Introdução
Desde sua
codificação por Allan Kardec, entre 1857 e 1869, o Espiritismo foi definido
como uma doutrina de tríplice aspecto: ciência de observação, filosofia de
consequências morais e religião no sentido de laço espiritual entre Deus e as
criaturas. Contudo, a vertente científica sempre despertou debates, tanto
dentro quanto fora do movimento espírita.
Em O
que é o Espiritismo, Kardec apresentou a Doutrina como “uma ciência que trata
da natureza, origem e destino dos Espíritos, bem como de suas relações com o
mundo corporal”. Mais tarde, em A Gênese (cap. I, item 14), afirmou que
o Espiritismo utiliza o método experimental, como fazem as ciências positivas.
Essa perspectiva conferiu à Doutrina um caráter investigativo e progressivo,
aberto à confrontação com os fatos.
Entretanto,
após Kardec, a pesquisa sistemática dos fenômenos espirituais arrefeceu. Hoje,
diante dos avanços das ciências físicas, biológicas e psicológicas, é legítimo
questionar: como conciliar a proposta espírita de ciência com os métodos
atuais? O que se pode aprender com as contribuições de pioneiros como Crookes,
Bozzano e Rhine? E quais desafios permanecem para o século XXI?
1. O Espiritismo como Ciência de Observação
Kardec
jamais pretendeu oferecer uma doutrina dogmática. Para ele, os fatos deveriam
ser analisados com rigor, submetidos à crítica e organizados em leis. É nesse
sentido que o Espiritismo se coloca como ciência de observação, lidando com
fenômenos que não se restringem à matéria tangível, mas envolvem a interação
entre Espírito e mundo corporal.
Após
Kardec, autores como Gabriel Delanne (O Fenômeno Espírita), Léon Denis (Depois
da Morte) e Gustavo Geley (Do Inconsciente ao Consciente) reforçaram
esse caráter científico. Todos insistiram na necessidade de observar os
fenômenos mediúnicos de forma metódica, a fim de evitar tanto o misticismo
quanto a incredulidade precipitada.
2. Ciência, Método e Preconceito
A ciência
moderna baseia-se em etapas fundamentais: fato, observação, hipótese,
experimentação e lei. O método indutivo, herdado de Bacon, Galileu e
Newton, exige que as teorias se ajustem aos fatos, e não o contrário.
Contudo,
quando se trata de fenômenos psíquicos ou espirituais, surgem obstáculos
particulares:
- a reprodutibilidade
limitada dos fenômenos, já que dependem não só de condições materiais,
mas também da vontade dos médiuns e dos Espíritos;
- o dogmatismo científico,
que muitas vezes rejeita a priori o que não se enquadra nos paradigmas
vigentes;
- os preconceitos
históricos, como demonstrado no caso de William Barret, ridicularizado
por relatar experiências de percepção extrassensorial.
Assim, a
dificuldade não está apenas nos fenômenos, mas também no olhar da própria
ciência, que, por vezes, fecha-se ao novo.
3. Críticas Internas ao Movimento Espírita
Se por um
lado a ciência acadêmica ainda resiste a investigar os fenômenos mediúnicos,
por outro lado, o próprio movimento espírita apresenta limitações:
- a pesquisa experimental
praticamente estagnou desde os pioneiros do século XIX e início do XX;
- faltam recursos, métodos
atualizados e, muitas vezes, interesse para sistematizar os estudos;
- ainda predomina o apego à
crença, sem o esforço correspondente de comprovação.
Nomes
como William Crookes, que estudou o Espírito Katie King com rigor laboratorial,
ou Ernesto Bozzano, que analisou centenas de casos de efeitos físicos e
intelectuais, foram exceções notáveis. Mais recentemente, Hernani Guimarães
Andrade tentou renovar a experimentação com sua “teoria corpuscular do
Espírito”. Ainda assim, a pesquisa espírita permanece incipiente diante da
vastidão de possibilidades.
O alerta
de Emmanuel, pela psicografia de Chico Xavier, permanece atual: “Necessitamos
de operar ativamente para que a Ciência descubra, nos próprios planos físicos,
as afirmações da espiritualidade. Do contrário, não nos tomarão a sério”.
4. Contribuições da Metapsíquica e da
Parapsicologia
Entre os
pesquisadores não espíritas, destacam-se:
- Charles Richet, prêmio Nobel de Medicina,
que cunhou o termo “metapsíquica” e estudou a chamada “criptestesia” (percepção
além dos sentidos), embora rejeitasse a hipótese da sobrevivência;
- Joseph Rhine, fundador da Parapsicologia
moderna, que aplicou métodos estatísticos à investigação da telepatia e da
psicocinesia;
- Ian Stevenson, que acumulou mais de dois
mil casos sugestivos de reencarnação, hoje amplamente divulgados.
No campo
da física contemporânea, conceitos como a antimatéria, o entrelaçamento
quântico e a reversibilidade do tempo aproximam-se de hipóteses que favorecem
uma compreensão mais ampla da realidade. Autores como Arthur Eddington e mesmo
físicos laureados com o Nobel já reconheceram que a matéria, tal como era
entendida no século XIX, deixou de ser a “substância última”.
Esses
avanços, mesmo que não confirmem a tese espírita, ajudam a abrir espaço para um
diálogo frutífero entre ciência e espiritualidade.
5. Conclusão
O
Espiritismo nasceu como ciência de observação, filosofia de interpretação e de
valores morais. No entanto, a face científica da Doutrina permanece como
desafio em aberto.
Para
avançar, não basta esperar que a ciência acadêmica se interesse espontaneamente
pelos fenômenos mediúnicos. É necessário que os próprios espíritas se
capacitem, organizem pesquisas sérias, construam pontes com universidades e
aproveitem os recursos tecnológicos de hoje, como a neurociência, a física de
partículas e a inteligência artificial aplicada à análise de dados.
Se Kardec
iniciou o trabalho com os recursos de seu tempo, cabe às novas gerações dar
continuidade, com coragem e seriedade. Afinal, como disse o próprio Codificador
na Revista Espírita de 1861: “A ciência espírita está ainda na
infância; cabe ao futuro completá-la”.
Referências
- KARDEC, Allan. O Livro
dos Espíritos. FEB.
- KARDEC, Allan. O Livro
dos Médiuns. FEB.
- KARDEC, Allan. A Gênese.
FEB.
- KARDEC, Allan. O que é o
Espiritismo. FEB.
- KARDEC, Allan. Revista
Espírita (1858-1869). FEB.
- DELANNE, Gabriel. O
Fenômeno Espírita. FEB.
- GELEY, Gustavo. Do
Inconsciente ao Consciente. FEB.
- BOZZANO, Ernesto. Fenômenos
de Transporte. Edicel.
- RICHet, Charles. Tratado
de Metapsíquica.
- RHINE, Joseph. Novas
Fronteiras da Mente.
- STEVENSON, Ian. Vinte
Casos Sugestivos de Reencarnação.
- ANDRADE, Hernani G. A
Teoria Corpuscular do Espírito.
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