sábado, 27 de setembro de 2025

ESPERANÇA E FÉ:
FORÇAS VIVAS DA TRANSFORMAÇÃO ESPIRITUAL
- A Era do Espírito –

A Parábola

Kafka retrata de forma marcante esse tipo de esperança resignada e passiva em O Processo. Na narrativa, um homem chega diante da porta que conduz à Lei e suplica ao porteiro que o deixe entrar. O guardião, porém, responde que não pode autorizá-lo naquele momento. Embora a porta permaneça aberta, o homem prefere aguardar a permissão, sentando-se à entrada e ali permanecendo por dias, anos e, por fim, por toda a vida.

Repetidas vezes ele pede para entrar, mas sempre recebe a mesma negativa. Nesse longo tempo, dedica-se a observar o porteiro com tamanha atenção que chega a conhecer até as pulgas de sua gola de pele. Já idoso e próximo da morte, o homem faz uma última pergunta:

“Como é que, durante todos esses anos, ninguém além de mim procurou entrar?”

O porteiro, então, responde:

“Ninguém, exceto você, poderia ter permissão para atravessar esta porta, pois ela era destinada unicamente a você. Agora vou fechá-la.”

O homem estava velho demais para compreender — e talvez não tivesse entendido nem mesmo na juventude. Diante da aparente autoridade dos burocratas, aceitou a negativa e permaneceu imóvel, sem perceber que poderia ter atravessado a porta por conta própria. Se tivesse superado a esperança passiva e confiado em sua própria coragem, teria realizado o ato libertador que o conduziria ao palácio brilhante.

Assim são muitos: permanecem à espera de sinais externos, paralisados pela hesitação, quando o verdadeiro caminho só pode ser aberto pela decisão interior de agir.

Introdução

A esperança sempre acompanhou a humanidade em sua busca por sentido, justiça e progresso. Muitas vezes, porém, é confundida com simples expectativa ou com a passividade da espera. No entanto, sob a ótica espírita, codificada por Allan Kardec, a esperança é uma força ativa da alma, intimamente ligada à fé e ao trabalho constante no presente. Não se trata de aguardar milagres ou de confiar cegamente em promessas distantes, mas de agir, de modo consciente e racional, para transformar a si mesmo e colaborar na transformação coletiva.

Nos dias atuais, marcados por crises sociais, ambientais e espirituais, compreender a natureza da esperança é fundamental. O Espiritismo nos convida a refletir sobre sua essência, distinguindo a esperança passiva — que paralisa — da esperança ativa — que mobiliza a vida.

Esperança passiva e esperança ativa

A esperança passiva é aquela que se confunde com a espera. É o estado do indivíduo que transfere para o futuro, ou para terceiros, a realização de seus ideais, sem assumir responsabilidade pessoal no processo. Kafka ilustra esse tipo de esperança em O Processo, na história do homem que permanece à porta da Lei até a morte, aguardando autorização que nunca chega.

Do ponto de vista espírita, essa postura corresponde à ilusão de que basta “esperar” para que os problemas se resolvam, seja pela intervenção divina, seja pelo fluxo natural do tempo. Kardec, em O Livro dos Espíritos (questões 909 e 919), adverte que o progresso depende do esforço individual: o homem pode vencer suas más inclinações e aperfeiçoar-se se tiver vontade firme. A esperança, portanto, não é omissão, mas estímulo ao trabalho moral e intelectual.

A esperança ativa, ao contrário, é dinâmica. Não se trata de ansiar pelo impossível nem de forçar a realidade com imprudência, mas de manter-se preparado para colaborar com a vida no momento oportuno. É como o tigre agachado que aguarda o instante certo para agir. Essa esperança exige discernimento, paciência e coragem — virtudes que, segundo o Espiritismo, são inseparáveis da fé racional.

O vínculo entre esperança e fé

Allan Kardec, em O Evangelho Segundo o Espiritismo (cap. XIX, “A fé transporta montanhas”), explica que a fé é “a confiança na realização de algo, a certeza de alcançar um objetivo”. Mas essa certeza não se baseia em ilusões ou fantasias: ela é fruto da compreensão das leis divinas e da confiança no trabalho contínuo.

Nesse sentido, a esperança é o estado de alma que sustenta a fé. Sem esperança, a fé se esvazia em dogmatismo ou desânimo. Sem fé, a esperança degrada-se em mera expectativa ingênua. Quando unidas, ambas se tornam motores da evolução: inspiram o homem a suportar as dificuldades, a perseverar no bem e a acreditar na perfectibilidade de si mesmo e da humanidade.

A Revista Espírita (dezembro de 1862) registra uma comunicação espiritual que reforça essa visão: “A esperança é irmã da fé e ambas sustentam o homem nos dias de provação. Sem elas, a vida terrestre seria insuportável.” Assim, fé e esperança são recursos interiores que fortalecem o espírito diante das provas necessárias ao progresso.

Esperança e transformação social

No mundo contemporâneo, a esperança espírita precisa ultrapassar o campo individual e alcançar a esfera social. Diante das desigualdades, da violência e da degradação ambiental, não basta esperar que governos ou gerações futuras resolvam os problemas. A esperança verdadeira mobiliza o presente: é fé ativa que se traduz em solidariedade, respeito à vida e promoção da justiça.

Kardec já advertia, na Revista Espírita (abril de 1865), que “a regeneração da humanidade será o resultado do progresso moral”. Isso significa que o futuro não está nas mãos de um destino cego, mas na ação consciente dos homens que cultivam esperança lúcida e fé racional.

Conclusão

A esperança não é sinônimo de espera, nem de aventura inconsequente. Ela é força viva que nasce da fé esclarecida, sustentando o espírito na luta diária e abrindo horizontes de renovação. É confiança ativa no bem, traduzida em atos concretos de transformação.

O Espiritismo nos ensina que cada um de nós é responsável por acender a chama da esperança no próprio coração e no coração do mundo, não como simples expectativa do futuro, mas como realização contínua do presente.

Referências

  • KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 1857.
  • KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 1864.
  • KARDEC, Allan. Revista Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos (1858-1869).
  • FROMM, Erich. A Revolução da Esperança. Rio de Janeiro: Zahar, 1970.

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