quinta-feira, 4 de setembro de 2025

KARDEC E DARWIN
O ESPIRITISMO ANTECIPOU
OU INCORPOROU A TEORIA DA EVOLUÇÃO?
- A Era do Espírito -

Introdução

Desde a publicação de A Origem das Espécies (1859), de Charles Darwin, a teoria da evolução tornou-se um dos marcos mais influentes da ciência moderna. No meio espírita, surge frequentemente a afirmação de que Allan Kardec teria antecipado Darwin ao apresentar em O Livro dos Espíritos (1857) uma visão evolucionista da criação.

Entretanto, uma análise criteriosa das edições da obra, dos desdobramentos em A Gênese (1868) e dos artigos da Revista Espírita (1858–1869), revela que a questão não é tão simples. Kardec, fiel ao princípio de que o Espiritismo deveria caminhar lado a lado com a ciência, ajustou e aprofundou suas formulações doutrinárias à medida que novos conhecimentos científicos se consolidavam.

Assim, o problema central que este artigo examina é: Kardec antecipou Darwin ou, ao contrário, incorporou a teoria evolucionista ao arcabouço espírita após 1859?

1. A primeira edição de O Livro dos Espíritos (1857)

A edição inicial de O Livro dos Espíritos, com 501 perguntas, não apresentou uma concepção evolucionista compatível com a teoria darwiniana. Pelo contrário, na questão 127, os Espíritos afirmam que a alma humana jamais passou pelos diversos reinos da natureza para alcançar o estágio hominal:

“Não! Não! Homens nós somos desde natos. Cada coisa progride na sua espécie e em sua essência; o homem jamais foi outra coisa que não um homem.” (Kardec, 2004, p. 65).

O comentário de Kardec reforça essa perspectiva, descartando a possibilidade de o Espírito humano ter evoluído gradualmente através dos reinos inferiores.

2. A segunda edição de O Livro dos Espíritos (1860)

Com a ampliação da obra para 1.019 perguntas, publicada em 18 de março de 1860, após a divulgação da obra de Darwin, o tratamento da questão sofreu uma inflexão. As perguntas 607 a 611 introduzem uma noção de evolução espiritual que inclui o “princípio inteligente” elaborando-se gradualmente nos seres inferiores antes de alcançar a condição humana:

“Nesses seres, cuja totalidade estais longe de conhecer, é que o princípio inteligente se elabora, se individualiza pouco a pouco e se ensaia para a vida […] Entra então no período da humanização, começando a ter consciência do seu futuro, capacidade de distinguir o bem do mal e a responsabilidade dos seus atos.” (Kardec, 2007a, p. 336-337).

Esse deslocamento evidencia que a segunda edição dialogava com um novo cenário científico e cultural, no qual a teoria darwiniana já circulava e provocava debates intensos.


3. A Gênese (1868) e a síntese espírita da evolução

Em A Gênese, capítulo X, item 29, Kardec afirma que o homem é “o último elo da cadeia da animalidade na Terra”, aproximando-se ainda mais da perspectiva científica da evolução biológica. Contudo, ele distingue claramente a evolução material da evolução espiritual, afirmando que a Doutrina Espírita não reduz o homem apenas à sua dimensão orgânica.

Aqui se percebe que o Espiritismo não se limita a repetir Darwin, mas propõe uma síntese em que a evolução biológica serve de base para a ascensão espiritual, cujo destino final é a perfeição relativa diante de Deus.

4. A Revista Espírita e a abertura ao progresso científico

Nos artigos da Revista Espírita, especialmente durante a década de 1860, Kardec reiterava o princípio de que o Espiritismo deveria acompanhar a ciência. Em janeiro de 1863, por exemplo, sublinhou que a Doutrina não teme o avanço científico, pois está pronta a rever pontos específicos caso novas descobertas o exijam.

Essa postura é resumida em sua célebre declaração:

“[...] Caminhando de par com o progresso, o Espiritismo jamais será ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe demonstrarem estar em erro acerca de um ponto qualquer, ele se modificará nesse ponto. Se uma verdade nova se revelar, ele a aceitará.” (A Gênese, cap. I, item 55).

Portanto, Kardec não via contradição entre ciência e Espiritismo, mas complementaridade.

Conclusão

A análise histórica e doutrinária demonstra que Allan Kardec não antecipou a teoria da evolução de Darwin em 1857. Pelo contrário, a primeira edição de O Livro dos Espíritos rejeitava a ideia de que o Espírito humano tivesse percorrido os reinos inferiores.

Somente após a publicação de A Origem das Espécies (1859) é que, na segunda edição de O Livro dos Espíritos (1860) e posteriormente em A Gênese (1868), Kardec incorporou noções mais afinadas com a ideia de evolução, ampliando o ensino dos Espíritos para incluir o desenvolvimento do princípio inteligente ao longo da escala dos seres.

Dessa forma, podemos afirmar que o Espiritismo não antecipou Darwin, mas dialogou com a teoria evolucionista, reinterpretando-a à luz da lei de progresso espiritual. Essa síntese permanece atual, pois demonstra a abertura do Espiritismo ao conhecimento científico e sua vocação para integrar ciência, filosofia e moral sob a égide da moral cristã.

Referências

  • KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 1ª edição, 1857.
  • KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 2ª edição ampliada, 1860.
  • KARDEC, Allan. A Gênese. Rio de Janeiro: FEB, 2007.
  • KARDEC, Allan. Revista Espírita. 1858–1869.
  • PAIM, Zuleica M. S. Evolução: do átomo ao arcanjo. Porto Alegre: Francisco Spinelli, 2013.
  • SILVA SOBRINHO NETO, Paulo da, Kardec não Antecipou Darwin, artigo.

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