Introdução
A palavra “educar”, oriunda do latim educere
— “conduzir para fora” — revela que a verdadeira educação não consiste em
encher o indivíduo de informações, mas em ajudá-lo a despertar as
potencialidades já presentes em seu íntimo. Essa ideia, presente na filosofia e
na pedagogia desde a Antiguidade, ganha especial relevância quando confrontada
com o risco da doutrinação, isto é, o simples condicionamento mental
pela repetição de ideias não questionadas.
Na contemporaneidade, marcada por intensas
polarizações políticas, religiosas e culturais, torna-se urgente distinguir educação,
que liberta, de doutrinação, que aprisiona. À luz da Doutrina Espírita
codificada por Allan Kardec, essa distinção está ligada ao próprio processo
evolutivo do Espírito, que só progride quando estimulado ao raciocínio, ao
discernimento e ao exercício da liberdade responsável.
Educação:
guia para fora de si
Educar é despertar. É guiar o ser humano para fora
de seu estado de potencialidade ainda latente, ajudando-o a desenvolver
inteligência, moralidade e sensibilidade social. Esse processo se realiza de
forma contínua e em múltiplos espaços: família, escola, trabalho, convivência
social e até mesmo nas experiências espirituais da vida cotidiana.
Segundo dados da UNESCO (2024), mais de 250 milhões
de crianças e jovens em idade escolar permanecem fora das salas de aula no
mundo. Isso demonstra que, sem políticas inclusivas de educação integral — que
contemplem não apenas conteúdos, mas também valores —, a humanidade continuará
reproduzindo desigualdades.
A Doutrina Espírita reforça que a educação é
elemento essencial do progresso. No Livro dos Espíritos (q. 685), Kardec
afirma que “a educação é o conjunto dos hábitos adquiridos”, e adverte que sem
educação moral não há ordem nem previdência social.
Doutrina
e Doutrinação: distinções necessárias
O termo doutrina, em seu sentido original,
significa ensino, conjunto de princípios ou conhecimentos que orientam a ação.
Toda ciência, filosofia ou religião possui uma doutrina como corpo teórico que
fundamenta práticas. O Espiritismo, por exemplo, apresenta-se como uma
“doutrina filosófica de consequências morais” (O que é o Espiritismo,
1859).
Já a doutrinação representa o desvirtuamento
desse processo. Enquanto a doutrina legítima convida ao estudo, à análise e ao
livre exame, a doutrinação sufoca a liberdade de pensamento, impondo crenças
sem permitir questionamento. Allan Kardec combateu expressamente o dogmatismo e
sempre convidou os adeptos a submeterem os ensinos dos Espíritos ao crivo da
razão e da concordância universal (O Livro dos Médiuns, 1861; Revista
Espírita, jan. 1862).
Portanto, educar é libertar; doutrinar é
aprisionar. A educação promove autonomia intelectual e moral, enquanto a
doutrinação busca obediência cega.
Educação
moral e liberdade de consciência
Na visão espírita, a missão da educação não é
apenas transmitir informações, mas formar consciências livres e responsáveis.
Kardec observa, em O Livro dos Espíritos (q. 917), que a miséria moral —
fruto do egoísmo e da ignorância — só será vencida com uma “boa educação”,
entendida como a formação de hábitos de solidariedade e disciplina interior.
Isso implica que o verdadeiro educador não impõe
pensamentos, mas estimula reflexões. Como reforça a Revista Espírita
(abril de 1864), a instrução ilumina, mas apenas a educação moral “forma o
caráter e prepara as gerações para uma sociedade regenerada”.
Hoje, quando vemos debates sobre “doutrinação
ideológica” nas escolas, é importante distinguir: toda educação envolve
valores, mas valores não são dogmas; devem ser apresentados com diálogo,
estímulo ao pensamento crítico e respeito à pluralidade.
Conclusão
Educação e doutrinação não são sinônimos. Educar é
conduzir para fora, ajudar o ser humano a florescer em suas potencialidades.
Doutrinar é conduzir para dentro de um molde fixo, sufocando a autonomia da
consciência.
À luz do Espiritismo, a educação verdadeira é
libertadora, porque forma Espíritos conscientes de suas responsabilidades
diante da vida e do próximo. Já a doutrinação é limitadora, porque nega ao
Espírito o exercício de sua razão e de seu livre-arbítrio.
Se quisermos construir um futuro mais justo e
fraterno, precisamos apostar numa educação integral e moral, que prepare
cidadãos críticos, solidários e responsáveis — e não em mecanismos de controle
mental que repetem fórmulas. Como ensina a Doutrina Espírita, somente pela
educação moral será possível regenerar a humanidade e conduzi-la a estágios
mais elevados de civilização.
Referências
- KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de Guillon
Ribeiro. 88. ed. Brasília: FEB, 2024 [1857].
- KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. Tradução de Guillon
Ribeiro. 62. ed. Brasília: FEB, 2022 [1861].
- KARDEC, Allan. O que é o Espiritismo. Brasília: FEB, 2021
[1859].
- KARDEC, Allan. Revista Espírita: Jornal de Estudos Psicológicos.
1858-1869. Tradução de Guillon Ribeiro. Brasília: FEB, 2003.
- UNESCO. Relatório Global de Educação 2024. Paris: UNESCO,
2024.
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