Introdução
A sociedade contemporânea fala muito em qualidade
de vida. São exaltados os avanços da medicina, que prolongam a longevidade,
e da tecnologia, que proporciona conforto e praticidade. Contudo, ao lado
dessas conquistas, muitas vezes esquecemos de um aspecto essencial: a vida
emocional, social e espiritual dos idosos.
Reduzir a velhice à satisfação de necessidades
básicas — alimentação, higiene, repouso — é insuficiente. Os que chegaram a
essa fase não deixaram de ser seres humanos plenos, com afetos, lembranças,
sonhos e esperanças. Negar-lhes a convivência, o diálogo e o carinho é uma
forma de violência silenciosa que desconsidera todo o legado que nos deixaram.
A Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec,
oferece uma visão profunda sobre o envelhecimento, mostrando que a velhice não
é decadência, mas etapa da vida espiritual em processo de progresso.
O valor
do idoso na visão espírita
Em O Livro dos Espíritos, questões 920 a
922, os Espíritos ensinam que a felicidade possível na Terra não depende da
ausência de dificuldades, mas do cultivo da paz interior, da consciência
tranquila e dos laços de afeto. Isso se aplica de modo especial aos idosos:
mesmo diante de limitações físicas, eles podem e devem encontrar sentido na
vida por meio do amor e da participação social.
Na Revista Espírita de setembro de 1863,
Kardec publica um tocante diálogo mediúnico com o Espírito de um ancião, que
declara ter encontrado alívio e alegria no plano espiritual graças ao respeito
e à ternura recebidos em seus últimos dias na Terra. Esse testemunho mostra
como o cuidado aos mais velhos repercute em sua jornada espiritual após a
desencarnação.
Longevidade,
isolamento e o desafio contemporâneo
Dados recentes da Organização Mundial da Saúde
(OMS) revelam que a população mundial acima de 60 anos deve duplicar até
2050, alcançando 2,1 bilhões de pessoas. No Brasil, segundo o IBGE (2023),
quase 15% da população já é idosa. Com isso, cresce a preocupação com a saúde
física e mental dessa faixa etária.
Estudos em gerontologia mostram que o isolamento
social é um dos maiores fatores de risco para depressão e perda cognitiva entre
idosos. A solidão, infelizmente, é realidade em muitas famílias, seja por
abandono, seja pela crença equivocada de que o idoso precisa apenas de “repouso
e silêncio”.
À luz do Espiritismo, esse abandono é contrário à
lei de amor, justiça e caridade (LE, q. 886). O idoso, longe de ser um “peso”,
é um Espírito em processo de aprendizado, que acumula experiências valiosas
para compartilhar. Desconsiderar sua presença é negar a oportunidade de
convivência e aprendizado mútuo.
O idoso
como educador e testemunha de vida
Em O Evangelho segundo o Espiritismo (cap.
XIII), Kardec lembra que honrar pai e mãe significa não apenas respeitar a
paternidade biológica, mas também reconhecer o valor daqueles que vieram antes
de nós. Nesse sentido, os idosos são testemunhas vivas da história, portadores
de sabedoria adquirida em longos caminhos de vida e luta.
Quando aproximamos crianças e idosos, criamos uma
ponte preciosa: os pequenos aprendem com as experiências e afetos dos mais
velhos, enquanto os anciãos revivem sua vitalidade ao participar do cotidiano
familiar. Essa convivência é profundamente terapêutica e espiritualmente
edificante.
O
envelhecimento como etapa de progresso espiritual
A Doutrina Espírita ensina que a vida corporal é
apenas uma fase da existência do Espírito. Envelhecer é preparar-se para a
transição, mas não significa perder o sentido da vida. Em O Céu e o Inferno,
Kardec relata diversos casos de Espíritos que, ao desencarnar, reconheceram o
valor das virtudes cultivadas na velhice: a paciência, a resignação, a
serenidade diante das provas.
Assim, a velhice pode ser vista como um período
de colheita: o Espírito revisita suas experiências, compartilha saberes e
exercita a aceitação, preparando-se para a continuidade no mundo espiritual.
Conclusão
A qualidade de vida do idoso não se mede apenas em
anos vividos ou em condições materiais, mas sobretudo na forma como ele é
reconhecido como pessoa, amado e integrado ao convívio social.
A Doutrina Espírita recorda que todos somos
Espíritos em aprendizado, destinados à imortalidade. Valorizar nossos idosos é
também valorizar o futuro, pois um dia estaremos na mesma posição.
Cabe-nos, portanto, oferecer não só cuidados
físicos, mas também presença, carinho e diálogo. Como lembra Kardec na Revista
Espírita de dezembro de 1861, “o respeito aos mais velhos é o respeito à
própria humanidade em seu curso natural”.
Referências
- KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 1857.
- KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. 1861.
- KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. 1864.
- KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno. 1865.
- KARDEC, Allan. A Gênese. 1868.
- KARDEC, Allan. O que é o Espiritismo. 1859.
- KARDEC, Allan. Revista Espírita (1858-1869).
- Organização Mundial da Saúde (OMS). Envelhecimento e saúde,
2023.
- IBGE. Projeção da população do Brasil por idade e sexo: 2023.
- Momento Espírita. Qualidade de vida. Disponível em: https://www.momento.com.br/pt/ler_texto.php?id=2081&let=Q&stat=0.
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