segunda-feira, 22 de setembro de 2025

EPIDEMIAS PROVAS COLETIVAS E A VISÃO ESPÍRITA:
REFLEXÕES A PARTIR DA REVISTA ESPÍRITA (1867)
- A Era do Espírito -

Introdução

A história da humanidade registra inúmeras epidemias que, ao longo dos séculos, devastaram populações inteiras, modificaram estruturas sociais e provocaram reflexões sobre a fragilidade da vida. No século XIX, Allan Kardec, através da Revista Espírita, analisou fenômenos desse tipo à luz da Doutrina Espírita, interpretando-os não apenas como acontecimentos sanitários, mas também como provas morais e espirituais coletivas.

No número de julho de 1867, Kardec publicou correspondências e comunicações mediúnicas sobre uma epidemia que assolava a ilha Maurício. O relato mostra não apenas a dor física e social causada pelo flagelo, mas também as consequências morais da exploração humana em meio ao sofrimento, e a esperança sustentada pela fé espírita diante da morte.

Ao revisitarmos este episódio com os olhos do presente, podemos confrontar o olhar espírita com dados atuais sobre epidemias e crises globais, refletindo sobre como a mensagem espiritual permanece atual.

Epidemias e o Cenário Histórico

Na segunda metade do século XIX, a medicina ainda dava passos lentos no combate a epidemias. O quinino era, na época, um dos poucos recursos disponíveis contra febres graves, como a malária. A carta publicada por Kardec denuncia um aspecto recorrente em crises sanitárias: a especulação econômica diante da dor alheia. Comerciantes aumentavam exorbitantemente o preço do quinino, impossibilitando que os pobres tivessem acesso ao medicamento.

Esse quadro nos lembra situações recentes. Durante a pandemia da COVID-19, a escassez de insumos hospitalares, vacinas e medicamentos gerou debates semelhantes sobre desigualdade no acesso à saúde. Relatórios da Organização Mundial da Saúde (OMS, 2022) indicam que países ricos compraram, em alguns momentos, mais de 70% das vacinas disponíveis, enquanto populações inteiras de países pobres permaneceram desprotegidas. Assim como em 1867, a exploração econômica e a desigualdade social se revelam mais mortíferas que o próprio agente biológico da doença.

A Perspectiva Espírita: Provas e Regeneração

Segundo a Doutrina Espírita, as epidemias não devem ser vistas apenas como castigos coletivos, mas como provas e expiações necessárias para o progresso da humanidade. Kardec afirma, em O Livro dos Espíritos (questão 737), que os flagelos destruidores têm por fim “fazer avançar mais depressa o progresso da humanidade”, ao provocar reflexões profundas e acelerar transformações sociais e morais.

A comunicação mediúnica publicada na Revista Espírita (1867) reforça essa ideia ao falar da “grande emigração útil”, uma referência à partida de Espíritos que, após a morte física, prosseguem em sua evolução em novos contextos. Essa concepção não nega a dor, mas oferece um horizonte de esperança: a vida continua, e os que desencarnam participam de um processo coletivo de renovação.

Além disso, destaca-se a serenidade do espírita diante da morte. O correspondente da ilha Maurício, mesmo acometido pela doença, escreve com calma e confiança na vida futura. Essa atitude traduz a força moral que o Espiritismo proporciona, conforme já assinalava Kardec ao analisar a epidemia de cólera em 1865: a fé no futuro é um poderoso preservativo moral.

O Desafio Ético: Entre a Caridade e a Ganância

Um ponto central do relato de 1867 é a denúncia contra aqueles que exploravam a epidemia para enriquecer. Essa conduta revela a persistência do egoísmo, que, segundo os Espíritos, é a maior chaga da humanidade.

Na Revista Espírita (março de 1866), Kardec já afirmava que os flagelos servem para distinguir os homens de bem dos que apenas pensam em si. O episódio da ilha Maurício mostra, de forma prática, essa separação entre o “joio e o trigo”: enquanto uns rezavam e ajudavam os necessitados, outros aumentavam preços de remédios, indiferentes às mortes ao redor.

Esse dilema ético continua atual. Durante crises sanitárias recentes, verificou-se tanto a solidariedade — com redes de voluntariado, médicos atuando em condições extremas e pesquisas compartilhadas — quanto a ganância, com práticas de superfaturamento e exploração econômica em meio ao sofrimento coletivo.

Conclusão

O episódio da epidemia na ilha Maurício, registrado pela Revista Espírita em 1867, ilustra três lições principais:

  1. A dor coletiva como instrumento de regeneração: as epidemias, por mais cruéis que sejam, provocam reflexões e mudanças sociais que podem levar a um mundo mais justo.
  2. A força da fé espírita: diante da morte, a certeza da imortalidade e da continuidade da vida confere serenidade e coragem.
  3. O desafio ético permanente: flagelos revelam o contraste entre caridade e egoísmo, convidando cada um a se posicionar moralmente.

Ao unir os ensinamentos de Kardec às observações atuais sobre crises sanitárias, percebemos que o Espiritismo oferece não apenas uma leitura espiritual da dor, mas também um chamado à responsabilidade moral. Mais do que nunca, a caridade e a fraternidade são os verdadeiros antídotos contra os flagelos da humanidade.

Referências

  • KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 87. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2006.
  • KARDEC, Allan. Revista Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos. Diversos volumes (1858-1869).
  • Organização Mundial da Saúde (OMS). COVID-19 Vaccines Global Access Reports. Genebra, 2022.
  • KARDEC, Allan. A Gênese. 25. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007.
  • KARDEC, Allan. Revista Espírita, julho de 1867.

 

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