segunda-feira, 22 de setembro de 2025

O CANTO DO ZUAVO E A LIBERDADE DE ESCOLHA:
REFLEXÕES ESPÍRITAS
A PARTIR DA REVISTA ESPÍRITA DE 1859
- A Era do Espírito -

Introdução

A Revista Espírita, dirigida por Allan Kardec entre 1858 e 1869, foi um laboratório vivo de ideias e experiências sobre o mundo espiritual. Nela se encontram não apenas relatos de fenômenos mediúnicos, mas também análises filosóficas e morais que deram consistência à Doutrina Espírita. Entre os registros do ano de 1859, dois temas se destacam e merecem reflexão atual: o impacto moral do Canto do Zuavo, inspirado pela evocação de espíritos de soldados mortos em combate, e a discussão sobre a liberdade de fazer ou deixar de fazer, frente às aparentes contradições entre missão, livre-arbítrio e fatalidade.

Esses episódios revelam o cuidado metodológico da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas (SPEE), que buscava conciliar os ensinamentos dos Espíritos com o crivo da razão, evitando tanto o dogmatismo quanto a aceitação cega de mensagens espirituais.

O Canto do Zuavo e a superação do medo da morte

No dia 15 de julho de 1859, em sessão particular da SPEE, foi apresentada uma carta do Sr. Jobard, de Bruxelas, acompanhada de uma canção intitulada O Canto do Zuavo. Inspirada pela evocação do chamado “Zuavo de Magenta”, um soldado falecido na batalha de Magenta, a composição buscava transmitir ao público uma mensagem essencial: as ideias espíritas ajudam a dissipar o temor da morte, substituindo-o pela esperança e pela compreensão da vida espiritual.

A canção chegou a ser apresentada em um teatro de Bruxelas, demonstrando como o Espiritismo já naquele tempo se projetava para além dos círculos fechados de estudo, alcançando espaços culturais e artísticos. Esse fato ilustra a força mobilizadora das ideias espíritas quando associadas à arte, mostrando que a divulgação dos princípios da imortalidade e da continuidade da vida não precisa se restringir ao discurso teórico, mas pode se revestir de formas criativas e acessíveis.

Hoje, quando a sociedade contemporânea ainda lida com tabus em torno da morte e com crises coletivas marcadas por guerras, catástrofes e epidemias, o exemplo do Canto do Zuavo mostra a importância de integrar a espiritualidade em linguagens que falem à sensibilidade humana, trazendo alívio, coragem e resignação ativa diante das provas da existência.

A liberdade humana e a crítica à fatalidade

Outro ponto relevante das sessões de 1859 foi a análise das respostas atribuídas ao Espírito de Cristóvão Colombo. Parte dos membros da SPEE questionou se algumas de suas afirmações não sugeririam a existência de uma fatalidade que impediria o livre-arbítrio. A discussão levou Kardec a registrar, na Revista Espírita, reflexões valiosas.

A conclusão foi clara:

  • O homem não é conduzido por forças irresistíveis. Embora influências externas e internas possam condicioná-lo, permanece sempre responsável por seus atos.
  • A fatalidade não encontra respaldo na Doutrina Espírita. Quando Espíritos exprimem ideias contrárias ao bom senso ou às leis universais, isso reflete apenas suas limitações pessoais, não uma verdade absoluta.
  • A razão é o critério. Nem mesmo comunicações de Espíritos considerados ilustres devem ser aceitas sem exame. Como Kardec advertiu, um Espírito poderia afirmar que o Sol gira em torno da Terra, mas isso não o tornaria verdadeiro.

Esse episódio é exemplar para o método espírita: as comunicações devem ser estudadas à luz da lógica e do progresso científico. O Espiritismo não é um compêndio de revelações infalíveis, mas um processo contínuo de aprendizado em que a liberdade de pensar e escolher é preservada.

Atualidade das reflexões

O diálogo entre arte, espiritualidade e razão, presente nos relatos de 1859, tem profunda atualidade. Em um mundo marcado pela difusão de informações rápidas, pela influência de correntes espirituais diversas e pelo risco de adesão acrítica a mensagens de origem duvidosa, o método espírita permanece um guia seguro: observar, analisar, comparar, questionar e só aceitar o que resiste à prova da razão.

Da mesma forma, a defesa da liberdade humana contra qualquer ideia de predestinação rígida é um ponto central da filosofia espírita. O ser humano é coautor de seu destino, sujeito às leis divinas, mas também dotado de responsabilidade moral para escolher, aprender e evoluir.

Conclusão

O Canto do Zuavo e a discussão sobre a liberdade de fazer ou deixar de fazer, registrados na Revista Espírita de 1859, mostram a vitalidade e a atualidade do pensamento espírita. Eles revelam uma doutrina que não se contenta com a aceitação passiva de mensagens espirituais, mas que estimula a reflexão crítica, valoriza a arte como meio de elevação moral e reafirma a dignidade da liberdade humana.

Mais de 160 anos depois, essas lições continuam a iluminar o caminho dos que buscam compreender a vida em sua totalidade, lembrando que a morte não é o fim e que a evolução espiritual se constrói pela escolha consciente do bem.

Referências

  • KARDEC, Allan. Revista Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos. 1859. Traduções diversas. Disponível em: http://www.aeradoespirito.net.
  • KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 1857.
  • KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. 1861.
  • KARDEC, Allan. A Gênese. 1868.
  • Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas. Boletins de 1859, publicados na Revista Espírita.

 

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