sábado, 6 de setembro de 2025

MILAGRES CÓSMICOS OU LIÇÕES DE RACIOCÍNIO?
REFLEXÕES ESPÍRITAS
SOBRE O SOL QUE PAROU E A SOMBRA QUE RECUOU
- A Era do Espírito -

Introdução

“A sabedoria do homem sagaz é descobrir o seu próprio caminho” (Pr 14,8). Essa advertência bíblica nos convida a usar a razão como guia seguro, para que não aceitemos sem exame o que contraria as leis divinas, expressas na ordem natural do universo.

O Espiritismo, codificado por Allan Kardec, ensina que Deus não derroga suas próprias leis, mas age por meio delas. Logo, a interpretação literal de certos textos bíblicos, que apresentam fenômenos contrários à lógica e à ciência, carece de uma análise à luz da razão e do ensino espírita.

Dois episódios chamam atenção: o Sol que parou (Josué 10,12-14) e a sombra que voltou atrás (Isaías 38,1-8; 2 Reis 20,1-11). Teriam sido milagres? Ou reflexos de uma compreensão primitiva dos fenômenos cósmicos?

O Sol que Parou

O relato de Josué afirma que o Sol se deteve no céu para prolongar a luz do dia. Ora, o conhecimento atual — já acessível em parte à época de Kardec — demonstra que o ciclo do dia e da noite resulta da rotação da Terra sobre seu eixo, não do movimento do Sol.

Assim, parar o Sol não prolongaria a claridade. Além disso, se a Terra tivesse parado sua rotação de forma brusca, os efeitos seriam catastróficos: tsunamis devastadores, corpos arremessados ao espaço pela inércia, perturbações generalizadas. Como a Revista Espírita (setembro de 1866) afirma:

“O milagre, no sentido de derrogação das leis divinas, não existe; Deus não se contradiz.”

O episódio, portanto, deve ser entendido como uma interpretação simbólica ou lendária, fruto da ignorância científica do redator, e não como um evento real.

A Sombra que Recuou

Já o caso de Ezequias relata que o Sol voltou dez graus no relógio solar como sinal divino. O recuo da sombra implicaria que a Terra girasse no sentido contrário — com as mesmas consequências desastrosas descritas anteriormente.

O Espiritismo ensina que Deus é soberanamente justo e bom, e não faria prodígios materiais para favorecer um indivíduo em detrimento de outros igualmente piedosos que sofrem sem alívio aparente.

A Revista Espírita (dezembro de 1861) lembra que a providência divina não se manifesta por capricho ou favoritismo, mas por meio de leis universais e da justiça espiritual que rege a todos.

Assim, o episódio deve ser lido como um recurso literário ou simbólico: a retroação da sombra representaria a concessão de mais tempo de vida, não um fenômeno astronômico literal.

O Valor do Livre-Exame

O Espiritismo não nega a Bíblia, mas propõe sua leitura à luz da razão e da lei do progresso. Jesus advertiu: “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (Jo 8,32).

Questionar não é falta de fé, mas expressão de confiança em Deus, que nos deu a inteligência como instrumento de evolução. Kardec afirma em O Livro dos Espíritos (q. 13):

“Deus é soberanamente justo e bom; a razão no-lo diz.”

Se algo apresentado como revelação contradiz a razão e as leis da natureza, devemos rejeitar a interpretação literal e buscar o sentido moral e espiritual da lição.

Conclusão

Os chamados “milagres cósmicos” não resistem ao crivo da lógica nem ao exame das leis divinas imutáveis. No entanto, guardam uma mensagem moral: a confiança em Deus, a fé na vida além da morte e a necessidade de buscarmos a verdade com o raciocínio livre de dogmas.

Mais do que acreditar em fenômenos impossíveis, a verdadeira fé, segundo o Espiritismo, é aquela que se apoia na razão, que respeita as leis divinas e que conduz o homem ao progresso moral e espiritual.

“Examinai tudo, retende o que é bom” (1 Ts 5,21). Este é o caminho da sabedoria, da liberdade de consciência e da fé raciocinada que nos liberta.

Referências

  • KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 1857.
  • KARDEC, Allan. A Gênese. 1868.
  • KARDEC, Allan. O que é o Espiritismo. 1859.
  • KARDEC, Allan. Revista Espírita (1858-1869), diversos números.
  • SOBRINHO, Paulo da Silva Neto, Milagres de Ordem Cósmica, artigo.
  • A Bíblia de Jerusalém. Sociedade Bíblica Católica Internacional, Paulus.

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