fornecer os fluidos necessários. À luz disso, podemos conjecturar que, assim
como o cérebro comanda um robô via chip, talvez Espíritos desencarnados
pudessem, em condições adequadas, interagir com dispositivos tecnológicos
utilizando recursos semelhantes.
Se no
século XIX Kardec investigava mesas girantes e cestas de bico, no século XXI a
ciência estuda interfaces neurais e robôs. O princípio, porém, é semelhante:
existe uma inteligência que se manifesta por meio de instrumentos materiais,
mas cuja origem não se confunde com eles.
Desafios e horizontes
Um ponto
em aberto é se a plasticidade observada nos experimentos é apenas uma
característica do cérebro ou se também expressa a capacidade adaptativa do
Espírito. A Doutrina Espírita sugere que o ser inteligente é a causa primeira,
mas deixa espaço para a pesquisa científica confirmar ou refutar hipóteses.
O mais
relevante, para nós espíritas, é perceber que essas pesquisas não explicam a
origem dos impulsos cerebrais. Elas demonstram como os sinais se processam, mas
não esclarecem de onde parte a decisão consciente. É aí que o Espiritismo
acrescenta uma chave interpretativa: o Espírito é a fonte, responsável por
pensamentos, atos e pela identidade pessoal.
Conclusão
As
pesquisas de Miguel Nicolelis são motivo de esperança para a medicina e também
de reflexão para a filosofia espírita. Mostram que o cérebro é um instrumento
versátil, mas não explicam a causa profunda da vontade. Kardec já alertava que,
se os órgãos fossem a origem das faculdades, o homem seria apenas uma máquina
sem liberdade moral.
A
Doutrina Espírita, portanto, não se opõe à ciência, mas a complementa,
indicando que além dos circuitos cerebrais existe a consciência espiritual,
origem da vida inteligente. Preservar esse entendimento é essencial para que a
humanidade avance não apenas tecnologicamente, mas também moral e
espiritualmente.
Referências
- KARDEC, Allan. O Livro
dos Espíritos. Paris: 1857.
- KARDEC, Allan. A Gênese.
Paris: 1868.
- KARDEC, Allan (dir.). Revista
Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos. Paris: 1858-1869.
- FONSECA, Alexandre Fontes
da. Chips em Cérebros: o que diz o Espiritismo. Revista
Internacional de Espiritismo, fev. 2005.
- Jornal O Estado de São
Paulo, 21 mar. 2004. Reportagem sobre Miguel Nicolelis.
Nenhum comentário:
Postar um comentário